Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

A responsabilidade da liderança climática

A responsabilidade da liderança climática

Sara Lee lança café sustentável e neutraliza emissões de CO2 em cafeterias /// Globo Rural

(31/03/2010) Globo Rural Online
A marca Café do Ponto, pertencente ao grupo Sara Lee, está lançando um projeto de neutralização de carbono em suas 92 cafeterias e em toda a cadeia de produção dos grãos que são oferecidos aos seus consumidores.

Segundo Ricardo Souza, diretor de marketing da empresa, o projeto vai monitorar, pelos próximos dois anos, a emissão de gases do efeito estufa decorrentes de todas as atividades da marca, desde o plantio do café até sua comercialização nas cafeterias.

O projeto abrange todas as operações das cafeterias Café do Ponto e o produto ícone da campanha é o Café do Ponto Safra Social (100% arábica, embalado em papel cartão reciclado), um grão torrado e moído, que é comercializado no varejo. “Com esse monitoramento, vamos compensar o impacto causado no meio ambiente com o plantio de mudas de árvores”, explica o executivo.

Como a iniciativa, a Sara Lee fez o inventário das emissões de todas as etapas da cadeia produtiva dos grãos consumidos nas cafeterias, de suas atividades e do Safra Social. Com isso, a companhia se responsabilizou pelo plantio de aproximadamente 7 mil mudas de árvores, em uma área de 4,6 hectares, em duas etapas.

Na primeira fase, em dezembro de 2009, foram plantadas 5 mil mudas, em Serra Negra, no interior de São Paulo. A cidade foi escolhida por já ser palco do projeto “Qualidade do Café”, no qual a Sara Lee, por meio da Douwe Egberts Foundation, presta assistência técnica e agronômica à agricultores.

É preciso criar uma logística sustentável para o transporte de cargas /// IBIFER

Publicado: quarta-feira, 31 de março de 2010

Grandes montadoras, com tradição na gestão de uma logística sustentável, já realizam no Porto de Santos, desde 2009, operações multimodais de contêineres, para armazéns localizados no interior

O alerta é do diretor de Operações da ITRI Rodoferrovia e vice-presidente da CBC, Washington Soares. Para o executivo, a deterioração da rede tem dificultado o crescimento econômico, a expansão das fronteiras para o comércio exterior e, conseqüentemente, as parcerias estratégicas com outros países do Mercosul.

“Os avanços no setor de transportes deram ao homem acesso à modernidade. No entanto, a deterioração da rede tem dificultado o crescimento econômico, a expansão das fronteiras para o comércio exterior e, conseqüentemente, as parcerias estratégicas com outros países do Mercosul. A estagnação de investimentos em infraestrutura, principalmente em nossa matriz energética, foram marcantes em 2009”. A alerta é do diretor de Operações da ITRI Rodoferrovia e Vice Presidente de Transporte Ferroviário da Câmara Brasileira de Contêineres, Transporte Ferroviário e Multimodal – CBC, Washington Soares.

Segundo o executivo, a única – e favorável – contrapartida a esta situação, deflagrada no último ano, foi o fato da multimodalidade ter se constituído como alternativa, no Porto de Santos. “Como há uma tendência mundial para que empresas ligadas direta ou indiretamente ao comércio internacional adotem políticas de sustentabilidade, a multimodalidade passou a ser o foco principal das discussões, o que deve se evidenciar ainda mais no Brasil ao longo do ano. Em nosso País a multimodalidade será uma estratégia de logística sustentável que fará a diferença neste cenário de estagnação de investimentos no setor de transportes”, defende.

Soares lembra que, para se obter ganhos sustentáveis é preciso estabelecer a diminuição nos níveis de emissões de CO2, principalmente, no setor de transportes. “E isto se dá através de planejamento logístico e da escolha de modais mais ecoeficientes, ou seja, menos poluentes, como a cabotagem e a ferrovia. Trata-se de uma discussão que ainda aparece de forma tímida no Brasil, apesar de já existirem pesquisas relevantes à aplicação, por exemplo, de bicombustível, com base no processo de produção de veículos híbridos”, diz.

Para termos uma logística sustentável em um ambiente globalizado, a redução de custos e a multimodalidade serão fundamentais frente a um cenário de competição internacional, orienta Soares. “A redução da emissão de CO2 por meio da adoção de modais mais propícios ao eco desenvolvimento nada mais é do que uma grata contribuição à sociedade e ao meio ambiente”.

Grandes montadoras, com tradição na gestão de uma logística sustentável, já realizam no Porto de Santos, desde 2009, operações multimodais de contêineres, para armazéns localizados no interior, à exemplo do CRAGEA – e vem fomentando o mercado ferroviário.

“O ano passado a Itri Rodoferrovia foi responsável por 100% de todas as operações multimodais no complexo santista, o que corresponde a 30% de toda a movimentação ferroviária de contêineres da MRS Logística e um crescimento de 8% na receita da empresa”, destaca Soares.

Por outro lado, ele recorda que “as operações de transporte multimodal são dependentes de uma logística de suporte para se tornarem mais competitivas diante da internacionalização da produção e do consumo que, de forma comportamental, pode aumentar ou diminuir a demanda portuária de forma contínua”, conclui Soares.

Fonte: ABIFER

A questão de hum trilhão de dólares: Quem será agora o líder da batalha climática? /// The Guardian-UK

Paul Harris in New York, John Vidal and Robin McKie
The Observer, Sunday 28 March 2010
Alguns dos mais poderosos do planeta se reunirão em Londres na quarta-feira para discutir um irritante problema financeiro: como levantar um trilhão de dólares para o mundo em desenvolvimento. Os encarregados de conseguir este objetivo são entre outros, Gordon Brown, diretores de vários bancos centrais, o bilionário George Soros, o economista Lord (Nicholas) Stern e Larry Summers, assessor e economista-chefe do presidente Obama.

Como conjunto de competências é formidável, por isso a tarefa lhe foi confiada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Estes financistas têm sido aconselhados a trabalhar em como levantar pelo menos US $ 100 bilhões por ano pelo resto da década, dinheiro que será usado para ajudar os países mais pobres do mundo em seu percurso de adaptação às mudanças climáticas.

"Os preços que pagamos por nossos produtos não refletem um custo fundamental: o dano que sua produção causa ao sistema climático do planeta", disse Bob Ward, do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudança do Clima na LSE.

"Precisamos encontrar maneiras de sobretaxar aqueles que causam danos ao clima e, em seguida, usar esse dinheiro para financiar as nações em desenvolvimento para que eles possam proteger-se dos efeitos devastadores do aquecimento global."

E para levantar os fundos o Grupo Consultivo de Financiamento para Mudança do Clima deixou claro que sua ação será abrangente - desde a possibilidade da adoção de taxas sobre a aviação internacional e transporte marítimo, como forma de ampliação dos mercados de carbono; á introdução de impostos sobre as transações financeiras e até mesmo a utilização das reservas financeiras do Fundo Monetário Internacional.

“Basta dar um nome ao plano e ele será executado” - o sucesso no estabelecimento de um plano de financiamento para o mundo em desenvolvimento hoje é considerado crucial para o sucesso da reunião de dezembro próximo a mudança climática da ONU no México.

"O financiamento significa um requisito prévio para o acordo climático", disse Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental para Mudamnças Climáticas da ONU, na última sexta-feira. "Os países em desenvolvimento estão muito sensíveis a esse respeito. As conversações entrarão em colapso caso não haja uma visão mais firme sobre a questão do financiamento"

Estas novas discussões representam uma renovação nas negociações sobre o clima, que terminara apenas há três meses, em Copenhagen e que não conseguiram estabelecer um acordo para controlar as emissões de dióxido de carbono em nível global.

Os políticos e os negociadores estão preparando outra abordagem sobre esta questão, embora desta vez as negociações prometam ser muito diferentes.

Recentemente a ciência do clima sofreu alguns reveses prejudiciais. Houve o vazamento de informações sobre o clima na unidade de investigação da Universidade de East Anglia,as trocas de emails entre alguns meteorologistas que se tornaram publicas e para complementar a descoberta de que um relatório de avaliação preparado pelas Nações Unidas que exagerava na taxa de derretimento das geleiras do Himalaia.

Os mais céticos alegaram que alguns pesquisadores estavam envolvidos e mascarando a verdade, enquanto outros apontavam para discrepâncias expostas nos estudos realizados pelo IPCC.

O resultado foi o prejuízo à credibilidade de um grande número de cientistas preocupados em que o planeta enfrente uma catástrofe climática. Assim as tentativas para reiniciar as negociações que foram paralisadas ainda estão sendo muito complicadas.

No entanto, o aumento deste ceticismo é apenas parte do problema para os negociadores. Desde dezembro novos grupamentos políticos têm surgido. China, Índia, África do Sul e do Brasil, conhecida como a "basics", são nações que assumiram papéis de liderança do clima, enquanto a União Européia recuou de linha de frente. Nada é o que era antes.

Nos EUA,o presidente Obama após as recentes e bem sucedidas negociações sobre a questão da saúde e das armas nucleares com a Rússia, declarou estar voltando sua atenção para as alterações climáticas.

Em uma longa reunião na semana passada, seu conselheiro para Clima e Energia,Carol Browner e o diretor de Assuntos Legislativos da Casa Branca Phil Schiliro discutiram sobre as perspectivas de uma lei de mudança climática com o líder do Senado Harry Reid com influentes democratas do Capitólio. Outros três senadores - o democrata John Kerry,o independente Joe Lieberman e Lindsey Graham, republicano – também participaram das discussões para elaboração da legislação. Tudo indica que no próximo mês serão apresentados detalhes mais concretos sobre a lei do carbono nos EUA.

Para os ativistas estes movimentos parecem animadores, enquanto que para os críticos de Obama ocorre o inverso. "O governo mostrou-se disposto a elaborar um projeto partidário e forçá-lo à aprovação. Se for esse o seu modelo de governar, então não há limite para o que eles vão fazer", disse Ken Green, pesquisador do American Enterprise Institute , um pensador mais conservador.

A lei sobre o clima dos EUA estará destinada principalmente a reduzir as emissões de gases efeito de estufa. Mas os problemas, como sempre, estão nos detalhes,é provável que no projeto de lei sejam incluídas várias disposições contrárias aos ‘lobbistas verdes”.

Graham quer incluir medidas que permitam aumentar a exploração de petróleo no mar, na plataforma continental da América, enquanto informações vazadas recentemente sugerem que mais recursos podem ser direcionados às usinas de geração de energia conhecidas por "carvão limpo". Além disso, é provável que haja incentivo à energia nuclear. Todas as três idéias são vilipendiadas pelos ambientalistas.

A movimentação de Barack Obama sobre a mudança climática é portanto, muito menos radical do que parece, pelo simples fato de há pouco apetite político. Os traumas recentemente sofridos para aprovação da reforma da saúde foram, sobretudo marcantes

A nova legislação, portanto, deverá possuir um prefil tênue a fim de garantir o apoio do grupo republicano. "Não vai ser consenso geral. Estou certo de poder obter 60 votos para o suporte necessário", disse Tad Segal, um porta-voz da US Climate Action Partnership, uma coalizão de grupos ambientalistas e de negócios em favor de novas leis que limitem as emissões.

Como os membros de Washington sabem muito bem, essa é a maneira dos EUA aprovarem esta lei, não importando quais são as preocupações do resto do planeta. "Na América, mesmo com a mudança climática, toda a política é local", afirma Segal.

A perspectiva de uma fraca movimentação dos EUA em matéria de alterações climáticas não caiu bem. "Os países estão perdendo a paciência com os norte-americanos. Pode haver simpatia por Obama, o qual claramente enfrenta uma difícil situação interna, mas também está claro que os EUA desejam trilhar um outro caminho em matéria de alterações climáticas e está exigindo que todos sigam com ele", informou fonte de uma embaixada européia, semana passada.

Liz Gallagher do Cafod da agência de desenvolvimento da Igreja Católica diz: "As negociações não podem retornar para onde estavam. O resto do mundo já percebeu que os EUA não mudarão e que a única forma de progredir nesta questão poderá ser deixar os EUA para trás e mostrando-lhes que vão perder a corrida verde. "

Esta atitude é susceptível de gerar um confronto, em Bonn, no próximo mês durante a preparação do texto de negociação que será utilizado para as futuras discussões. Os EUA querem adotar o acordo inócuo efetivado em Copenhagen, enquanto a maioria dos países em desenvolvimento - incluindo a China, Índia e Brasil - dizem que o mesmo não tem legitimidade jurídica e, além disso, as negociações devem buscar posições mais ousadas do que aquelas acordadas em Quioto, uma década antes.

Significativamente, este último grupo é apoiado pelo secretário geral do clima da ONU, Yvo de Boer. "Eu acho que nós vamos continuar na dupla abordagem. Para os países em desenvolvimento, a presença do protocolo de Quioto é muito importante", disse ele. Idéia também é corroborada por mais de 200 dos maiores grupos ambientalistas e desenvolvimentistas do mundo incluindo os Amigos da Terra Internacional, Christian Aid, Rede do Terceiro Mundo, do Jubileu Sul e do World Development Movement. Estes grupos apelaram para a rejeição integral do acordo de Copenhague e exortou os países a retomarem as negociações em duas vertentes.

No entanto, outros observadores acreditam que os EUA têm na realidade é forçado a sua opinião sobre o resto do mundo, porque nenhum país rico se dispôs a assumir qualquer posição concreta.

"Estamos em um mundo de desordenado. Os EUA estão confortáveis e não há nenhuma evidência de que outros países ricos apresentem qualquer disposição para abandonar os norte-americanos e seguir sozinho. É uma bagunça", disse Martin Khor, diretor do Centro Sul, um centro de pesquisa inter-governamental especializado em desenvolvimento, com sede em Genebra.

É um cenário nefasto para as negociações de quarta-feira em Londres, mas isso não significa que tudo está perdido.

"Caso os EUA concordarem em limitar as suas emissões mesmo que seja de uma forma modesta, isto já seria uma enorme melhoria na postura anterior da América", disse Ward à Grantham Research Institute. "E embora possa parecer assustador falar sobre o levantamento de um trilhão de dólares para nações em desenvolvimento lidarem com o impacto do aquecimento global, devemos notar que isto representa um investimento muito inferior ao que foi necessário para salvar o sistema financeiro do mundo em 2008.

"Se tudo tivesse ido por água baixo, as conseqüências teriam sido muito piores. Mas se não enfrentarmos o aquecimento global, então o impacto será ainda muito mais devastador.

Este ponto não está perdido para o Grupo Consultivo de Financiamento sobre Mudança do Clima e eu acredito que vamos começar uma ação robusta em nível global para combater o aquecimento do clima. “Não devemos nos desanimar ainda”.

Tradução de Laércio Bruno Filho

link artigo original em lingua inglesa: aqui

Correia Transportadora Oceânica não está desacelerando, diz NASA /// Inovação Tecnológica

Redação do Site Inovação Tecnológica - 30/03/2010

A Correia Transportadora Oceânica é um cinturão formado pelas correntes oceânicas que percorre todo o planeta, levando águas quentes em direção aos polos e águas frias em direção ao equador.[Imagem: NASA/JPL]

Correia Transportadora Oceânica
Em 2005, um artigo publicado na revista Nature alertava que uma diminuição na velocidade na parte do Oceano Atlântico da chamada Correia Transportadora Oceânica causaria uma pequena era do gelo na Europa nas próximas décadas.

A Correia Transportadora é um cinturão formado pelas correntes oceânicas que percorre todo o planeta, levando águas quentes em direção aos polos e águas frias em direção ao equador.

Os modelos climáticos mais recentes preveem que a circulação contínua dessas massas de água deve desacelerar conforme os gases de efeito estufa aquecem o planeta e, por decorrência, o aquecimento global eleve a taxa de derretimento das geleiras, lançando mais água doce nos oceanos.

Isso aconteceria porque a água doce é mais leve e demora mais para "afundar" do que a água salgada mais fria.

Inversão das previsões
Mas, em um comunicado divulgado nesta segunda-feira, a NASA afirma que os dados do seu projeto AMOC (Atlantic Meridional Overturning Circulation) mostram não apenas que não há nenhum sinal de desaceleração na Correia Transportadora Oceânica nos últimos 15 anos, como ela pode ter de fato se acelerado um pouco.

As conclusões resultam de uma nova técnica de monitoramento ambiental desenvolvida pelo oceanógrafo Josh Willis, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA.

