Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Sem lógica, por Miriam Leitão

No primeiro balanço do PAC, o trem-bala não constava, no décimo, ele estava no primeiro lugar absorvendo metade dos investimentos previstos para o setor. Não foram feitos os estudos detalhados necessários para que as construtoras possam calcular suas ofertas, mas a licitação está prevista para o fim do ano. Já foi avaliado em R$ 18 bilhões, agora em R$ 34 bilhões e pode ir a R$ 70 bilhões.

Os especialistas em logística não sabem como foi que, de repente, o TAV, Trem de Alta Velocidade, virou a prioridade absoluta do país, e acham que pode custar o dobro do calculado. Enquanto isso, o investimento no Ferroanel de São Paulo caiu de R$ 528 milhões, na previsão do primeiro balanço do PAC, para R$ 20 milhões, no décimo balanço.


O professor Paulo Fernando Fleury, do Instituto Ilos de Logística e Supply Chain, fez um estudo sobre as estruturas viárias do país, uma pesquisa junto às grandes empresas consumidoras de serviços logísticos, e uma análise do PAC. Viu o retrato de um país perdido entre prioridades invertidas, decisões confusas das autoridades e muitos gargalos.

- Uma pesquisa do Banco Mundial mostrou que 91% dos empresários brasileiros acham que a logística é uma vantagem competitiva estratégica para as empresas. Num ranking de desempenho logístico em 150 países, o Brasil ficou em 41 em desempenho logístico, mas isso porque a privatização das comunicações melhorou o item infraestrutura. No item "procedimentos alfandegários", o Brasil está em 82. Existem dez órgãos para carimbar e dar autorização na Alfândega. Em 2008, houve 121 dias em que pelo menos uma das repartições que operam dentro dos portos estava em greve, disse Fleury.

A logística mistura uma série de fatores que vão desde o transporte, armazenamento, gestão de estoques, organização de fluxos de insumos e de entrega do produto final de uma empresa. O conceito era quase desconhecido há alguns anos, hoje está no coração das empresas. Fleury conta que numa pesquisa de 1995 em nenhuma das grandes empresas brasileiras havia um responsável por logística. Em 2003, uma pesquisa sobre o nível hierárquico do principal executivo de logística nas grandes empresas brasileiras não havia uma única empresa em que ele fosse presidente ou vice-presidente, mas em 42% delas o responsável era diretor e em 49% era gerente sênior. Agora, em 23% delas o principal executivo de logística está no nível de presidente ou vice-presidente da empresa e em 37% está nadiretoria. O setor privado tem investido cada vez mais em logística, o setor público não consegue remover os gargalos, nem tornar eficiente a malha viária do país.

A demanda por serviços logísticos vem crescendo de forma explosiva. As exportações cresceram 18% ao ano desde 2001, a movimentação nos portos cresce a 7% ao ano. Nas ferrovias, desde a privatização em 1997 houve um aumento de 102% de carga transportada. Em 1997, havia 35 operadores logísticos, hoje existem 165 empresas que fazem esse trabalho e o faturamento delas saiu de R$ 1 bilhão para R$ 39 bilhões. O custo logístico no Brasil é de 11,6% do PIB, nos Estados Unidos é de 8,7%. No Brasil é 30% maior.

A comparação com qualquer outro país continental mostra uma enorme disparidade da escolha das formas de transportes, os chamados modais. No Brasil, 62,7% da carga vão por via rodoviária, nos Estados Unidos, 27,7%. Aqui, só 21,7% são por via ferroviária, lá, 41,5%. No Brasil, 3,8% vão por dutos e lá, 19%. No aquaviário estão equivalentes, 11,7% e 11,5%. No aéreo, 0,1% aqui e 0,3% lá. Mas por aviões vai a carga mais valiosa.

- Se aplicássemos no Brasil a proporção da matriz dos Estados Unidos, mantendo os custos brasileiros, a economia seria de R$ 58 bilhões, 2% do PIB. E reduziríamos 35% das emissões dos gases de efeito estufa no transporte. Há uma correlação direta entre desempenho logístico e competitividade na exportação de produtos de alto valor agregado, diz Fleury.

Olhada pelas autoridades de forma partida, a logística é o nervo exposto da falta de competitividade brasileira. Um exemplo: os portos. Eles têm dificuldades, mas a pesquisa mostrou que para os empresários o principal problema dos portos é a ineficiência do acesso rodoviário até eles. Quando se pergunta às empresas quais são os principais problemas de infraestrutura do país, só 27% registraram o item "poucos portos", mas 95% apontaram "estradas mal conservadas" e 86% apontaram "malha ferroviária insuficiente".

O PAC não melhorou esse quadro, na opinião do especialista. Primeiro, pela falta de visão integrada de logística; segundo, pela falta de sentido de algumas prioridades como a do trem-bala.

- Nem foi citado no primeiro balanço do PAC e no décimo balanço aparece como a maior prioridade nos investimentos logísticos do país. Nem foi estudado e já vai ser licitado. Não faz sentido. Além disso, a comparação entre o PAC-1 e PAC-2 mostra sobreposição de ações. Em um e outro, só nos portos há 17 ações repetidas, que estão no PAC-1 e aparecem como coisa nova no PAC-2. Em rodovias e ferrovias há uma série de trechos repetidos nos dois PACs, explica.

Isso sem falar no fato de que entre os balanços, as ações são subdivididas para parecerem concluídas, e as obras são fracionadas para permitirem inaugurações sucessivas. Com truques como esses e falta de visão sistêmica, a ineficiência logística continua e vai drenando os esforços das empresas para serem mais competitivas.

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