Maura Campanili
Clima e Floresta IPAM.
O Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 39% até 2020, mas pretende, ao mesmo tempo, expandir em cerca de 30% as áreas para produção agropecuária. Segundo especialistas reunidos no seminário “Rumo às baixas emissões da agropecuária brasileira”, realizado em 7 de outubro, em São Paulo, o país possui terras e tecnologia suficientes para cumprir essas metas, mas precisa investir política e economicamente em ajustes como o aumento da produção das pastagens, implementação de melhores práticas agrícolas e na recuperação florestal das áreas degradadas. Mas quem vai pagar essa conta? Para Daniel Nepstad, coordenador dos programas Internacional e Cenários do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), organizador do evento junto com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da FVG (GVCes), “é preciso caçar o gato”, ou seja, procurar em várias fontes, como os fundos públicos para REDD ou sistemas de cap-and-trade, como da Califórnia (EUA), que deverá investir em programas de REDD em países com florestas tropicais.
Clima e Floresta – Por que a agropecuária é importante nos esforços globais de estabilização do clima do planeta?
Daniel Nepstad – A agricultura e a pecuária respondem diretamente por 31% das emissões globais de gases de efeito estufa, os GEE. Além disso, 55% dessas emissões (ou 17% das emissões globais de GEE) estão associadas ao corte e a queima de florestas tropicais e com a degradação dessas florestas através da exploração madeireira e dos incêndios florestais. No Brasil, as taxas históricas (1996-2005) de desmatamento e degradação florestal na Amazônia e no Cerrado contribuíram para 60% das emissões no nível nacional e 3% no nível global.
Clima e Floresta – Com essa participação relevante, o mercado está cobrando a redução de emissões da agropecuária?
Nepstad – Sistemas internacionais de certificação de produtos da agropecuária já estão favorecendo produtores e empresas que se dispõem a reduzir as emissões de GEE. Três “mesas redondas” internacionais que debatem a produção de óleo de dendê, soja e cana-de-açúcar estabeleceram como um dos critérios de certificação a redução do desmatamento. A produção dessas commodities em áreas de florestas nativas recém desmatadas, por exemplo, não recebem certificação alguma. Além disso, cada mesa redonda está criando metodologias para contabilizar as emissões de GEE dos seus produtores certificados.
Clima e Floresta – O setor tem correspondido a essa demanda?
Nepstad – Empresas e produtores que representam entre 25% e 30% da produção global de soja, óleo de dendê e cana-de-açúcar já assumiram compromissos de cumprir os critérios estabelecidos nestas mesas redondas.
Clima e Floresta – Onde o produtor rural pode buscar recursos e se beneficiar da redução de emissões de gases de efeito estufa?
Nepstad – O produtor que está buscando reduções de emissões de GEE terá um acesso diferenciado aos mercados e linhas de financiamento. De maneira geral, esses financiamentos podem ser divididos em dois tipos: o de origem pública ou privada. O financiamento público provém de governos ou através de instituições financeiras nacionais e internacionais, tal como o Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) ou Fores Investment Program (FIP) do Banco Mundial. Outro exemplo é o novo Programa de Agricultura de Baixo Carbono (Programa ABC), que está sendo construído por várias instituições do Governo Federal.
Clima e Floresta – E quais são as formas de financiamento privado?
Nepstad – Existem duas formas de financiamento privado fomentando a redução de emissões de GEE: o mercado mandatório e o mercado voluntário. O mercado mandatório é aquele criado através de leis que impõem metas de redução de emissões em empresas e nos setores emissores de GEE. O único mercado mandatório de grande escala em funcionamento é o European Emissions Trading Scheme (ETS), responsável por mais de 90% dos 110 bilhões de dólares de crédito de carbono negociados em 2009. O setor agropecuário pode participar do ETS por meio de Projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto. Entre outras alternativas, o MDL pode compensar projetos que visam sequestrar carbono florestal através de restauro florestal, mas não aceita projetos que busquem reduzir emissões por desmatamento evitado (REDD).
Clima e Floresta – Nesse cenário, quem busca recursos para projetos de REDD tem alguma alternativa de financiamento privado?
Nepstad – Com o fracasso das negociações do tratado do clima em Copenhague (COP 15), a criação de um mercado mandatório em escala global capaz de definir um preço único de carbono demandará ainda alguns anos. Mas o componente mais avançado na negociação internacional capitaneada pela ONU é o REDD, que busca compensar países que consigam reduzir emissões advindas do desmatamento e da degradação florestal. A demanda para possível créditos gerados por programas de REDD também tem encontrado barreiras. Os sistemas cap-and-trade que viabilizem reduções de GEE estão paralisados nos últimos meses em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália. Num cenário plausível e de curto prazo é possível que vários mercados pequenos de redução de GEE, como os da Califórnia e do Japão, avancem mais rapidamente e ofereçam benefícios mais reais para projetos e programas de REDD.
Clima e Floresta – Como funciona o sistema cap-and-trade da Califórnia?
Nepstad – No caso da Califórnia, a lei de mudanças climáticas, que está para ser regulamentada ainda em 2010, deve permitir que as empresas deste estado norte-americano cumpram uma parte de suas reduções de emissões através de investimentos em estados do Brasil, Indonésia, África e México, que demonstrem esforços de redução de emissões de desmatamento em seus territórios através de programas de REDD. A força tarefa para o clima e floresta mantida pelos vários governadores conta com a participação de estados brasileiros como Acre, Mato Grosso, Pará e Amazonas. O volume total de demanda da Califórnia para reduções de emissões de GEE de estados tropicais deve ser modesto (10 a 20 milhões de CO2 por ano). Contudo, poderia abrir as portas para regimes de carbono semelhantes com outros estados industrializados, o que deverá aumentar a probabilidade de se criar sistemas de cap-and-trade nacionais, para gerar uma demanda maior para REDD.
Clima e Floresta – Onde entram os financiamentos voluntários?
Nepstad – Os mercados de carbono voluntários atendem, principalmente, as empresas que querem neutralizar as suas emissões através de investimentos em projetos que visem a redução de emissões de GEE. Várias empresas da agroindústria estão assumindo metas voluntárias de redução de GEE (por exemplo, Unilever, Coca Cola, Nutreco). Participam, também, aquelas empresas ou investidores que enxergam no carbono um investimento que poderá gerar dividendos no futuro.
Veja o documento "Reduzindo Emissões de Carbono da Agropecuária: Oportunidades e Desafios para o Brasil"
Nenhum comentário:
Postar um comentário