O pesquisador utilizou medições de satélites de observação dos oceanos e de perfis de flutuação coletados no mar por submarinos robóticos, que coletam dados da superfície até milhares de metros de profundidade.

Estes dados permitiram que ele estudasse a parte da Correia Transportadora Oceânica que leva águas quentes dos trópicos em direção à Europa, e que seria a causadora da hipotética pequena era do gelo europeia.

Corrente Inversora do Atlântico
A chamada "inversão de circulação do Atlântico" é um sistema de correntes, incluindo a corrente do Golfo, que leva as águas superficiais quentes dos trópicos para o norte do Atlântico Norte.

Lá, nos mares que banham a Groenlândia, a água esfria, mergulha para grandes profundidades e muda de direção. O que antes era água de superfície quente rumando para o norte se transforma em água fria profunda retornando para o sul.

Esta inversão é uma parte da Correia Transportadora das correntes oceânicas que transporta o calor ao redor do globo.

Sem o calor transportado por esse sistema de circulação, o clima em torno do Atlântico Norte - na Europa, na América do Norte e no Norte da África - provavelmente seria muito mais frio.

Satélites e robôs submarinos
Os cientistas supõem que o resfriamento rápido de 12.000 anos atrás, no final da última era glacial, foi desencadeado quando a água doce do derretimento das geleiras alterou a salinidade do oceano e diminuiu a taxa com que a inversão do Atlântico se dá. Isto teria reduzido a quantidade de calor levado em direção ao norte, causando o resfriamento.

Até recentemente, as únicas medições diretas disponíveis da força da circulação vinham de pesquisas feitas a bordo de navios e de um conjunto de boias ancoradas ao fundo do oceano nas latitudes médias.

A nova técnica de Willis é baseada em dados de altimetria dos satélites da NASA, que medem alterações na altura da superfície do mar, bem como dados de perfis coletados pelos submarinos robóticos da missão Argo - veja Robôs submarinos já monitoram todos os oceanos da Terra.

Com esta nova técnica, Willis foi capaz de determinar mudanças na parte norte da circulação do Atlântico a cerca de 41 graus de latitude, aproximadamente entre Nova Iorque e o norte de Portugal.

Cobertura das boias e submarinos robôs do Projeto Argo. [Imagem: NASA]Ciclo natural

Combinando as medições dos satélites e dos robôs submarinos, ele não encontrou nenhuma alteração na intensidade da corrente de inversão do Atlântico entre 2002 e 2009.

Olhando mais para trás, usando apenas dados dos satélites - quando os robôs ainda não estavam operando - Willis encontrou evidências de que a circulação tinha acelerado até cerca de 20 por cento entre 1993 e 2009.

"As mudanças que estamos vendo na intensidade da inversão são, provavelmente, parte de um ciclo natural," disse Willis. "O ligeiro aumento na inversão desde 1993 coincide com um padrão natural de aquecimento e resfriamento do Atlântico, que dura décadas."

Impacto pequeno
E, segundo o pesquisador, ainda que a corrente de inversão do Atlântico diminua de velocidade, os resultados dificilmente serão dramáticos. "Ninguém está prevendo outra idade do gelo como resultado de mudanças na corrente de inversão do Atlântico," disse o pesquisador.

"Ainda que a inversão tenha sido o Godzilla do clima 12.000 anos atrás, o clima de então era muito mais frio. Modelos das condições mais quentes atuais sugerem que uma desaceleração teria um impacto muito menor agora," conclui ele.

Bibliografia:
Can in situ floats and satellite altimeters detect long-term changes in Atlantic Ocean overturning?
J. K. Willis
Geophysical Research Letters
25 March 2010
Vol.: 37, 6
DOI: 10.1029/2010GL042372

Países do BRIC buscam atuação no mercado mundial /// MNP

O grupo dos principais países de economia emergente, chamado de "Bric", negocia um acordo agrícola e a criação de estratégia comum para influir no mercado mundial de alimentos.

Em reunião preparatória ao encontro presidencial de abril, em Brasília, os ministros de Agricultura do Brasil, Rússia, Índia e China identificaram "complementaridades" em ações rurais e discutiram a facilitação do comércio de bens agropecuários dentro do grupo.

Decidiram criar um "DataBRIC" para unificar todas as informações na área de produção de alimentos. O objetivo é que esses dados ajudem a planejar os estoques de cada um, trazendo mais segurança alimentar à sua população e à de outros países que dependem da produção do grupo.

O grupo também debateu a importação de trigo russo por China e Brasil, além de parcerias para a instalação de torrefadoras brasileiras de café na Rússia e na China.

De Moscou, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, rejeitou o termo "cartel dos alimentos", mas afirmou que os Brics buscam atuação conjunta no mercado internacional. "Vamos combinar estratégias para entrar juntos no mercado. É justamente para impedir a cartelização na produção de alimentos", afirmou Cassel. O que move a cooperação do grupo, segundo ele, é a busca por uma "janela para todos" nessa áreas.

"Até 2025, temos que produzir 75% mais alimentos para atender à demanda. E só os Brics podem produzir mais e aumentar a área. É uma janela para todos. A ideia é entrar juntos nisso. Temos algo em comum que é a agricultura familiar, onde todos apostam na saída da monocultura e na produção de alimentos".

Os acordos na área agrícola devem ter como sustentação a produção da agricultura familiar e de cooperativas rurais. "A Rússia tem um bom trigo, mas aplicamos taxa de 10%. Seria importante baixar isso. Importamos muito e podemos controlar melhor a inflação do pão", diz Cassel. "Podemos exportar café, leite, frangos, suínos e bovinos para eles".

As negociações entre os Brics têm o conceito de segurança alimentar como o "mais importante" para a atuação comum na área rural. "A demanda no mundo cresce e a produção de alimentos será fundamental em 20 ou 30 anos", diz. Para ele, levará vantagem quem garantir lavouras diversificadas e mantiver mais pessoas produzindo no campo.

O ministro Cassel informou, ainda, que os parceiros comerciais demonstraram interesse nas regras para a aquisição de terras no Brasil. "Eles querem muita informação sobre aquisição de terras, especialmente a Índia", diz. O MDA, porém, se opõe à política de investimentos estrangeiros maciços em terras. "Se estimular um investimento grande, reconcentra a propriedade da terra e a aposta na monocultura, e não na produção de culturas diversificadas", afirma.

Após o encontro, o ministro chinês da Agricultura, Han Changfu, informou que seu país está "pronto para cooperar" com a Rússia no comércio de grãos, sobretudo trigo. O ministro indiano Sharad Pawar disse que os países do Bric têm um "potencial tremendo" para ajudar o mundo a combater a fome

Caminhos para o clima /// Agencia Fapesp

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Cientistas brasileiros e britânicos discutiram nesta terça-feira (30/3), por meio de videoconferência, possibilidades de cooperação entre instituições dos dois países para desenvolvimento de estudos e programas de pesquisa conjuntos na área de geoengenharia, que inclui diversos métodos de intervenção de larga escala no sistema climático do planeta, com a finalidade de moderar o aquecimento global.

O “Café Scientifique: Encontro Brasileiro-Britânico sobre Geoengenharia”, promovido pelo British Council, Royal Society e FAPESP, foi realizado nas sedes do British Council em São Paulo e em Londres, na Inglaterra.

O ponto de partida para a discussão foi o relatório Geoengenharia para o clima: Ciência, governança e incerteza, apresentado pelo professor John Shepherd, da Royal Society. Em seguida, Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), apresentou um breve panorama da geoengenharia no Brasil.

A FAPESP foi representada pelo coordenador executivo do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, Carlos Afonso Nobre, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

De acordo com Nobre, a reunião serviu para um contato inicial entre os cientistas dos dois países. “A reunião teve um caráter exploratório, já que o próprio conceito de geoengenharia ainda não foi definido com precisão. O objetivo principal era avaliar o interesse das duas partes em iniciar alguma pesquisa conjunta nessa área e expor potenciais contribuições que cada um pode dar nesse sentido”, disse Nobre à Agência FAPESP.

Segundo Nobre, a geoengenharia é um conjunto de possibilidades de intervenção dividido em dois métodos bastante distintos: o manejo de radiação solar e a remoção de dióxido de carbono. Durante a reunião, os brasileiros deixaram claro que têm interesse apenas na segunda vertente.

O manejo de radiação solar, de acordo com o relatório britânico, inclui técnicas capazes de refletir a luz do Sol a fim de diminuir o aquecimento global, como a instalação de espelhos no espaço, o uso de aerossóis estratosféricos – com aplicação de sulfatos, por exemplo –, reforço do albedo das nuvens e incremento do albedo da superfície terrestre, com instalação de telhados brancos nas edificações.

A remoção de dióxido de carbono, por outro lado, inclui metodologias de captura do carbono da atmosfera – ou “árvores artificiais” –, geração de carbono por pirólise de biomassa, sequestro de carbono por meio de bioenergia, fertilização do oceano e armazenamento de carbono no solo ou nos oceanos.

A principal diferença entre as duas vertentes é que os métodos de manejo de radiação solar funcionam com mais rapidez, em prazos de um ou dois anos, enquanto os métodos de remoção de gás carbônico levam várias décadas para surtirem efeito.

Sem plano B
O relatório avaliou todas as técnicas segundo eficácia, prazo de funcionamento, segurança e custo. Seria preciso ainda estudar os impactos sociais, politicos e éticos, de acordo com os cientistas britânicos.

Nobre aponta que o Brasil teria interesse em contribuir com estudos relacionados à vertente da remoção de dióxido de carbono, que seria coerente com o estágio avançado das pesquisas já realizadas no país em áreas como bioenergia e métodos de captura de carbono.

“Sou muito cético em relação ao manejo de energia de radiação solar. A implementação dessas técnicas é rápida, mas, quando esses dispositivos forem desativados – o que ocorrerá inevitavelmente, já que não é sustentável mantê-los por vários milênios –, a situação do clima voltará rapidamente ao cenário anterior. Seria preciso, necessariamente, reduzir rapidamente a causa das mudanças climáticas, que são as emissões de gases de efeito estufa”, disse Nobre.

De acordo com ele, as técnicas de manejo de energia solar são vistas, em geral, como um “plano B”, em caso de iminência de um desastre climático de grandes consequências. Ou seja, seriam acionadas emergencialmente quando os sistemas climáticos estivessem atingindo pontos de saturação que provocariam mudanças irreversíveis – os chamados tipping points.

“Mas o problema é que vários tipping points foram atingidos e já não há mais plano B. O derretimento do gelo do Ártico, por exemplo, de acordo com 80% dos glaciologistas, atingiu o ponto de saturação. Em algumas décadas, no verão, ali não haverá mais gelo. Não podemos criar a ilusão de que é possível acionar um plano B. Não há sistemas de governança capazes de definir o momento de lançar essas alternativas”, disse.

A vertente da remoção do dióxido de carbono, por outro lado, deverá ser amplamente estudada, de acordo com Nobre. “Essa vertente segue a linha lógica do restabelecimento da qualidade atmosférica. O princípio é fazer a concentração dos gases voltar a um estado de equilíbrio no qual o planeta se manteve por pelo menos 1 ou 2 milhões de anos.”

Ainda assim, essas soluções de engenharia climáticas devem ser encaradas com cuidado. “A natureza é muito complexa e as soluções de engenharia não são fáceis, especialmente em escala global. Acho que vale a pena estudar as várias técnicas de remoção de gás carbônico e definir quais delas têm potencial – mas sempre lembrando que são processos lentos que vão levar décadas ou séculos. Nada elimina a necessidade de reduzir emissões”, disse Nobre.

Carbon trading shares suffer after Copenhagen: HSBC /// Point Carbon

HSBC’s global climate index has removed two climate finance firms due to their poor performance.


Climate Exchange and Trading Emissions, both London-listed firms, have been cut from the HSBC’s Global Climate Change Benchmark Index, according to a recent research report from the bank.

“A global agreement with specific hard targets would have allowed the carbon market to thrive,” Vijay Sumon, and index specialist at HSBC Global Research, said in a statement from the bank today.

“With (no agreement) the general downward trend of carbon trading seen last year has accelerated,” Sumon said, referring to the modest outcome of the UN climate summit in Copenhagen in December.

Between 1 September and 18 December 2009, the HSBC Global Carbon theme fell 16 per cent and post-Copenhagen, its decline has fallen more than 28 per cent, the bank said.

As a result, all of the stocks related to carbon trading fail the minimum market capitalisation threshold of $400 million for entry into the HSBC Climate Change Index, it said.

“This means the Carbon Trading theme will not now be represented as an investable theme within the HSBC Climate Change Benchmark Index as of 22 March,” according to the research report.

The index now reflects 17 out of the 18 investment themes, such as low carbon energy production, energy efficiency and management, and water, waste and pollution control.

By Jeff Coelho – jc@pointcarbon.com
London

EB rejects three China-based CDM projects /// POint Carbon

The UN has rejected three CDM projects and put many others into the review process.


Two of the projects given the thumbs down at last week’s executive board (EB) meeting relate to waste heat recovery at China-based cement plants, with Climate Change Capital named as a project participant.

They were earmarked to generate a combined total of 506,904 CERs by the end of 2012, worth around €5.8 million ($7.2 million) in today’s prices.

The third rejected project is a run-of-the-river hydro plant, owned by Heishui Sanlian Hydropower Development, which is forecast to produce some 115,872 CERs by the end of 2012.

The board has come under increasing criticism from project developers who see the project review and rejection process as arbitrary and unaccountable.

In an effort to make the process more transparent, the EB agreed at last week’s meeting to enable public input on appeals procedures.

Thirteen projects were also placed under a review, a procedure that could lead to eventual rejection if the board is not satisfied after its further considerations of the project.

These are forecast to generate a combined total of more than 8 million CERs by 2013, and of these six are China-based hydro projects, suggesting questions surrounding the additionality of these types of projects have not yet been resolved.

The board also registered 39 projects with corrections, which means they must provide more data to ensure they gain final approval.

Twenty-three of the projects placed in this category are also China-based hydro projects.

By Susanna Twidale – st@pointcarbon.com
London

Lack of CERs squeezes market /// Point Carbon

Published: 29 Mar 2010 15:27 CET Last updated: 29 Mar 2010 16:38 CET


The delay in CER issuance has prompted traders to pay a premium for credits for nearby delivery.

The price of certified emission reductions (CERs) for delivery over the next 21 months is now more expensive than in 2012, as traders seek to buy back credits they had previously sold for 2010 and 2011 delivery.

By midday, traders were prepared to pay €11.71 for CERs for delivery this week compared to €11.41 for credits in December 2010, €11.16 in December 2011 and just €11.13 in December 2012.

While the UN-backed offsets for delivery in 2010 have typically fetched a premium over those for delivery later in the Kyoto period, many traders have revised down their projections for issuance.

This prompted all contracts for the Kyoto cycle to slip into backwardation on Friday.

“This is symptomatic of a lack of issuance at the UN level. Last year we saw fewer carbon credits get issued year-on-year and not many people forecasted that,” said Trevor Sikorski, an analyst at UK investment bank Barclays Capital.

Weak issuance
The UN issued 123 million carbon credits in 2009, 14 million fewer than the year before, and issuance for the first three months of this year is only marginally higher than in 2009, he said.

In total, almost 400 million UN offsets have been issued so far, compared to analyst projections in 2007 that over 700 million would be issued by now.

“There are not physically enough CERs available to arbitrage the cost of carry across the curve, as you need to sell the front contract and buy-back the CERs at the back-end,” Sikorski said.

“The curve as a whole is weak, except for the prompt and the prompt is driven by shorts on issuance. Were issuance going at the rate that everyone expected, you wouldn’t see such an odd-shaped curve,” said Geoff Sinclair, head of carbon finance and trading at Standard Bank.

Buying back
Traders are buying back against positions they have already hedged in 2010, according to Remco Faas, an analyst at Dutch utility Eneco.

He reckoned that the UN’s suspension of auditors last year was a major reason for the delayed issuance.

DNV and SGS were both barred from validating clean development mechanism (CDM) projects and verifying emission reductions for several weeks in 2009.

This caused a headache for project developers who were forced to wait longer to get credits issued.

Last week the UN suspended another two auditors, potentially creating a similar bottleneck in getting the offsets issued this year.

CDM doubts
Other sources agreed that a shortage of credits was causing the unnatural curve in the market, but added that prices were already weak.

“The uncertainty surrounding the CDM post-2012 continues to push the curve into backwardation,” said Andrew Ager, head of carbon and emissions at Bache Commodities.

Sinclair agreed, saying the outcome of December’s UN climate talks in Copenhagen, where leaders failed to gain a legally-binding global agreement to cut emissions, had depressed the market.

Both the Australian and US governments are struggling to pass legislation that would cap emissions, meaning demand for credits that could be used for compliance in those markets has disappeared, he said.

“A lack of confidence, market uncertainty and the revision of the proposed US carbon bill have all had an impact,” Bache’s Ager added.

By Andrew Allan – aal@pointcarbon.com
London

Peruvian Amazon trees a niche market for carbon trading /// AFP

SP: Nova fronteira do tomate tem condições de trabalho piores que as combatidas em canaviais /// Ecodebate

Tomate já supera a cana em ilegalidades - Para coordenador de fiscalização, nova fronteira do tomate tem condições de trabalho piores que as combatidas em canaviais. Blitz encontrou lavrador aplicando agrotóxicos sem proteção, moradia em situação precária, ausência de sanitários e jornada ilegal


Novas fronteiras para o tomate no Estado, Santo Antônio da Alegria e Altinópolis, ambas na região de Ribeirão Preto, estão recebendo não somente as plantações da cultura, mas também seus problemas. A constatação foi feita por 14 fiscais do Ministério do Trabalho e uma procuradora do Ministério Público do Trabalho, que fiscalizaram oito propriedades na última semana.

Nelas foram encontrados trabalhadores sem proteção, moradias precárias, falta de banheiros, jornada extensiva e descumprimento da legislação trabalhista, entre outras. Reportagem de Jean de Souza, enviado especial da Folha Ribeirão a Santo Antônio da Alegria, na Folha de S.Paulo.

Acostumado a fiscalizar canaviais em busca de situações degradantes de trabalho, o coordenador do grupo de fiscalização, Roberto Figueiredo, considerou a situação dos lavradores de tomate “muito pior” do que a dos boias-frias, que culminaram em milhões de reais em multas às usinas nos últimos anos.

Segundo ele, a maior preocupação quanto à cultura do tomate, até então desconhecida na região pela fiscalização, é a proteção dos trabalhadores que aplicam defensivos agrícolas na cultura. “A exposição ao agrotóxico é muito forte. Em um ciclo de 150 dias, 30 dias são de aplicação”, disse.

Foi a primeira vez que esse tipo de fiscalização aconteceu nas plantações de tomate da região. Em cidades como Itapeva e Ribeirão Branco, na maior região produtora do Estado, esse trabalho é feito há dez anos.

Outra comparação, desta vez geográfica, foi feita pelo auditor fiscal Donald Willians dos Santos Silva, ao ver irregularidades em uma das fazendas menos problemáticas visitadas: “a situação está bem pior do que na região de Itapeva.”

Para os fiscais, a migração dos problemas não é coincidência. Exemplo: João Favaretto, dono do sítio São Vicente, onde três adolescentes foram flagrados na roça, um deles borrifando agrotóxico sem nenhuma proteção, já havia sido autuado por irregularidades trabalhistas em sua propriedade de Ribeirão Branco.

Outras três propriedades pertenciam a empresários de Mogi Guaçu. O presidente do Sindicato Rural de Altinópolis, João Abraão Filho, disse que nenhum filiado da entidade planta tomate -ele, inclusive, desconhecia a cultura comercial da fruta na região.

A tese da fiscalização é que um dos motivos para o deslocamento dos tomaticultores para a região é fugir dos locais mais visitados pelos auditores.

“São produtores que já tinham sido fiscalizados e estavam escondidos em um canto do Estado”, disse Figueiredo.

Dos 306 trabalhadores encontrados na operação, 213 não tinham registro em carteira de trabalho. Três menores foram afastados das funções.

Houve ainda quatro interdições de moradia -duas delas eram cocheiras habitadas por lavradores. Para cinco proprietários, 77 multas de R$ 3.000 a R$ 6.000 foram aplicadas. Outros três ainda irão encaminhar documentos e também podem ser penalizados.

Proprietários dizem que problemas serão resolvidos
Dono do sítio São Vicente, João Favaretto disse, no dia em que as irregularidades em sua propriedade foram constatadas, que os equipamentos de proteção estavam sendo providenciados.

Quanto às moradias precárias, assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para melhorá-las. Ele não foi encontrado pela Folha anteontem no telefone que forneceu aos fiscais.

O produtor Shigueo Hayata, dono de duas áreas onde foram encontradas irregularidades, disse que todos usavam proteção e que só problemas trabalhistas pontuais foram constados e já estão sendo resolvidos, assim como as condições precárias em moradias.

Rodney Emiliano, também multado, disse que é novo na cultura e que a fiscalização foi boa para saber como “fazer tudo certo”. Ivo Rossi, 25, encarregado do sítio Aroeira, disse que todos estão legalizados e ninguém trabalhava sem proteção. Os demais não foram achados.

Sensível, tomate exige uso de grandes doses de agrotóxico
Uma das culturas mais sensíveis a pragas, o tomate demanda grandes doses de aplicação de agrotóxico durante seu cultivo. São esses produtos que, em contato com os trabalhadores, podem causar desde doenças na pele a intoxicações que provocam diarreia, vômito e salivação intensiva, de acordo com o médico toxicologista Flávio Zambrone. A exposição aos defensivos por um longo tempo pode ter consequências ainda mais nocivas.

Consultor em toxicologia, Zambrone dá cursos para plantadores e lavradores de várias culturas, entre elas a de tomate, e diz que não há justificativa para a falta de proteção nas lavouras, já que os produtores estão plenamente informados sobre o perigos dos agrotóxicos para a saúde.

Por isso, segundo ele, autuações como as aplicadas em Santo Antônio da Alegria e Altinópolis são úteis para evitar que produtores ignorem medidas de segurança nas lavouras.

Para que os restos de agrotóxicos utilizados no tomate não afetem o consumidor, Zambrone recomenda que a fruta seja descascada e o talo, onde fica concentrado parte do agrotóxico que persiste após a lavagem, seja retirado.

EcoDebate, 30/03/2010

GSB divulga resolução para a América Latina /// agencia Fapesp

30/3/2010

Por Fábio Reynol
Agência FAPESP – Os membros da convenção latino-americana do projeto Global Sustainable Bionergy (GSB), realizada na sede da FAPESP, entre os dias 23 e 25 de março, divulgaram nesta segunda-feira (29/3) a resolução elaborada como resultado do encontro.

O documento destaca que o continente latino-americano tem potencial para suprir as demandas locais e mundiais de biocombustíveis sem comprometer a sua produção agrícola e o seu ecossistema.

A resolução aponta que a produção de biocombustível da América Latina também tem se revelado uma oportunidade para o desenvolvimento econômico e social do continente ao se apoiar em três pilares: população, planeta e lucros.

São citados pelo documento dois casos de desenvolvimento econômico e ambiental sustentável já realizados no continente: a produção argentina de biodiesel e o etanol brasileiro oriundo da cana-de-açúcar.

O biocombustível brasileiro contempla, de acordo com o documento, os objetivos traçados pelo GSB, uma vez que o etanol já substitui 30% da gasolina consumida no país e representa 16% do suprimento total de energia primária brasileira, a ponto de se configurar a segunda fonte mais importante de energia do país à frente da hidroeletricidade e das fontes tradicionais de biomassa.

“O Brasil tem uma posição muito especial – tanto no grupo envolvido com o Projeto GSB como no mundo – no debate internacional sobre biocombustíveis, já que é o único país que realizou a substituição em larga escala da gasolina por biocombustíveis”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e membro do comitê de organização do GSB.

De acordo com a resolução, o clima favorável, a disponibilidade de terras e a diversidade das matérias-primas disponíveis são fatores que favorecem a expansão continental dos biocombustíveis de maneira sustentável. O documento também ressalta a criação de postos de trabalho no campo para atuar nessa indústria.

As novas tecnologias motivadas pelo desenvolvimento da bioenergia poderão guiar, segundo o texto, políticas públicas voltadas à sustentabilidade e ainda promover um diálogo entre ciência, governo e sociedade.

Segundo o presidente do comitê diretor do Projeto GSB, Lee Lynd, professor de biologia do Dartmouth College (Estados Unidos), os estudos realizados até o momento deixam claro que a cana-de-açúcar – cuja produção para bioenergia é dominada pelo Brasil – é o melhor dos insumos de primeira geração disponíveis para uso em biocombustíveis. “A cana-de-açúcar é também claramente competitiva em termos econômicos”, disse.

A primeira convenção do GSB ocorreu em fevereiro na cidade de Delft, na Holanda. A segunda foi realizada entre os dias 17 e 19 de março em Stellenbosch, na África do Sul.

Após a convenção latino-americana realizada na FAPESP, estão programados ainda dois encontros: em junho na Universidade Tecnológica da Malásia, na cidade de Skudai, e em setembro, nos Estados Unidos, na Universidade de Minneapolis.

“Em seguida, na segunda fase, vamos organizar o projeto de pesquisa propriamente dito, que fundamentará o oferecimento de respostas para o desafio inicial levantado pelo projeto GSB, a respeito da possibilidade de substituição de 25% da energia que move o transporte no mundo por biocombustíveis sem prejudicar o meio ambiente, a sociedade e a produção de alimentos”, explicou Brito Cruz.

As apresentações realizadas na convenção do GSB e mais informações sobre o projeto estão em: www.fapesp.br/gsb.



Resolution deliberated at the Latin American Global Sustainable Biofuels Convention

Latin America produces bioenergy in ways that meet sustainability criteria much better than most if not all presently available alternatives. The region has potential to expand bioenergy generation without compromising food production, the environment and biodiversity. The realization of this potential will require determination and diligence in knowledge creation, its application, and regulation. Latin America stands ready to work with the global community to understand and further improve bioenergy systems and to expand the application of such systems in ways that address pressing human needs.

Latin America has proved potential to fulfill an important role in providing biofuel for local as well as world demand. Biofuel production started as an energy security matter and progressed into a sustainable and profitable industry. Latin America regards the issue as an opportunity for economic and social development based on three pillars: people, planet and profit. Local feedstock diversity exists and presently sugarcane is perceived as a major feedstock for sustainable ethanol production. Land resources are available without compromising food security and ecosystems.

Latin America has implemented a biorefinery model with increasingly integrated feedstock crop systems, co-products and large reduction of green house gases emission. There are at least two successful cases where bioenergy has proved sustainable and enabled development. These are the biodiesel production in Argentina and sugarcane ethanol in Brazil. The Brazilian case is remarkable and relevant to the GSB Project objectives: 16% of the Total Primary Energy Supply in the country comes from sugarcane and sugarcane ethanol substitutes more than 30% of the gasoline, making sugarcane the second most important energy source in the country, following oil and ahead of hydroelectricity and traditional biomass. Legislation is in place, and increasingly effective, that establishes an environmentally sound agro-ecological zoning.

Latin America has land, favorable climate, diverse feedstock options and technology that has been deployed regionally and could be expanded continentally in a sustainable manner. The Biofuel industry is regarded as an opportunity for rural development and job creation. The development of new technologies may be a driver to raise public awareness on sustainability issues promoting new life styles and a dialogue between science, government and society.

Government support is needed to normalize common policies, such as certification for sustainability and blends. Economical conversions technologies need to be developed that are responsive to a variety of feedstocks, scales, and other local circumstances. An agenda for research and human resource development is needed in the face of a changing social and technological reality, more specifically new technologies to improve each link in the supply chain and flexible production of complimentary co-products and broader sustainability. Reduction of commercial barriers and development of international certification standards would foster emergence of an open market, with benefits for the region and the world.


Resolução aprovada na Convenção Latino-Americana sobre Biocombustíveis Sustentáveis

A América Latina produz bioenergia de formas que satisfazem o critério de sustentabilidade muito melhor do que muitas senão todas as alternativas energéticas atualmente disponíveis. A região tem potencial para expandir a geração de bioenergia sem comprometer a produção de alimentos, o meio ambiente e a biodiversidade. A realização desse potencial requererá determinação e diligência na criação de conhecimento e em sua aplicação e regulação. A América Latina está pronta para trabalhar com a comunidade global para entender e aperfeiçoar ainda mais os sistemas de bioenergia e ampliar a aplicação dos mesmos de modos que atendam as prementes necessidades humanas.

A América Latina demonstrou potencial para desempenhar um importante papel no fornecimento de biocombustíveis tanto para a demanda local quanto mundial. A produção de biocombustíveis começou como matéria de segurança energética e progrediu rumo a uma indústria sustentável e lucrativa. A América Latina vê o assunto como uma oportunidade para o desenvolvimento econômico e social baseado em três pilares: povo, planeta e proveito. Existe diversidade local de matérias-primas e, presentemente, a cana-de-açúcar é percebida como a principal matéria-prima para a produção sustentável de etanol. Recursos em terras estão disponíveis sem comprometer a segurança alimentar e os ecossistemas.

A América Latina desenvolveu um modelo de biorrefinaria com sistemas crescentemente integrados de cultivos de matérias-primas agrícolas, coprodutos e ampla redução de emissão de gases de efeito estufa. Existem, no mínimo, dois casos bem-sucedidos em que a bioenergia se mostrou sustentável e possibilitou o desenvolvimento. São eles a produção de biodiesel na Argentina e de etanol de cana-de-açúcar no Brasil. O caso brasileiro é notável e relevante para os objetivos do Global Sustainable Bioenergy Project (GSB): 16% do suprimento energético primário total do país vêm da cana-de-açúcar e o etanol de cana-de-açúcar substitui mais de 30% da gasolina, fazendo da cana-de-açúcar a segunda fonte de energia mais importante do país, atrás do petróleo e à frente da hidroeletricidade e da biomassa tradicional. Existe legislação estabelecida, e crescentemente efetiva, que estabelece um zoneamento agroecológico ambientalmente sólido.

A América Latina possui terras, clima favorável, diversidade de opções de matérias-primas e tecnologia que foram estabelecidas regionalmente e podem ser expandidas continentalmente de forma sustentável. A indústria de biocombustíveis é vista como uma oportunidade para o desenvolvimento rural e a criação de empregos. O desenvolvimento de novas tecnologias pode ser um vetor para ampliar a consciência pública sobre temas de sustentabilidade, promovendo novos estilos de vida e um diálogo entre ciência, governo e sociedade.

O apoio governamental é necessário para normatizar políticas comuns, como as certificações de sustentabilidade e de composição. Tecnologias de conversão econômica precisam ser desenvolvidas para responder à diversidade de matérias-primas, escalas e outras circunstâncias locais.

Uma agenda para a pesquisa e o desenvolvimento de recursos humanos é necessária em face de uma realidade social e tecnológica em mudança – mais especificamente, novas tecnologias para aperfeiçoar cada elo da cadeia produtiva, a produção flexível de coprodutos complementares e ampla sustentabilidade. A redução das barreiras comerciais e o desenvolvimento de padrões internacionais de certificação levariam à emergência de um mercado aberto, com benefícios para a região e o mundo.

Fundo Amazônia vai lançar edital para pequenos projetos comunitários /// Jornal folha do Progresso - PA

Nos próximos 60 dias, o Fundo Amazônia vai lançar um edital de apoio a pequenos projetos comunitários para atividades e ações de combate ao desmatamento na Amazônia.


A medida pretende possibilitar o acesso de pequenas e médias iniciativas ou de baixo valor orçamentário aos recursos do fundo. O anúncio foi feito durante a 7ª reunião do Cofa (Comitê Orientador do Fundo Amazônia), realizada hoje (26/3), na sede do BNDES, no Rio de Janeiro.

Presente ao evento, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, disse que já estão em fase final de avaliação doze propostas de outra categoria, e que a soma do valor solicitado por estes projetos chega a aproximadamente R$90 milhões. Em execução há pouco mais de um ano, o Fundo já liberou um recurso de R$ 75 milhões para cinco projetos aprovados.

Minc alegou que as instituições com assento no fundo ”pretendem agilizar a capacidade de aprovação e execução de projetos, mas sem perder o padrão de qualidade”. Atualmente, existem 53 propostas inscritas no fundo e cada uma pode solicitar até R$20 milhões. Os projetos têm um prazo de execução de três a cinco anos, e devem ser consistentes e demonstrar resultados.

Carlos Minc também explicou que os recursos do fundo (que teve um aporte de R$400 milhões em 2009 e 2010) são destinados a projetos de fiscalização e monitoramento; pesquisa, ciência e tecnologia; criação e fortalecimento de UCs; pagamentos por serviços ambientais; apoio a atividades produtivas sustentáveis e à elaboração de projetos.

Segundo o ministro, a iniciativa foi considerada o projeto de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) mais bem estruturado no mundo e, por esse motivo, durante a última reunião realizada no mês de março na França, com 60 países, o Brasil conseguiu negociar um aporte de recursos de R$4,5 bilhões para estas iniciativas.


De acordo com Sério Weguelim, superintendente de Meio Ambiente do BNDES, o Fundo pretende semear uma cultura de preservação da floresta em pé e preparar a sociedade para implementar ações que tragam esse resultado. Ele disse que o Brasil está em fase de negociação para captação de recursos com 12 países da Europa e da Ásia. A Noruega já se comprometeu a doar R$1 bilhão para o fundo até 2015.

Carlos Minc explicou que iniciativas como o Fundo Amazônia, o Macro Zoneamento Ecológico e Econômico da Amazônia, o preço mínimo de produtos florestais, o manejo florestal e a regularização fundiária são fatores que, associados, contribuem para a redução do desmatamento.

O Fundo Amazônia é autônomo e composto apenas por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil brasileira. Os doadores não participam das decisões, mas o dinheiro disponibilizado só pode ser sacado se o índice de desmatamento diminuir. “O dinheiro só sai se o dever de casa for feito previamente”, explica o ministro.

Na ocasião, também foi lançado o livro “Amazônia em debate: oportunidades, desafios e soluções”, publicado pelo Fundo Amazônia e pelo BNDES.

Fonte: MMA

Mundo avança em energia eólica em 2009 /// Portal Luis Nassif

DAYANA AQUINO


Da Redação - ADV

A geração de energia eólica mundial alcançou 159,213 gigawatts (GW) em 2009. No ano, 38,312 gigawatts entraram em operação em diferentes parques ao redor do planeta, representando um acréscimo de 31,7% ante 2008. O montante de energia corresponde a 2% do consumo global de eletricidade, ou o equivalente a demanda total de energia da Itália.

Os dados contam de relatório da Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA, na sigla em inglês). O documento também ressalta que em até o fim de 2010, o consumo global de energia deverá contar 200 mil gigawatts eólicos.

Somente os negócios com energia eólica em 2009 movimentaram cerca de US$ 70 bilhões. O número de empregados nessa cadeia chegou a 550 mil, e deverá saltar para 1 milhão em 2012, conforme as projeções do levantamento.

Os Estados Unidos se manteve à frente do ranking da capacidade instalada em termos absolutos, sendo seguido pela China, com 35 e 26 gigawatts, respectivamente. No entanto, o país asiático foi responsável pelo maior acréscimo de megawatts eólicos no planeta, colocando 13 mil gigawatts em operação, um crescimento de 36% ante 2008. Já os americanos apresentaram um crescimento de 25,9% na mesma base de comparação, ampliando em 10,1 mil gigawatts sua capacidade.

Nas lista dos 10 países com maior capacidade eólica instalada estão, em ordem, Estados Unidos, China, Alemanha, Espanha, Índia, Itália, França, Reino Unido, Portugal e Dinamarca.

De acordo com o documento, a Ásia recebeu a maior parte dos novos projetos eólicos, em um total de 40,4%; a América do Norte, 28,4%, e Europa, 27,3%. A América Latina também mais duplicou sua capacidade de geração a partir dos ventos, com projetos oriundos, principalmente, do México e Brasil.

O continente latino-americano apresentou o maior percentual de crescimento, 113,3%, ampliando sua capacidade de geração para 1,4 gigawatts. De acordo com o relatório, após vários anos de estagnação, o crescimento foi significativo, puxado, prinipalmente pelo México que apresentou o maior índice de crescimento, 372%, para 402 megawatts.

Já o Brasil apresentou um crescimento de 78,5%, para 600 megawatts. O relatório ressalta que o país está se estabelecendo na industria eólica, com a tração de empresas internacionais e aquecendo sua demanda interna. Na lista dos 82 países com instalações eólicas, o Brasil está na 21ª posição.

Ainda no ranking dos 10 países com maiores porcentagens de crescimento, o México é seguido pela Turquia, com 138,9% de crescimento; China,113%; Marrocos, 104%; Brasil, 77,3%; Hungria, 58,3%; Nova Zelândia, 52,9%; suíça, 48%; Bélgica, 44,6%; e Polônia, 41,1%.

O relatório ressalta que o recorde de crescimento se deu em um ano de economia global abalada, e com a recuperação das economias os investimentos em energias limpas devem apresentar um fôlego maior ao verificado no ano. Com base nos dados coletados desde 2001, o documento apresenta que o crescimento da energia eólica no mundo praticamente dobra a cada três anos. A título de exemplo, a capacidade global em 2008 era de 120,9 gigawatts; em 2007, 93,9 GW; em 2006, 74,1 GW; e 59 GW em 2005.

Clique aqui para ver o relatório na íntegra

Estudo traça perfil do mercado de agrotóxicos no Brasil /// Ecodebate

Em 2009, 65% dos agrotóxicos registrados no Brasil não chegaram a ser comercializados. Dos mais de 2 mil produtos disponíveis, apenas 783 chegaram às mãos dos agricultores. Os dados fazem parte do estudo “Monitoramento do Mercado de Agrotóxicos” , organizado pelo professor da Universidade Federal do Paraná Victor Pelaez.

Outro dado apresentado pelo estudo é de que as dez maiores empresas do setor de agrotóxicos concentram mais de 80% das vendas no país. “A criação de um portfólio de registros não utilizados adquire uma lógica mais financeira do que produtiva, ao se constituir como reserva de valor para as empresas”, explica Pelaez.

Para o diretor da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa), José Agenor Álvares, a não utilização dos novos registros apontam para uma contradição do setor. “À medida que somos cada vez mais cobrados para dar agilidade aos processos de avaliação dos registros de agrotóxicos, os produtos que são autorizados não são colocados no mercado”, afirma Álvares.

Os dados também apontam a consolidação do Brasil como maior mercado e com maior ritmo de expansão no consumo de agrotóxicos em todo mundo. Ao longo desta década, o mercado brasileiro cresceu 176%, quase quatro vezes mais do que a média mundial.

De acordo com Álvares, os números apresentados comprovam o alto grau de comprometimento que as indústrias de agrotóxicos devem ter com o Brasil. “O setor do agronegócio deve praticar uma concorrência honesta, de modo que proporcione preços acessíveis para os pequenos produtores e agrotóxicos da forma mais limpa possível para toda população”, explica o diretor da Anvisa.

Mercado
O mercado brasileiro de agrotóxicos é o maior do mundo, com 107 empresas aptas a registrar produtos, e representa 16% do mercado mundial. Só em 2009, foram vendidas mais de 780 mil toneladas de produtos em nosso país.

O Brasil também ocupa a sexta posição no ranking mundial de importação de agrotóxicos. A entrada desses produtos em território nacional aumentou 236%, entre 2000 e 2007.

Texto de Danilo Molina, da Anvisa, publicado pelo EcoDebate, 29/03/2010

Setor de transporte é o que causa mais impactos na qualidade do ar

Os dados são do 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários.


Apesar do aumento vertiginoso da frota de veículos no Brasil (estimada em cerca de 36 milhões de veículos, incluindo automóveis, veículos comerciais leves, ônibus, caminhões e motocicletas), o nível de emissões de gases poluentes tem caído no País. Os dados são do 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários, lançado, no dia 25/3, na Agência Nacional de Petróleo, no Rio de Janeiro.

O documento indica que o setor de transportes é o que mais causa impactos na qualidade do ar, e a modalidade dos rodoviários é responsável por 90% das emissões de gases poluentes e de CO2. Presente ao evento, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, explicou que o documento foi feito por várias entidades do setor e que vai orientar políticas públicas destinadas à melhoria da qualidade do ar.

Ele ressaltou a importância da diversificação do setor de transportes no Brasil, por meio da implementação de metrôs – que devem ser integrados aos ônibus, bem como de ferrovias e hidrovias. “Isso vai ser bom para o meio ambiente e para a economia, uma vez que vai reduzir, por exemplo, o valor do transporte de grãos”, afirmou.

De acordo com o ministro, o usuário e os consumidores têm um papel a desempenhar neste processo. “Eles podem escolher veículos menos poluentes, utilizar transportes alternativos e exigir dos governantes medidas efetivas para um transporte integrado nas grandes cidades”, concluiu citando como exemplo o portal Nota Verde, presente no site do Ibama, que permite a avaliação das características e níveis de emissão de diferentes modelos de veículos.

Dados do inventário revelam que o transporte de passageiros individuais emite 40 vezes mais poluentes do que o transporte público na condução do mesmo número de pessoas. Minc acredita que a “falência” no setor do transporte público e as tarifas elevadas são as causas destes números.

O ministro também fez um alerta em relação ao aumento da frota de motocicletas no País indicado no documento. A projeção realizada pelo inventário é de que até 2020 o número chegue a 20 milhões, em contraponto aos sete milhões registrados em 2008.

Segundo o gerente de Qualidade do Ar do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Rudolf Noronha, a redução do nível de gases poluentes demonstra o “sucesso” dos programas de controle de poluição veicular que vêm sendo implementados pelo governo.

Ele explica que quando se produz um inventário é possível quantificar os problemas, e que o documento contribui também para embasar cientificamente as políticas ambientais que têm como objetivo garantir a qualidade do ar.

Gases poluentes
O levantamento apresenta as emissões dos poluentes regulamentados pelo Programa de Controle da Poluição por Veículos (Proconve): monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (Nox), hidrocarbonetos não-metano (NMHC), aldeídos (RHCO), material particulado (MP) e emissões evaporativas, além de gases do efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4).

O documento revela também as contribuições relativas das frotas de automóveis, veículos comerciais leves, ônibus, caminhões e motocicletas, e como as diferentes fases do Proconve, em vigor desde 1986, influenciaram e ainda podem influenciar esse cenário.

As soluções apontadas são a melhoria da qualidade dos combustíveis, o aumento do biodiesel na composição do diesel, a melhoria tecnológica e a renovação das frotas, a implementação de um sistema de transportes integrados e menos focados no setor rodoviário, a gestão eficiente do transporte público e investimentos na estrutura de circulação do trânsito.

A secretária de Mudanças Climáticas do MMA, Suzana Khan, disse que o inventário é o ponto de partida do Plano Nacional de Qualidade do Ar, que vai contribuir para o alcance das metas estipuladas no Plano Nacional de Mudanças Climáticas.

Ela acrescentou que ainda há um número expressivo de veículos antigos no Brasil, e que há a expectativa de que, até 2015, ocorra um percentual maior de veículos adaptados para emitir menos gases. A frota antiga chega a emitir cerca de 150 vezes mais poluentes que os novos modelos lançados no mercado.

Para se ter uma ideia, veículos antigos podem emitir até 58g de poluentes na atmosfera, contra os 0,3g emitidos pela nova frota. A regulamentação brasileira permite uma descarga de até 0,5g. O inventário indica que a renovação da frota, a maior utilização de etanol e a reorganização do setor de transportes são alternativas importantes para a solução da questão.

Carlos Minc disse ainda que o governo estuda a possibilidade de anunciar nos próximos meses um aumento da proporção do biodiesel no diesel, com a utilização do B-10 e do B-15( 10 e 15% respectivamente do biodiesel na composição daquele combustível).

Portaria
Na solenidade, o ministro também assinou uma portaria que vai prorrogar as atividades do Grupo de Trabalho (GT) responsável pela elaboração do Inventário Nacional. O GT foi formado por oito instituições: MMA, Ibama, Agência Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Petrobras, Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

As entidades terão um prazo até dezembro deste ano para elaborar os inventários e os detalhamentos das composições das emissões de poluentes das 10 maiores regiões metropolitanas do País: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém.

Na ocasião, o ministro nomeou ainda os novos integrantes da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Proconve (CAP), que será coordenada pelo MMA e terá a participação de representantes dos ministérios de Minas e Energia e da Saúde, de instituições públicas e privadas e de organizações não-governamentais.

Pronar

O Programa Nacional de Qualidade do Ar (Pronar) foi criado pela Resolução nº 5 do Conama, em 1989, e já determinava à época a elaboração de um inventário e de um Programa Nacional de Inventários de Fontes Poluidoras do Ar, tanto de fontes móveis quanto fixas.

Foi criado então um grupo de trabalho com as oito entidades, que desenharam um método de elaboração do Inventário. Também foram convidados para os debates representantes de outras instituições, como o Denatran. “A experiência resultou na elaboração de uma fórmula extremamente complexa que revela a emissão de todos os poluentes”, explica Noronha.
*Confira os números da frota brasileira atual*
Frota brasileira estimada para a avaliação do inventário:
automóveis: 21, 140 milhões
veículos comerciais leves: 4,336 milhões
caminhões: 1,743 milhão
ônibus: 315 mil
motocicletas: 9,222 milhões

Texto de Carine Correa, socializado por Daniela Mendes, Ministério do Meio Ambiente e publicado pelo EcoDebate, 29/03/2010

O Papel do Consumidor /// Mercado Ético-Planeta Sustentavel

O papel do consumidor



Mercado Ético
Christina Carvalho Pinto, do Mercado Ético, apresenta o programa sobre o consumo consciente. Para responder às perguntas, Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, deu o seu depoimento tendo com base a pesquisa "Responsabilidade Social das Empresas - a percepção do consumidor brasileiro", lançada em 2005.

Aquífero Guarani e a água do Mercosul /// National Geographic- Planeta Sustentavel

Imagine uma caixa-d’água. Coloque dentro dela areia. A água vai preencher os poros entre os grãos. Cubra com concreto, deixando livre as bordas. Geologicamente, essa poderia ser uma simplificação do aquífero Guarani, o imenso reservatório de água subterrânea que se estende por mais de um milhão de quilômetros quadrados pelas fronteiras do Mercosul, antiga área ocupada pelo povo guarani e que hoje abrange os territórios brasileiro, argentino, uruguaio e paraguaio
Edição Especial “Água, o mundo tem sede”

Coberto por uma gigantesca estrutura debasalto sobre uma espessa camada de areia, o Guarani contém cerca de 33 mil quilômetros cúbicos de água, dos quais hoje poderiam ser explorados 6% desse total. É um conjunto de rocha arenítica saturado de água – e não um rio subterrâneo, como muita gente imagina. Essas rochas basálticas são extremamente férteis, e sobre o aquífero vivem cerca de 30 milhões de pessoas, com solo de alta produtividade agrícola. De 2 054 poços que atingem diretamente o Guarani, estima-se que seja extraído 1,04 quilômetro cúbico de água por ano – valor igual ao da recarga das águas.



ESPONJA SUBTERRÂNEA

O aquífero não é um rio que corre sob a terra, mas uma camada arenosa, formada geologicamente ao longo de milhares de anos, que armazena água e permite o movimento dela pelos poros e fraturas existentes. Nas margens, ele possui zonas de afloramento, em que ocorrem a recarga e a descarga de água em seu interior – um movimento mapeado recentemente. Nesses locais, a exploração comercial da água é mais viável.

Toda a área do Guarani é caracterizada pela alta produtividade agrícola. O sedimento do basalto é conhecido como a fertile terra roxa. Nas margens de afloramento, a facilidade para se captar água incentiva a irrigação.

Onde agora é água, um dia foi deserto. Movimentos tectônicos criaram uma área de baixada, em que se acumulou areia de erosão. Quando o basalto vulcânico cobriu essa área, a água ficou confinada. Em alguns locais, o aquífero pode estar a mil metros abaixo do solo.


MÚLTIPLOS RESERVATÓRIOS

Nas áreas em que ocorre o confinamento, o movimento da água é lento. Além disso, uma recente pesquisa, sob a coordenação da Organização dos Estados Americanos (OEA), feita em conjunto com os países que cobrem o Guarani, mostrou que existem barreiras ao fluxo, assim como há áreas nas quais a taxa de permeabilidade é baixa. Ou seja, existem diversas sub-regiões confinadas e isoladas entre si na área do aquífero. “Os estudos mostraram que o Guarani, na verdade, é feito de vários reservatórios separados por barreiras geotectônicas com características distintas entre si”, explica o consultor Luiz Amore, secretário-geral do programa da OEA. Em termos políticos, a informação é relevante para a gestão internacional do uso das águas. “Logo, o que se faz em uma parte não vai necessariamente afetar a outra e, eventualmente, outros países. É necessário redefinir o conceito de recurso transfronteiriço em águas subterrâneas”, afirma.

Quatro países dividem a área do aquífero tentam estabelecer um plano de gestão, o qual esbarra não só nas legislações internas mas também na falta deconhecimento da dinâmica do próprio Guarani. Sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA), tentam criar uma legislação internacional.

Fonte: Aquífero Guarani, Programa estratégico de ação da OEA.



Edição Especial “Água, o mundo tem sede”

Coberto por uma gigantesca estrutura debasalto sobre uma espessa camada de areia, o Guarani contém cerca de 33 mil quilômetros cúbicos de água, dos quais hoje poderiam ser explorados 6% desse total. É um conjunto de rocha arenítica saturado de água – e não um rio subterrâneo, como muita gente imagina. Essas rochas basálticas são extremamente férteis, e sobre o aquífero vivem cerca de 30 milhões de pessoas, com solo de alta produtividade agrícola. De 2 054 poços que atingem diretamente o Guarani, estima-se que seja extraído 1,04 quilômetro cúbico de água por ano – valor igual ao da recarga das águas.

ESPONJA SUBTERRÂNEA

O aquífero não é um rio que corre sob a terra, mas uma camada arenosa, formada geologicamente ao longo de milhares de anos, que armazena água e permite o movimento dela pelos poros e fraturas existentes. Nas margens, ele possui zonas de afloramento, em que ocorrem a recarga e a descarga de água em seu interior – um movimento mapeado recentemente. Nesses locais, a exploração comercial da água é mais viável.

Mapa












Toda a área do Guarani é caracterizada pela alta produtividade agrícola. O sedimento do basalto é conhecido como a fertile terra roxa. Nas margens de afloramento, a facilidade para se captar água incentiva a irrigação.

Onde agora é água, um dia foi deserto. Movimentos tectônicos criaram uma área de baixada, em que se acumulou areia de erosão. Quando o basalto vulcânico cobriu essa área, a água ficou confinada. Em alguns locais, o aquífero pode estar a mil metros abaixo do solo.

MÚLTIPLOS RESERVATÓRIOS

Nas áreas em que ocorre o confinamento, o movimento da água é lento. Além disso, uma recente pesquisa, sob a coordenação da Organização dos Estados Americanos (OEA), feita em conjunto com os países que cobrem o Guarani, mostrou que existem barreiras ao fluxo, assim como há áreas nas quais a taxa de permeabilidade é baixa. Ou seja, existem diversas sub-regiões confinadas e isoladas entre si na área do aquífero. “Os estudos mostraram que o Guarani, na verdade, é feito de vários reservatórios separados por barreiras geotectônicas com características distintas entre si”, explica o consultor Luiz Amore, secretário-geral do programa da OEA. Em termos políticos, a informação é relevante para a gestão internacional do uso das águas. “Logo, o que se faz em uma parte não vai necessariamente afetar a outra e, eventualmente, outros países. É necessário redefinir o conceito de recurso transfronteiriço em águas subterrâneas”, afirma.

Quatro países dividem a área do aquífero tentam estabelecer um plano de gestão, o qual esbarra não só nas legislações internas mas também na falta deconhecimento da dinâmica do próprio Guarani. Sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA), tentam criar uma legislação internacional.

Fonte: Aquífero Guarani, Programa estratégico de ação da OEA.

Entrevista com Manuel Castells /// Roda Viva /// blog "professor Antonio Machado"

"Heródoto Barbeiro: Essas e outras questões envolvendo informação e sociedade são temas do nosso Roda Viva de hoje com Manuel Castells. Ele é catedrático de sociologia e de planejamento urbano e regional da Universidade da Califórnia, em Broocklin, desde 1979. Já foi professor em universidades de Paris, Madri e também na América Latina. Manuel Castells já publicou 20 livros editados em 11 idiomas e acaba de lançar no Brasil, pela Editora Paz e Terra, o primeiro volume de uma trilogia baseado em 20 anos de pesquisa sobre a era digital. Este livro A sociedade em rede é uma análise da dinâmica social e econômica na era da informação. Um estudo que busca a compreensão das transformações que as novas tecnologias estão produzindo e ainda vão produzir em nossas vidas. Para entrevistar o professor Manuel Castells, nós convidamos o ambientalista Washington Novaes, consultor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo. O jornalista Wilson Moherdaui, diretor dos jornais Informática Hoje e Telecon. Regina Meyer, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Kátia Mello, que é repórter da revista Isto É. O cientista político Gildo Marçal Brandão, professor da Universidade de São Paulo. O jornalista Luiz Weis, articulista do jornal O Estado de S. Paulo. O sociólogo Ricardo Abramovay, professor do Departamento de Economia e do Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. Professor Castells, boa noite.


Manuel Castells: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Professor, inicialmente eu gostaria que o senhor contasse ao nosso telespectador o que é exatamente o chamado capitalismo informacional e qual a diferença desse capitalismo com este outro que nós estamos vivendo desde a segunda metade do século XX?

Manuel Castells: É capitalismo, mas é muito diferente do que vivemos até agora. É informacional porque a geração de riqueza, através da produtividade e da competitividade de empresas, países, regiões, pessoas, depende, sobretudo, de informação e conhecimento e da capacidade tecnológica de processar essa informação e gerar conhecimento. Além do mais, é um capitalismo global pela primeira vez, realmente, na história da humanidade e que funciona em rede, quer dizer, tem uma nova forma organizacional, altamente flexível, altamente dinâmica, que, ao mesmo tempo, inclui o que vale e exclui o que não vale. É um mundo novo. Capitalista, sim, mas novo.

Heródoto Barbeiro: E o que difere de todo esse capitalismo que nós vivemos após 1950?

Manuel Castells: Bem, por exemplo, em termos econômicos, o capitalismo funcionava baseado em que se investia naquele que viria a ter maior taxa de lucro, nas empresas que tinham taxa de lucro. Hoje em dia, investe-se em função de qual será o aumento do valor das ações dessa empresa. Por exemplo, as empresas de software, de internet, neste momento, não ganham dinheiro. Algumas perdem, outras se mantêm, mais ou menos, mas aumentaram seu valor em 1000%, 1500%, no último ano. Com base em quê? Em que as pessoas pensam que vão aumentar de valor e, portanto, comprando hoje, terão valor amanhã. Então, estamos em um capitalismo, no qual a tecnologia gera valor e a expectativa de geração de valor dessa tecnologia acaba criando dinheiro.

Washington Novaes: Professor, o senhor acha que esse capitalismo é sustentável? O último relatório das Nações Unidas sobre o desenvolvimento humano diz que o que nós temos no mundo hoje não é sustentável e não deve ser sustentado, seja pela concentração de renda que produz, seja pela concentração do consumo. 86% do consumo hoje estão apenas nos países industrializados, onde estão menos de 20% da população. E também não é sustentável pela sobrecarga sobre os recursos naturais, para estender o padrão de consumo do Primeiro Mundo hoje, do chamado Primeiro Mundo, a todo o mundo, não haveria recursos suficientes. Então diz o relatório da ONU, textualmente, “não é sustentável e não deve ser sustentado”. O senhor acha que é sustentável?

Manuel Castells: Participei desse relatório da ONU; por conseguinte, minha opinião é que, em última instância, não é sustentável, mas não é sustentado por algumas centenas de anos, o que é um prazo muito longo. Creio que devemos distinguir o que é a crítica que fazemos a esse modelo capitalista da idéia de que ele vá se afundar por si mesmo. Tem fortes contradições, mas é, ao mesmo tempo, muito dinâmico. Então, por um lado, existe a possibilidade de um capitalismo que inclua, no conjunto do planeta, setores minoritários de muitas sociedades, majoritários em outras sociedades, que gerem tanto valor, tanta produtividade e tanta riqueza, que funcionem, do ponto de vista econômico, dentro de um planeta que se encolhe, dentro de um planeta em que 1/3 da humanidade, por exemplo, funcione dentro de um mundo altamente protegido, enquanto que o resto fica desprotegido e não é necessitado. Nesse sentido, há um passo da exploração à irrelevância, para boa parte do planeta. Então, eu acho que, se, neste momento, o modelo de produtividade do capitalismo informacional é tão dinâmico, é muito possível que continue se desenvolvendo com base neste setor da humanidade, excluindo, ao mesmo tempo, boa parte das pessoas, que não são interessantes. Os recursos naturais são outro problema. Mas, com os recursos naturais, de certo modo, o capitalismo informacional é menos destrutivo do que o industrialismo, tanto capitalista quanto socialista. As novas tecnologias, a curto prazo, são menos destrutivas para o meio ambiente. Creio que devemos diferenciar a crítica ética e social, que compartilho, do que é a capacidade dinâmica desse modelo, que é o modelo que criamos e é o que existe.

Luiz Weis: Professor, eu gostaria de sair da economia e da ecologia por um momento para falar da política. Recentemente nós tivemos, pela primeira vez em 44 anos, eleições livres na Indonésia, com largo comparecimento. Uma semana antes das eleições da Indonésia, nós tivemos eleições na África do Sul, a segunda desde o fim do apartheid, com 35% de comparecimento. Na mesma semana das eleições na África do Sul, tomou posse na Nigéria o presidente eleito democrático. Para encurtar os exemplos, nunca tão ampla parcela da espécie humana viveu num regime democrático como agora. Nunca tantos seres humanos tiveram a oportunidade de exercer, como agora, o ato elementar da cidadania política, que é o direito de votar. E não obstante, no seu livro, o senhor afirma e eu cito, “que os sistemas políticos da atualidade estão mergulhados numa crise estrutural de legitimidade”. Professor, eu não estou entendendo o que o senhor escreveu ou não estou entendendo os fatos que me referi.

Manuel Castells: Efetivamente, o grande paradoxo é que, no momento em que grande parte da humanidade, a grande maioria, na verdade, chega à democracia política, essa democracia política está se esvaziando de conteúdo e está perdendo legitimidade. Isso, por um lado. A democracia é indispensável. Creio que a democracia em países...

Luiz Weis: E quais são as evidências dessa perda de legitimidade?

Manuel Castells: A falta total de confiança na classe política, no mundo todo.

Luiz Weis: E por que as pessoas votam?

Manuel Castells: As pessoas votam contra, não a favor. As pessoas votam a favor do que lhes parece menos mau, como gesto de defesa contra o que pode ser ainda pior. E as pessoas, em muitos países, votam cada vez menos. E votam por opções diferentes das que são dos principais partidos do sistema político. Nos Estados Unidos, a grande democracia, votam, mais ou menos, 50% para presidente; para o Congresso, votam uns 40%; nas eleições locais e estaduais, votam menos de 30%. Isso, por um lado. Mas, sobretudo, a relação entre voto e legitimidade não é direta. As pessoas têm cada vez mais problemas em aceitar que sua vida possa ser resolvida pela política. Acho que é um problema fundamental. Realmente, é uma crise que não podemos permitir que continue se desenvolvendo. Mas é a constatação objetiva. A perda de confiança nos políticos, na classe política e nas instituições representativas, como forma de resolver os problemas da vida. Além de pensar que, em geral, a classe política é corrupta. Coisa que é evidentemente falsa, mas que é o sentimento majoritário de grande parte da população, em todos os países.

Luiz Weis: Desde que existe política, isso não é propriamente novo. A desconfiança, o desprezo pelos políticos é uma coisa que convive com a prática política desde que o mundo é mundo. Enfim, eu não quero me prolongar nisso...

Manuel Castells: Não estou de acordo, porque o que acontece hoje em dia é que a política é uma política de mídia que vive por e nos meios de comunicação. E, assim, o que se constrói nos meios de comunicação determina em grande parte, a opinião política dos cidadãos. E, como os meios de comunicação têm como norma (por ser o que vende, o que influencia) que só as más notícias são notícias, o que se está recebendo como informação política, é, sobretudo, aqueles elementos que tornam ilegítimo o exercício da política. Assim, quanto mais entramos em um mundo de informação, mais os cidadãos estão expostos a uma série de informações contra pessoas, mas do que contra projetos e, desse ponto de vista, a personalização da política leva a tornar ilegítima a política de conteúdo. Isso é novo.

Ricardo Abramovay: Queria voltar um pouco ao ponto que o Washington pegou. Essa capacidade dinâmica que a sociedade informacional agora vem manifestando de maneira espantosa, quer dizer, o ritmo das transformações é aceleradíssimo. O senhor sustenta no seu livro e acaba de reiteirar na resposta ao Washington, que é perfeitamente possível, que uma parte significativa, maior ou menor, segundo uns países, inclusive é muito interessante no seu livro, que a parte da humanidade irrelevante, ela não está simplesmente no hemisfério sul, nós estamos diante de outras polaridades diferentes das polaridades norte e sul, São Paulo, Nordeste, das polaridades convencionais. Então essa idéia de que é possível um capitalismo extremamente dinâmico e ao mesmo tempo excludente de uma grande de massa da população, ela não é contraditória com a nossa experiência histórica, muito imediata, quero dizer com a experiência histórica do final da Segunda Guerra Mundial para cá, onde cresceram - eu não estou falando simplesmente dos países europeus e do Japão - cresceram os países que foram capazes ao mesmo tempo de - e foi a lição que eu penso ter conseguido tirar do seu livro - os países que ao mesmo tempo conseguiram investir em formação dos seus cidadãos, educação. O senhor não toca no tema da reforma agrária, também não dá para tocar em tudo, mas obviamente dos países asiáticos, países que fizeram reforma agrária, distribuíram renda, países que se inseriram num ambiente competitivo e países cujo o Estado auxiliou as elites econômicas no sentido da montagem de uma estratégia econômica nacional e regional. Pois bem, é possível, inclusive mais atualmente o senhor cita o caso do Chile diferenciando o regime Pinochet do regime democrático chileno e dizendo que o regime democrático chileno conseguiu conciliar, compatibilizar crescimento e bem-estar. O crescimento, para que ele seja minimamente durável, ele não tem que estar associado ao bem-estar, ou seja, a falta de bem-estar, a irrelevância de uma parte significativa da população, além de um problema ético, ela não coloca também para o dinamismo do sistema econômico um problema seriíssimo em termos das suas pesperctivas de médio prazo?

Manuel Castells: Há um problema muito sério. Mas vamos partir de dados empíricos. Ao mesmo tempo que, nos últimos 10 anos, tivemos um aumento substancial de produtividade, de crescimento de valor econômico, de desenvolvimento tecnológico sem precedentes, ao mesmo tempo, tivemos um extraordinário aumento de desigualdade social, de polarização, de exclusão social, no conjunto do planeta e na maioria dos países, dentro dos países. Ou a manutenção da desigualdade social, como no caso do Brasil, que melhorou algo, mas que ainda se mantém em níveis muito altos. De novo, esse sistema é sustentável? Creio que depende de dois elementos. Por um lado, da possibilidade de ampliação de mercado para um sistema tão dinâmico, que precisa integrar pessoas para poder, realmente, ter um consumo que permita o desenvolvimento. Por outro lado...

Ricardo Abramovay: Mercado interno?

Manuel Castells: Mercado interno e mercado externo. Creio que, cada vez mais, a distinção entre mercado interno e mercado externo na economia globalizada desaparece. Quer dizer, é o mercado. Pode-se intervir em diferentes mercados, em diferentes economias. A ampliação geral do mercado. E isso é importante porque, justamente, as empresas do Brasil, ou da Coréia, não necessariamente precisariam de seu mercado interno, se podem competir internacionalmente. Se pode, além disso, haver uma ampliação generalizada de mercado em todos os países juntos, é ainda mais importante para todo mundo. Para poder entrar nesse mercado, as pessoas precisam ser produtivas e produtoras. E, para isso, fazem falta, ao mesmo tempo, infra-estrutura tecnológica para o novo sistema e capacidade educativa. As pessoas sem educação não podem ser trabalhadores e, portanto, consumidores desse sistema novo.

Gildo Marçal Brandão: E renda, e falta renda.

Manuel Castells: Mas falta renda porque as pessoas não têm educação, ou a capacidade de agregar valor suficiente para poderem ser pagas em termos de renda.

Washington Novaes: Mas a renda mundial não é inelástica, ela tem limites. Isso não pode crescer pura e simplesmente, isso está provado em muitos países, há muitos países onde os limites são muito claros. Apesar das pessoas terem qualificação, hoje o desemprego das pessoas qualificadas é muito alto.

Manuel Castells: Perdão. Não estou de acordo com isso. As pessoas altamente qualificadas têm muito pouco desemprego, muito menor desemprego do que as outras pessoas. E, no caso das economias que deram o salto ao novo desenvolvimento tecnológico, como os EUA, não há desemprego. No Japão, não há desemprego. Os EUA estão no nível mais baixo de desemprego, em 30 anos, e a maioria dos novos empregos criados é de alto nível.

Washington Novaes: Em compensação, cai o salário médio nos Estados Unidos, o salário real está em queda nos Estados Unidos.

Manuel Castells: Caiu até dois anos atrás.

Washington Novaes: E o caso norte-americano é muito especial, os Estados Unidos são os grandes beneficiários do processo, da globalização.

Manuel Castells: Isso é certo. Mas ao mesmo tempo, é especial, como também é especial porque é o primeiro país em que se desenvolveu plenamente o novo modelo de produtividade econômica.

Gildo Marçal Brandão: Mas não há um certo dualismo no livro, no sentido de que aparentemente, como eu não li o segundo volume, então não sei como que o senhor vai resolver a questão. Mas aparentemente, tem uma teoria, uma análise do sistema, do capitalismo informacional que é positiva, que é até um pouco apologética, pelo menos o senhor de alguma maneira tira de lado certas críticas usuais que são feitas a esse tipo de capitalismo. Por exemplo, o senhor defende que tecnologia não cria desemprego, essa nova tecnologia, na verdade, acaba gerando mais empregos e melhores empregos. E que o desemprego europeu - a América Latina o senhor não analisa muito - se deve mais a opções econômicas e políticas dos governos e das empresas. A tecnologia é neutra, o clima é positivo, não há desemprego estrutural, apesar de haver conhecimento da concentração de renda e de exclusão. Por outro lado, o senhor está dizendo que do ponto de vista político, o tipo de política desse capitalismo é ruim, porque ele é virtual, ele é mediado pela televisão, ele é cada vez mais personalizado, ele cada vez mais joga com símbolos que têm uma certa diferença em relação ao mundo real. Então, é como se nós tivéssemos num capitalismo que do ponto de vista econômico fosse uma grande novidade e do ponto de vista político ele é um imenso atraso. Seria isso?

Manuel Castells: Em primeiro lugar, quero precisar que meu livro não é normativo e não toma posição. Não toma posição em nada. Nem defende, nem ataca. É uma opção pessoal que tomei, porque acho que é importante ter a cabeça fria e analisar a transformação do mundo sem partir, primeiro, de uma posição ideológica. É uma posição discutível, mas tento ser o mais rigoroso possível. Posso estar equivocado, mas o que apresento são os dados do que existe atualmente e como funciona esse sistema. As novas tecnologias não destroem o emprego. Não por princípio, mas porque, empiricamente, pode-se provar que não o destrói. Que há desemprego e destruição de emprego é certo, mas as novas tecnologias, como tais, não só não destroem empregos como, em alguns países, os criam. Caso dos Estados Unidos e caso do Japão.

Washington Novaes: Nós não temos desemprego estrutural.

Manuel Castells: Existe desemprego estrutural, mas não devido às novas tecnologias. Ao contrário, sem novas tecnologias, destroem-se empregos. Por que há desemprego? Tomemos o caso do Brasil, para não ir a outros países. Há um problema sério de desemprego muito doloroso; não é tanto quanto parece, como dizem algumas manchetes. Parece ser bem menor, segundo o Instituto Brasileiro de Estatística. Mas, em qualquer caso, no desemprego brasileiro, como em muitos outros, juntam-se três fatores. Por um lado, o fator da estrutura da população. A chegada de uma população jovem e a chegada, a entrada maciça da mulher no trabalho remunerado. Fator extremamente positivo, mas que requer criar postos de trabalho. No Brasil, mais ou menos entre 1995 e 2010, requerem-se 25 milhões de novos postos de trabalho. Em segundo lugar, é um problema de reestruturação produtiva, como dizem os economistas. Algo que parece muito complicado mas, na realidade, é muito fácil. É que certo tipo de indústria e certo tipo de produto vão esgotando seu mercado. E não é aí onde se geram empregos. O caso de São Paulo, por exemplo, onde há toda uma parte de velha indústria, como foi em Detroit, como foi no Ruhr alemão, que não tem competitividade, porque há uma mudança de tecnologia industrial e uma mudança de mercado. Então, gera desemprego em São Paulo. Mas, ao mesmo tempo, há outras indústrias, em outros lugares, que geram emprego. Li, na semana passada, na [revista] Veja, uma reportagem que assinalava, por exemplo, que, em Santa Rita, Minas Gerais, havia 65 novas empresas de eletrônica e telecomunicações que geraram 7.500 empregos, de, relativamente, alto nível. Ou um nicho de mercado, como Veranópolis, Rio Grande do Sul, onde não há desemprego porque produzem bolas de futebol e outros artigos esportivos. Mudança da reestruturação industrial e pessoas que caem nesse processo de mudança. Isso para as pessoas não é um consolo, e os governos devem ajudar essa transição e apoiar essas pessoas, nesse momento de transição. Mas não é porque haja um novo sistema tecnológico que se destroem empregos, se não que muda o tipo de emprego. Fundamentalmente, eu diria algo mais. O que realmente fazem as novas tecnologias é mudar o tipo de relação trabalhista. Há o passo do emprego estável, de longo prazo, em uma empresa, em uma administração, para muitos anos, com uma progressão previsível, para um emprego flexível, que deve adaptar-se constantemente, a novas indústrias, novas relações trabalhistas e novas tecnologias. Então, o que aconteceu é que, naquelas sociedades, em que um setor protegido de emprego, continua sendo protegido, sem exposição direta à competitividade, naquelas sociedades, há uma falta de investimento de capital para criar novos postos de trabalho nesses setores. Pois, como o capital é global e o trabalho é local, investe-se capital onde se pode criar empregos flexíveis, aos que não se está atado pelo resto da vida. Este é o verdadeiro problema.

Regina Meyer: Na conclusão da resposta eu vou engatar minha pergunta. Eu achei muito... O livro comparado aos seus escritos dos anos 70, que para mim foram escritos formadores, eu li mais de uma vez, La question cubaine em francês, você escreveu em Paris. Então, a questão do conflito e da dimensão que o conflito tomava nas reivindicações urbanas, as reivindicações políticas - você falava das reivindicações urbanas - ela desaparece desse universo descrito pela sociedade em rede. A impressão que eu tive lendo A sociedade em rede é que não tem mais lugar para esse tipo de conflito, que a sociedade mudou a tal ponto, que do lugar não emerge conflito. E, ao mesmo tempo, no livro, você fala que as metrópoles ainda são marcadas pela sua história. E a história de uma cidade como São Paulo, que você conhece bem, porque já esteve aqui várias vezes, é uma história de conflitos permanentes; agora, basta andar por São Paulo para ver esses conflitos. Embora São Paulo, em alguns aspectos, ela queira, pretenda ser uma candidata a essa rede internacional, que você, de certa forma, desqualifica no seu trabalho, a idéia de cidade global, você mostra como a cidade é global e não global simultaneamente. Então, como que você lê em São Paulo o conflito urbano ganhando essa dimensão de conflito político, que você tanto escreveu e de certa forma apontou caminhos na década de 70.

Manuel Castells: Eu estou totalmente de acordo que a sociedade é conflito. Sempre. Toda sociedade. E a experiência histórica, e não há nenhuma razão para não ser assim. Devo dizer que não é porque queira fazer publicidade, absolutamente, para o segundo volume da trilogia, mas este livro não é um livro...Realmente, quando há três volumes, é porque o editor decidiu não pôr...

Regina Meyer: Mas você tomou cuidado, a última palavra do livro é “continua”.

Manuel Castells: Claro. Continua no segundo volume, que é onde há a análise dos movimentos sociais e dos processos de conflito político. Nesse sentido, é um livro. Mas, deixando de lado o livro, pois o que importa são as idéias e a análise, há conflitos. Agora, que tipo de conflitos? Não que tipo de conflito pode haver. Não falo do futuro, falo do que está acontecendo. Os conflitos que observei têm duas características fundamentais. São conflitos em boa parte, defensivos e reativos. Não de dentro do sistema, mas contra o sistema, em seu conjunto. E organizam-se, sobretudo, em torno de valores de identidade. Valores em que, em um mundo em que os fluxos de informação, os fluxos de capital, dissolvem as bases materiais da existência das pessoas... O que está acontecendo é que muita gente centra-se na religião, no nacionalismo, no território, na etnia, no gênero e, a partir dessa identidade, propõe uma mudança de valores com respeito ao que está acontecendo no mundo. Portanto, por um lado, temos uma rede de fluxos de capital, de tecnologia, de informação que funciona quase de forma autônoma e, por outro lado, uma sociedade que propõe valores alternativos, no lugar do que tínhamos na sociedade industrial, uma interação entre, digamos, patrões e operários, onde os dois lutavam em torno de um mesmo sistema produtivo. Esse é o novo, o que está acontecendo. No caso de São Paulo, que conheço bem historicamente, conheço menos o que está acontecendo ultimamente, mas há mobilizações de resistência defensiva contra os efeitos sociais de uma globalização desigual. Há também movimentos de identidade das pessoas, em suas diferentes culturas, contra a falta de assimilação dos valores que existem nessa gente por parte do capitalismo informacional. Em último caso, o que acontece, também, é que esses valores e esses movimentos sociais entram nos fluxos de informação. Por exemplo, o movimento zapatista, no México. O movimento zapatista, a partir da defesa da identidade indígena e da luta contra a exclusão social, entra na internet, utiliza a política de mídia e invade o espaço, que era o espaço privilegiado dos fluxos de informação. Portanto, não só o conflito não acaba, como o conflito começa em um nível mais fundamental, que é o nível da identidade dos valores e não, simplesmente, as reivindicações econômicas.

Heródoto Barbeiro: Doutor Castells, nós vamos fazer um intervalo. Nós vamos então ao intervalo, daqui a pouco nós voltamos entrevistando o nosso convidado de hoje, que é o sociólogo espanhol Manuel Castells. Até já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: Nós voltamos aqui com o Roda Viva. Hoje nós estamos entrevistando o sociólogo espanhol Manuel Castells. Antes de passar para os nossos convidados, doutor Castells, eu gostaria de, rapidamente, que o senhor, em função de tudo que foi dito no primeiro bloco, o senhor dissesse também ao nosso telespectador o seguinte: O que se entende por comunidade virtual e se essa comunidade virtual está associada, atrelada a todas essas explicações que o senhor deu? E se isso é responsável pelo enfraquecimento do Estado Nacional como nós conhecemos até agora?

Manuel Castells: Por comunidade virtual entende-se a comunicação entre pessoas através de meios eletrônicos. Nesse sentido, o que se estudou empiricamente mostra que não somente não debilitam as relações sociais, como as reforçam, em muitos casos. Não é responsável pela crise do Estado Nacional. O que é responsável, em parte, é a globalização. O fato de que os grandes processos de circulação de capital, os grandes processos de informação, tudo o que conta no mundo está organizado globalmente e não há nenhum Estado que, como Estado, possa controlá-lo. Pode influenciar, o Estado é muito importante, pode influenciar esses processos em função dos interesses de seus cidadãos, mas não pode controlá-lo. Nesse sentido, perdeu-se a soberania. E como os Estados tentam juntar-se entre eles para organizar associações de Estados que controlem, de algum modo, um pouco melhor, perdem mais soberania porque o que lhes resta de soberania têm que compartilhar. Portanto, a relação entre os interesses dos cidadãos, as reivindicações dos vários setores e o que faz o Estado-Nação é muito midiatizado por processos muito complexos e muito globais que, portanto, distanciam, objetivamente, o cidadão do Estado. Em último lugar, o cidadão reage ao fim de um processo, em uma espécie de caixa negra de decisões políticas, as quais não vê muito bem o que acontece, e só o que faz é ir contabilizando se para ele é bom ou é ruim. O que é uma individualização total da relação com o Estado. No fundo, é uma crise da noção de cidadania. É o consumidor que espera que a “empresa-Estado” lhe proporcione melhores condições de vida e de trabalho.

Heródoto Barbeiro: Kátia, por favor.

Kátia Mello: Vou voltar ao ponto da Regina, que é arquiteta, que falou sobre as cidades. O senhor fala no seu livro que justamente as etnias, as religiões fazem com que as pessoas se agrupem cada vez mais dentro da sociedade de rede. A tecnologia ela favorece em quê isso? E também queria fazer uma ligação com os movimentos sociais que o senhor também cita isso no seu livro, né? Quer dizer, qual é o papel dos movimentos sociais na sociedade de rede?

Manuel Castells: O mesmo que sempre foi: mudar os valores sobre os quais a sociedade está organizada. Creio que há uma distinção fundamental entre movimentos reivindicativos, que pedem mais do mesmo, mais daquilo que existe, e movimentos sociais, que são movimentos que tratam coletivamente, por meio de ação coletiva e pressão sobre instituições, a mudança de valores sobre os quais a sociedade está organizada. Por exemplo, o movimento das mulheres, mudar uma sociedade fundada sobre o patriarcado, ou seja, a dominação institucional de mulheres e crianças por homens, no seio da família, a uma família igualitária e a uma sociedade em que as mulheres tenham igualdade de oportunidades. Ou os movimentos ecológicos, que tratam de mudar os valores da relação entre sociedade e natureza, de forma que a conservação da natureza integre-se nos objetivos do crescimento econômico e do desenvolvimento material. Os movimentos sociais são mais importantes do que nunca. Em uma sociedade em que, ao ser centrada na informação, informação é cultura e, por conseguinte, a forma em que pensamos traduz-se, diretamente, na forma em que produzimos, em que administramos o resultado dessa produção.

Kátia Mello: Em relação a essa primeira pergunta. O senhor não acredita que nós estamos cada vez mais nos enclausurando dentro desses segmentos?

Manuel Castells: O que as tecnologias fazem é proporcionar um amplo leque de possibilidades. O que acontece, depois, com as tecnologias, depende do que acontece na sociedade. Concretamente, isso quer dizer: sociedades que tratam de se relacionar cada vez mais dentro dessa sociedade, como a Finlândia, por exemplo, as novas tecnologias permitem um desenvolvimento de relações sociais, de participação cidadã muito maior. Sociedades onde, pelo contrário, há uma tensão, inclusive uma violência entre distintos grupos sociais, como pode ser São Paulo, como pode ser Los Angeles, como pode ser, na Europa, Paris, neste momento, aí as novas tecnologias permitem que grupos de alto nível de receita e de educação deixem a cidade, organizem seu guetos de ricos e relacionem-se, entre eles e com o mundo em geral, através da internet. Por conseguinte, segundo as condições, o desenvolvimento da internet pode criar comunidades entre um grupo social determinado, mas cortando esse grupo do resto da sociedade, aumentando a segregação social.

Wilson Moherdaui: Identidades primárias, quer dizer, grupos que se aglutinam em torno de identidades primárias para se defender de uma certa forma desse fenômeno de globalização cultural. Isso explica, isso poderia explicar a acentuada explosão de seitas religiosas localizadas, e a exacerbação do fanatismo, do fundamentalismo, cristão, islâmico, enfim. Esse movimento de defesa da sociedade diante desse processo é que poderia estar resultando nesses processos?

Manuel Castells: Efetivamente. Mas, cuidado para não assimilar a afirmação de identidade e os valores absolutos, como os valores religiosos, ao fundamentalismo. O que assistimos, hoje em dia, no mundo, com exceção da Europa Ocidental, claro, é uma explosão do sentimento religioso e da busca de valores religiosos. Talvez uma das grandes surpresas para os intelectuais de esquerda de 20 anos atrás seja isto: em vez de uma sociedade cada vez mais laica, é o contrário. Neste momento, os grandes movimentos de oposição à globalização são movimentos religiosos. As grandes tendências de organização em comunidades de base são religiosas de todo tipo. Dentro disso, há um setor muito importante, fundamentalista. Nos EUA, o movimento social mais importante é o cristianismo fundamentalista. No mundo islâmico, o fundamentalismo... Não é todo o Islã, é uma minoria do Islã. O Islã, em si, não é fundamentalista, é muito tolerante, como religião. Mas, no mundo islâmico, há um setor fundamentalista importante, inclusive budistas. O que é uma contradição, budista fundamentalista, mas há, por exemplo, uma tendência muito forte no Japão.

Luiz Weis: Professor, eu gostaria de fazer uma pergunta. Eu queria voltar à questão do Estado especificamente. A questão do papel social do Estado na nova ordem mundial. Eu queria me referir a sua interpretação no seminário que foi organizado em Brasília, um pouco antes da posse do presidente Fernando Henrique, em que o senhor disse que um dos papéis do Estado, “que o Estado tem que passar da proteção do trabalhador à proteção do cidadão”. Eu queria entender isso, porque eu entendo claramente o que quer dizer o Estado proteger o trabalhador, ele protege o trabalhador do capital, ponto número 1. Eu não sei de quem o Estado deve proteger esse cidadão abstrato. Em segundo lugar, a maioria dos cidadãos ainda são trabalhadores, sobretudo, ou dependem, ou aspiram a um posto no lugar, ao um posto de trabalho. Então eu não sei se isso não desvitaliza o papel social que, segundo até pensadores liberais americanos, como Thomas Friedman, do New York Times que diz que ao contrário de não intervir, é de responsabilidade dos Estados Unidos promover uma ativa participação do Estado na vida das sociedades, na promoção social, justamente para anular os efeitos perversos da globalização.

Wilson Moherdaui: Só pegando uma carona na pergunta do Weis, gostaria só que o senhor complementasse. O papel do Estado foi fundamental na criação das grandes redes de comunicação, tanto da internet, a rede global, quanto do Minitel na França, que é a versão caipira, francesa da internet. Foram iniciativas do Estado para, de alguma forma, pulverizar o sistema de comunicação e torná-lo menos vulnerável, no caso de um ataque nuclear ou uma ecatombe qualquer. E a evolução desse processo, essas redes se desprenderam da iniciativa original dos Estados, no caso dos Estados Unidos, da França, para se transformarem em instrumento de democracia, quer dizer, pelo menos de liberação do acesso à informação para grande parte da população, que não tinha acesso à informação. Eu queria que o senhor comentasse o papel do Estado também nesse sentido.

Manuel Castells: Muito obrigado. Vamos por partes. O senhor se refere ao debate fundamental sobre como se financia a proteção social das pessoas: como cidadãos ou como trabalhadores. Eu me referia, nesse texto que citou, a algo que existe no Brasil. Os cidadãos têm direito universal à saúde, como pessoas, independentemente de sua situação trabalhista. A maior parte dos sistemas de seguridade social no mundo ainda estão baseados no posto de trabalho. Isto cria uma carga de impostos sobre a empresa que é um dos principais fatores que faz com que não se criem empregos estáveis e que se desenvolva a economia informal. Então, o debate que está proposto é como passar de uma cobertura centrada no trabalho a uma cobertura centrada nos direitos da pessoa. Por ser uma pessoa, tenho direito à saúde, tenho direito à educação, tenho direito à segurança, uma série de direitos que o Estado deve cobrir. Deve cobrir como? Através, claro, de uma carga de impostos sobre a criação de riqueza no país. Esta é uma mudança fundamental no que era o estado de bem-estar. Mas sua pergunta vai muito além. Qual é o papel do Estado em um sistema global, informacional, como o que temos? Em primeiro lugar, o primeiro papel do Estado é um papel prévio. Ou seja, pode uma sociedade, um país, uma economia funcionar, ou não, neste novo sistema global? Porque se não pode funcionar é simplesmente como entrar sem eletricidade na era industrial. Assim, o primeiro aspecto é o esforço de um Estado para participar da globalização. E aqui está a contradição. Por um lado, participar da globalização exige um esforço de modernização da economia, mobilização da sociedade e mudança institucional, o que faz que o Estado, na realidade, esteja solapando, destruindo as bases de sua autonomia. Concretamente, o capital, o dinheiro, todo o nosso dinheiro, funciona em um mercado financeiro global. A sua poupança, a minha poupança, estão voando por algum lugar, neste momento, e tanto faz que saibamos ou não, porque nos próximos três segundos estarão fazendo algo diferente. Portanto, se o mercado financeiro, onde está o capital, não é controlável pelo Estado, significa que não temos controle sobre os movimentos de capital, na realidade. Mas temos a possibilidade de criar condições para que esses movimentos de capital não fujam, não evitem uma determinada economia. Foi o que o Brasil fez nos últimos anos e é o que todo mundo está fazendo. Ao ter de homogeneizar, relativamente, as condições de funcionamento econômico, os Estados perdem a sua capacidade de intervir diretamente na política econômica. Diariamente, trocam-se, no mercado mundial, US$ 1,5 trilhão em várias moedas. Não há banco central que possa controlar essas trocas. O mercado mundial de derivados financeiros, só de derivados financeiros, é de US$ 360 trilhões, que é mais ou menos, 12 vezes o produto bruto de todo o planeta. Não é possível controlar isso, mas há possibilidade de influenciar, de navegar, de administrar. Os Estados têm, na minha opinião, duas grandes responsabilidades: uma, equipar a economia de um país em tecnologia e em recursos humanos, e já vou para sua pergunta, para ser capaz de operar nesse novo circuito; e, segundo, organizar a transição tecnológica e econômica para esse novo mundo, em que já estamos, de forma que os custos sociais sejam o menor possível.

Luiz Weis: Mas é possível fazer, é possível o Estado fazer coisas substantivas capaz de dotar a globalização de uma face humana?

Manuel Castells: É possível, e creio que há esforços em muitos países, mas tenho também de constatar, empiricamente, que, de momento, os primeiros 10 anos desse sistema novo, aumentaram a exclusão social, a desigualdade, mas é possível, como disse antes. Em que sentido é possível? É possível desenvolver programas de educação, que é o investimento fundamental produtivo e, ao mesmo tempo, o essencial para remediar a desigualdade social. A desigualdade social hoje está baseada na educação.

Heródoto Barbeiro: Por favor, Washington.

Luiz Weis: Ele ficou me devendo minha resposta.

Manuel Castells: Então, efetivamente, em relação a essa pergunta, que realmente estava ligada, a relação do Estado com o desenvolvimento tecnológico é central. Contudo, foi muito mais importante o momento do lançamento desse novo processo tecnológico na Europa, nos Estados Unidos. Nesses momentos, o que os Estados devem fazer é, mais precisamente, facilitar as condições para que o desenvolvimento tecnológico entre na sociedade através das empresas, através das forças que já existem na sociedade. Por exemplo, neste sentido, o mais importante é atuar sobre a universidade, sobre a educação, sobre o potencial científico e técnico e ajudar o desenvolvimento, através das empresas, de infra-estrutura, de telecomunicação, de desenvolvimento de softwares e de internet. Assim, o que era o papel do Estado como centro de impulsão de política tecnológica, neste momento, tem de ser, sobretudo, uma política de acompanhamento para que a sociedade e as empresas estejam preparadas para esse tipo de desenvolvimento.

Luiz Weis: Quanto menor a intervenção em sistemas de comunicação, de rede, como a internet, por exemplo, quanto menor a intervenção do Estado ou de quem quer que seja, melhor para a sociedade, é isso?

Manuel Castells: Mas tem de favorecer o desenvolvimento da internet nas escolas. O que não quer dizer, simplesmente, introduzir a internet através de computadores, mas proporcionar professores que saibam o que fazer com a internet.

Luiz Weis: Mas a diferença hoje entre o saber e o não saber aumentou muito mais, portanto a necessidade de conhecimento é muito maior, ok?

Manuel Castells: Absolutamente.

Luiz Weis: Isso não impõe sobre os Estados uma tarefa que eles não têm condições, porque é uma corrida perdida de antemão?

Manuel Castells: Não. O investimento maciço na educação não é uma corrida perdida. O essencial é retomar recursos do processo de criação de riqueza da altíssima produtividade que estamos gerando para redistribui-los na educação. Porque isso permite não só de corrigir a desigualdade como, além disso, é uma força produtiva. Pois a fonte de produtividade em nossa sociedade é a capacidade educativa dos indivíduos. Portanto, podemos, ao mesmo tempo, corrigir a desigualdade e reforçar a produtividade que, no fim, ajuda a corrigir a desigualdade. É um círculo virtuoso em um círculo vicioso.

Heródoto Barbeiro: Por favor, Washington?

Washington Novaes: O senhor no seu livro descreve em vários pontos essa questão dos governos terem que reagirem em tempo real a esses mercados financeiros globalizados, que o senhor acaba de escrever, com esses números todos, embora haja muitos números, alguns maiores, outros menores do que esses aí. Mas isso significa, então, os governos terem que reagir ao que está acontecendo no mercado naquele momento, e vários autores têm mostrado isso, que isso significa a perda dos tempos da política. A política exige tempos mais lentos, de mediação, de negociação, de discussão, então, a política perdendo o seu lugar. E vários autores, entre eles, por exemplo, professor José Eduardo Faria, têm escrito bastante sobre isso, mostrando que isso é uma ameaça enorme à democracia e ao processo democrático. Por outro lado, a página 493 do seu livro, o senhor diz que os fluxos financeiros, esses grandes capitais, tendem a assumir o controle dos impérios de mídia que influenciam os processos políticos. Então, eu lhe pergunto: onde é que vai ficar a democracia, onde é que vai ficar a possibilidade do cidadão se defender diante dessas coisas? A democracia, os tempos da democracia desaparecem, os governos reagem em tempo real ao que o capital financeiro faz. Por outro lado, esses fluxos financeiros, como diz o senhor, tendem a dominar os impérios da mídia. Ou seja, o cidadão será excluído do processo político, a julgar pelos raciocínios que o senhor desenvolve no seu livro. Então, isso que eu queria saber, onde é que fica o cidadão?

Kátia Mello: Sobre esse mesmo ponto, em relação também à integração econômica, não só as macros regiões que o senhor cita, né? Quer dizer, política e economia, como é que elas caminham? A França está saindo da esfera e não querendo entrar mais, por conta dos subsídios agrícolas. Como que isso fica? Nós vamos ter agora uma reunião no Rio de Janeiro, justamente para discutir isso. Quer dizer, unindo a pergunta dele, como é que ficam as macro regiões e como caminha a política e a economia nisso?

Manuel Castells: Na realidade, são duas perguntas relacionadas. Permita-me então, tomá-las na seqüência. Não creio que a democracia esteja em perigo, nem que a democracia desapareça. A democracia, no sentido defensivo, é fundamental e está, conforme o que se disse antes, mais reforçada do que nunca no mundo. Ou seja, as instituições democráticas com certas formas de controle. A democracia, como a definia o filósofo francês, Robert Escarpi, “é democracia quando batem à noite, na porta de sua casa, e você crê que é o leiteiro e não a polícia que vem prender você”. Isso é democracia, para começar.

Washington Novaes: Mas se o senhor me permite, o professor José Eduardo Farias que eu citei, disse: “ Neste Estado que reage em tempo real, ao cidadão só resta como face do Estado a face da segurança, a face policial”. Só esta face é que lhe resta. A face econômica é banida e a face política é banida no sentido em que ele está excluído da decisão. Porque o Estado reage em tempo real.

Manuel Castells: Certo! Por isso, eu dizia: diferenciemos a democracia. A democracia, como tal, expande-se e não corre perigo. Mas a distância entre as decisões do estado democrático e o cidadão é crescente. Não digo que seja uma inevitabilidade histórica. Isso não vem das tecnologias, vem da inadequação entre o novo sistema de globalização e de decisão em tempo real e as instituições democráticas que temos neste momento. Há uma defasagem entre instituições e funcionamento real do sistema. Por conseguinte, há essa crise e, por isso, há essa crise de legitimidade. Isso relaciona-se, realmente, com o problema que a senhora mencionou, Kátia Mello, o problema da reação entre política e economia. Se estamos em uma economia global, estamos. A globalização não é uma ideologia e não há que estar a favor ou contra. É. Então, atuamos na globalização dependendo de distintos interesses e com distintas estratégias. Há muitas formas de atuar sobre a globalização e isso importa politicamente. Então, a relação entre política e economia pode ser abordada do ponto de vista de acreditar que o mercado, pela sua própria dinâmica, soluciona tudo, e, por conseguinte, retirar o mais possível o Estado, esperando que o mercado, por sua dinâmica, estabeleça um sistema de equilíbrio, e que, por exemplo, redistribua, enfim, a riqueza criada. Ou, pelo contrário, uma capacidade política de orientar o que o mercado faz. Creio que esta é a grande diferença fundamental.

Regina Meyer: Eu queria fazer uma pergunta sobre o Estado e a cidade. O Estado produziu as possibilidades para que o capitalismo industrial se instalasse. Brasil anos 50, Juscelino [Kubitschek, presidente do Brasil entre 1956 a 1961, foi o responsável pela construção da nova capital federal - Brasília. Político desenvolvimentista, celébre pela frase "cinquenta anos em cinco"], etc. Hoje, para que a nossa sociedade realmente possa se incorporar nesse universo inelutável, da globalização - estou falando agora do Brasil e das grandes metrópoles brasileiras - é absolutamente fundamental que o grande investimento seja feito nas cidades, que haja modernização da cidade. A modernização em São Paulo se deu em faixas da cidade, onde a gente tinha edifícios com fibra ótica, sem esgoto, sem infra-estrutura. Quer dizer, que foi a contradição absoluta que as marginais viveram. Agora já parece que algumas partes já estão sanadas. Mas, de qualquer maneira, esse capital da modernização das cidades, que no caso da Europa, do mercado comum, foi um grande capital que os bancos europeus investiram, quer dizer, o grande banco que o mercado comum criou para a melhoria das condições de vida na cidade. Aqui em São Paulo, por exemplo, olhando na realidade nossa, que você conhece, veio aqui tantas vezes, nós temos que modernizar setores e ir buscar setores, cujo nível de atraso é tão extraordinário, que, simplesmente abandoná-los, compromete a nossa participação. Quer dizer, a forma do Estado atuar, no caso do Rio, São Paulo, talvez algumas outras grandes metrópoles, faz com que o Estado tenha ainda compromissos importantes de atuação e de investimento na modernização das cidades, não exclusivamente para torná-las competitivas, mas para torná-las viáveis.

Manuel Castells: Absolutamente. E, por isso, nesse sentido, completando a frase, mas aplicada à cidade, o mercado, por si só, não soluciona nem os problemas sociais, nem os ambientais, nem os políticos, nem a integração cidadã e nem sequer os problemas funcionais. Ou seja, o mercado requer instituições; o mercado requer sistemas de gestão e de participação. Nunca houve um mercado puramente selvagem. Isso é uma ideologia perigosa. Se quiser ver o exemplo mais perigoso disso, é a Rússia atual. A Rússia atual foi suscitada por gente admiradora de Pinochet, como [Yegor] Gaidar [economista e político russo, foi primeiro ministro da Rússia de junho a dezembro de 1992] , que decidiram fazer um mercado sem controle, como transição do comunismo. O resultado é uma economia destruída, uma sociedade fracionada e uma economia que funciona em sistema de troca em 50%. Voltando a São Paulo. Creio que, efetivamente, deixar que o mercado seja o único mecanismo de reestruturação de São Paulo leva a aberrações, como a criação de novas periferias, de grandes sistemas de edifícios comerciais e residenciais, separados da cidade real, ao mesmo tempo em que se abandona e se deteriora o patrimônio existente, o patrimônio urbano, Avenida Paulista, centro da cidade, etc. Por conseguinte, a idéia que observo em São Paulo é que houve uma terrível gestão urbana, nos últimos 10 anos. A capacidade de administrar é fundamental na globalização, sobretudo no local. A capacidade nacional da globalização consiste, mais precisamente, em movimentos adaptativos, mas o que chega à vida cotidiana das pessoas é a administração local. E Barcelona e São Paulo estão, ambas, na globalização, e não pode haver duas cidades mais diferentes em termos de qualidade de vida, em termos de como funciona. Barcelona nem sempre foi assim. Durante minha infância em Barcelona, era um desastre de cidade, e funcionava muito mal. E neste momento funciona bem e é capaz de administrar a globalização. Portanto, São Paulo não é uma cidade destruída pela globalização, mas por uma má administração da globalização.

Heródoto Barbeiro: Nós vamos fazer mais um intervalo. Daqui a pouco nós voltamos. Nós estamos hoje entrevistando o sociólogo espanhol, nosso convidado, doutor Manuel Castells. Até já.

Heródoto Barbeiro: Nós voltamos com nossa entrevista, hoje o nosso convidado é o sociólogo espanhol Manuel Castells. Professor, antes de passar para os nossos convidados, combinamos de fazer perguntas bem curtinhas. Eu queria fazer uma bem curtinha, para o senhor dizer para o nosso telespectador. Tem uma afirmação do senhor dizendo o seguinte: “a tecnologia determina a sociedade”. É nesta época deste capitalismo em final de século que isso acontece?

Manuel Castells: A tecnologia não determina a sociedade, nem agora e nem nunca. O que acontece é que nada do que fazemos se poderia fazer sem essa tecnologia. Mas o que fazemos depende de nossa vontade. Além disso, mais do que nunca, o que queremos e pensamos converte-se em realidade com mais força porque tecnologia é uma tecnologia de informação. Portanto, está instalada no nosso cérebro, não nas máquinas. As máquinas processam o nosso cérebro. Por isso, temos, ao mesmo tempo, extraordinários efeitos positivos e extraordinários problemas porque todos somos anjos e demônios. Através da tecnologia temos, ao mesmo tempo, criatividade extraordinária cultural, musical, e pornografia na internet.

Gildo Marçal Brandão: Eu confesso que fiquei impressionado com o seu livro. Não só pela extensão dele, devem ser mais de 1500 páginas na edição brasileira, com a tentativa de explicar e integrar uma massa de informações e tentar dar uma solução teórica para essa realidade do mundo contemporâneo. Eu também achei muito simpático o que o senhor polemizasse com várias teses que estão no dia-a-dia, embora no dia-a-dia mais ou menos, digamos assim, identificadas com o que se chama de pensamento neoliberal. O senhor insiste no papel do Estado, insiste na questão da sociedade de mercado e não da economia de mercado pura e simplesmente, quer dizer, nas instituições, no papel das instituições. Mas eu fiquei preocupado e é essa a minha questão, no seguinte - é claro que talvez no segundo volume o senhor responda isso - mas se nós temos uma situação em que o capital é global, o trabalho é local, existe um capitalismo global, não existe uma classe capitalista global, a solução é, a contestação a esse sistema é só local e defensiva. Ora, se esses atores locais estão diante de um ator ou de um sistema internacional, o fato deles ficarem só no plano local não os condena à derrota, e nesse sentido o trabalhador e o cidadão não teriam vez nesse sistema?

Manuel Castells: Você expôs muito bem a contradição atual. Daí nasce a extraordinária insegurança dos cidadãos no mundo todo e a crise de legitimidade política. Porque, entre o que as pessoas vêem como problema e o que podem entender do que fazem seus governos, seus partidos, etc, há uma distância enorme. Eu não tenho solução para esse problema. Eu constato o que se está observando e tento ver, então, que embriões de reconstrução, de controle político e de orientação política, estão ocorrendo. Não o que eu penso, nem sequer o que eu quero, mas o que está acontecendo. Estão acontecendo diversas coisas ao mesmo tempo, em termos de reconstrução. O local é, primeiro, uma trincheira de resistência, um organismo de resistência. Mas, também, tenta mudar as condições de administração do global no local, mediante programas municipais, programas urbanos, programas de desenvolvimento cultural, programas de previdência social. Há múltiplos exemplos no mundo. Segundo, os Estados podem ter políticas diferentes e, portanto, impor maior controle aos processos de globalização. Exemplo: a Finlândia é a primeira sociedade de informação no mundo, neste momento, segundo os indicadores. Ao mesmo tempo, é uma sociedade social democrata, com cobertura universal dos direitos sociais, alta produtividade e competitividade de suas empresas, democracia participativa na internet. É um modelo diferente do Silicon Valley. Se devemos economizar expressões como “neoliberalismo”, por exemplo, todos me dizem: “ No Brasil, há um governo neoliberal”. Não. Um governo neoliberal, no sentido estrito do termo, é um governo que pensa que o mercado vai fazer tudo. Não é um governo que faz cobertura universal da saúde, que Hilary Clinton [(1947-), política estadunidense do Partido Democrata, senadora pelo estado de Nova York desde 2001. Foi primeira dama dos EUA, entre 1993 a 2001, na condição de esposa do presidente Bill Clinton, é pré-candidata à presidência dos EUA em 2008] não pode fazer; não é um governo que faz reforma agrária; não é um governo que faz política habitacional; não é um governo que aumenta enormemente a educação. Esse não é um governo neoliberal. Então, o estar manejando a globalização não é o neoliberalismo. O neoliberalismo é dizer que o mercado arrumará tudo. Aí sim, há um problema e há muitas situações em muitos países onde isto acontece. Outro embrião de reconstrução de sentido: os movimentos sociais, que chamo pró-ativos, que propõem diferentes projetos, diferentes projetos de vida, como é o movimento feminista, o movimento das mulheres, em geral, como é o movimento ecológico. Enfim, a conexão de movimentos de defesa, como os sindicatos, como os movimentos de trabalhadores, que não desaparecem e não vão desaparecer, mas que têm de começar a articular suas estratégias, por um lado, em nível global, e, por outro lado, incorporando as novas formas de trabalho produtivo e as novas formas de organização em rede, sem o que serão, simplesmente, um bastião de resistência, mas não uma fonte de mudança.

Ricardo Abramovay: Professor Castells, o seu livro, no terceiro capítulo, sobre a economia informacional e o processo de globalização, ele, que aliás é uma virtude do livro como um todo, quer dizer, de recuperar a nossa história recente, não para traçar leis gerais, mas para nos fornecer certos horizontes e possibilidades de desenvolvimento. Assim como o senhor tem insistido nessa entrevista me parece, de maneira com a qual eu concordo, que os dados estão lançados, mas o resultado não está antevisto e não está definido.


Manuel Castells: Correto.

Ricardo Abramovay: Nesse sentido, da mesma maneira que o problema da cidade é um problema de gestão e não um problema da globalização, eu fiquei com a sensação que com relação à América Latina, no capítulo que o senhor fala da economia informacional, enfim, esse capítulo da economia informacional, o processo de globalização, a América Latina acabou se dando muito mal no processo de globalização, com, talvez a exceção chilena e em alguma medida, exceção mexicana e alguns setores do Brasil. Mas globalmente, sobretudo, do ponto de vista social, há um contraste nítido entre a situação latino-americana e a situação asiática. Claro, que nós não somos o Quarto Mundo, como é a África subsaariana, nós não estamos em situação de desintegração como está a Rússia, mas nós não conseguimos nos engatar de maneira dinâmica no processo de globalização de maneira que esse dinamismo beneficiasse amplas massas da população. E quando a gente vai examinar as razões pelas quais isso aconteceu, não é por falta de poupança interna, não é por falta de elites internas. Eu fiquei com a imagem que é, sobretudo, pela maneira como o Brasil se submeteu aos organismos – Brasil não – a América Latina se submeteu aos organismos financeiros internacionais, inclusive há um elogio ao governo brasileiro em 1994, pelo fato de ter conseguido a façanha histórica de negociar diretamente com os bancos sem se submeter ao FMI. Embora o seu livro não seja normativo, esta não submissão ao FMI aparece como um caminho a ser seguido no sentido não da recuperação da soberania nacional do velho estilo, mas de compatibilizar a inserção na ordem global com uma economia capaz de promover coesão social.

Manuel Castells: O problema está muito bem exposto. Primeiro, sobre os dados, esse volume, esse livro, tal como está, foi terminado em 1996. A situação mudou um pouco, desde então. Melhorou, substancialmente, no Brasil, de 1996 a 1998; melhorou, substancialmente, na Argentina, nesse período. E, em geral, na América Latina, houve uma integração mais negociada no processo de globalização. Portanto, há processos em marcha. Ao mesmo tempo, em 1997, 1998, houve a grande crise da Ásia e, em boa medida, o naufrágio do modelo do Pacífico Asiático centrado no Estado desenvolvimentista. Mas a pergunta central que você coloca, por que, por exemplo, Brasil ou Argentina, entram em uma fase recessiva no final de 1998 e durante parte de 1999, embora eu creia que o Brasil começou a crescer outra vez, está crescendo 1%, neste momento. Mas eu creio que aí o problema vem, fundamentalmente, de como funciona o mercado financeiro global. O mercado financeiro global funciona só em parte por critérios econômicos. Funciona também, e cada vez mais, pelo que chamo de turbulências de informação. O que quer dizer turbulência de informação? Que o que dizem certos personagens, ou como avaliam certas empresas, para países, ou para governos, geram grandes movimentos de psicologia coletiva nos mercados financeiros que são incontroláveis. Criaram nos mercados financeiros uma entidade, um planeta, que se chama mercados emergentes, em que estão em pé de igualdade Rússia, Indonésia, Brasil, Coréia. Qualquer coisa que ocorra em um desses países, sem que nada tenha a ver com a economia, tem impacto sobre os outros países. Por conseguinte, tem impacto sobre o Brasil; indiretamente, tem impacto sobre a Argentina. Assim, o grande problema da América Latina é que, ao integrar-se cada vez mais na globalização, torna-se cada vez mais vulnerável a esse tipo de movimento. Portanto, é preciso saber navegar. Se comparo o que ocorreu na Indonésia, o que ocorreu na Malásia, no Sudeste Asiático com o que ocorreu no Brasil e na Argentina, creio que a América Latina está navegando melhor nesses mares turbulentos da globalização. O Fundo Monetário Internacional, eu o chamo de “Fetiche Monetário Internacional”, porque, na verdade, não dão dinheiro, dão a promessa de uma linha de crédito para que os investidores recuperem a confiança. É ideologia, é informação o que fazem. No caso da Ásia, como foi demonstrado empiricamente, agravaram a crise financeira, na Indonésia, provocaram o pânico e a economia naufragou. No caso do Brasil, houve algo diferente. O Brasil não aceitou todos os termos da negociação e o que aconteceu no Brasil é que, pela primeira vez, o FMI aceitou algo que restabelece mais a sua função econômica, que é a intervenção preventiva. Ou seja, os países que têm uma política de ajuste podem ter a possibilidade de uma linha de crédito imediata para prevenir turbulências de informação, que geram pânicos financeiros. Isso é novo e foi a conseqüência da negociação com o Brasil. Portanto, há uma mudança.

Luiz Weis: Gostaria de fazer uma pergunta. Há um aspecto do seu livro pelo menos no primeiro volume dessa trilogia ao qual tivemos acesso, que me chamou muito a atenção, foi o fato que é muito raro para tipo de trabalho dessa envergadura, dessa ambição intelectual, o senhor não cita entre os autores o velho Marx. Eu gostaria de saber: o senhor acha que o marxismo é inútil como instrumento de compreender o mundo atual que o senhor descreve? E ele é obsoleto como instrumento de transformação?

[?]: As categorias básicas do livro são modo de produção e modo de desenvolvimento.

[?]: Já que é para partir para o ataque pessoal, eu gostaria que o senhor se identificasse politicamente.

[?]: Ninguém está partindo para o ataque pessoal!

[?]: Brincadeira.

Manuel Castells: Uma pergunta perfeitamente legítima. Neste livro, não cito Marx e não cito muita gente que fez coisas muito importantes, inclusive recentes.

Luiz Weis: Mas é atípico, o senhor vai concordar.

Manuel Castells: E advirto que só cito o que utilizo diretamente. Não faço uma revisão bibliográfica. Não é um livro sobre livros.

Heródoto Barbeiro: Mas vamos às perguntas.

Manuel Castells: É um livro sobre o mundo em que vivemos. Então, nesse sentido, é significativo não que não cite, mas que não utilize Marx. Por que não o cito? Porque não me serve, efetivamente, para este mundo. Serve-me para uma certa construção teórica, como a do modo de desenvolvimento, como a do modo de produção, que tem matriz marxista. Eu fui marxista, não sou antimarxista, como todos os marxistas franceses que logo se tornaram pós-modernos e antimarxistas. Para mim, o marxismo é um instrumento e não uma religião. E não uma política, porque a política marxista é terrível.

Luiz Weis: Mas é um instrumento obsoleto ou ainda válido como um instrumento de transformação?

Manuel Castells: É válido para alguns problemas sociais; é válido para entender o modo de produção, é válido para entender exploração. Não é válido para entender o que é uma economia informacional e para entender o que é o atual processo de globalização.

Washington Novaes: Se o senhor me permite voltar a essa polarização entre o social e o político e a globalização. Porque embora o senhor diga que o senhor descreve, que o senhor não defende, aqui na página 502, o senhor escreve o seguinte: “na verdade, contradizendo profecias apocalípticas de análises simplistas, há mais empregos e uma proporção maior de pessoas com idade para o trabalho, empregadas, que em qualquer outra época da história. Quem não parar um pouco, vai tomar isto como uma verdade. Agora, acontece o seguinte, realmente há mais empregos que em qualquer outra época da história, mas há mais população que em qualquer outra época da história. Proporcionalmente isso não se sustenta.

Manuel Castells: Não é correto. Empiricamente não é correto.

Washington Novaes: O senhor, a proporção de pessoas sem emprego hoje...

Manuel Castells: É muito maior do que nunca, porque as mulheres não eram força de trabalho paga. Costuma-se esquecer disso.

Washington Novaes: Mas não é só por isso, é porque a população também cresceu extraordinariamente...

Manuel Castells: A proporção não muda com...

Washington Novaes: E a proporção, na verdade, não é essa. Além disso, volto ao relatório do qual o senhor é consultor. O senhor tem hoje no mundo, segundo esse relatório, mais de 1 bilhão de pessoas que ganham menos de um dólar por dia.

Manuel Castells: Mas isso não tem nada a ver com terem emprego ou não. Não é tudo de uma vez: falta de emprego, pobreza... E lhe digo mais: há 40% de pessoas no mundo que ganham menos de dois dólares por dia. Eu participei desse informe, portanto, não é porque não tenham trabalho, não é porque não tenham trabalho, é porque têm mau trabalho e mal pago. É um problema diferente e, analiticamente, fundamental.

Washington Novaes: Não é só. Eu também trabalhei para esse relatório e queria dizer o seguinte. Há um outro pressuposto no seu livro que é o seguinte: a tecnologia não é neutra, a tecnologia está sempre a serviço, atendendo a determinadas necessidades de determinados modelos. Então ela pode ser perversa, ela pode perfeitamente ser perversa, e no caso social e político hoje, ela tem extraordinários efeitos perversos.

Gildo Marçal Brandão: Na verdade, na tese da tecnologia neutra, eu acho que ele reverte a Marx. Porque o problema é a utilização que se faz na sociedade, não é a tecnologia em si que pode ter efeitos positivos ou negativos, é anti-Marcuse [referência a Herbert Marcuse, influente sociólogo e filósofo alemão naturalizado norte-americano], digamos assim. Me pareceu que o livro é anti-Marcuse. A idéia...

Manuel Castells: A tecnologia não é perversa; aumenta as tendências perversas da sociedade ou as tendências positivas da sociedade. As duas coisas.

[?]: Bem ou mal, ela potencializa tudo.

Kátia Mello: Em relação a isso, eu até gostaria que o senhor comentasse. Estamos aí com a situação dos grampos telefônicos e estamos pensando também até onde vai a privacidade do indivíduo. Eu queria que o senhor associasse até outros casos, como os casos de pedofilia, os casos de meninos que montam bombas caseiras, como foi o caso dos Estados Unidos, e vão nas escolas e levam suas bombas.

[?]: Deixa eu pegar uma carona, mas aí é uma carona mesmo...

Manuel Castells: Vamos por partes. Não há privacidades.

Kátia Mello: O senhor diz ser um anarquista, quer dizer, não há privacidade. Deve haver censura?

Manuel Castells: É um dado. Não há privacidade.

Kátia Mello: Deve haver censura, não deve haver censura?

Manuel Castells: Não pode haver censura, não é possível censurar. Há capacidade tecnológica de superar a censura.

Regina Meyer: Nós não devemos lutar para que haja mais privacidade?

Manuel Castells: Não sei.

Kátia Mello: Não tem limite a tecnologia, o desenvolvimento tecnológico?

Manuel Castells: Primeiro...

[?]: [interrompendo Manuel Castells] Mas como não há censura? O senhor me desculpe, a Arábia Saudita não tem internet.

Manuel Castells: Exato. Só há possibilidade de... Não estão ligados à internet, estão fora da rede. Primeiro, por grandes problemas tecnológicos de censura. Mas, segundo, porque nos Estados Unidos, o centro da internet, há uma decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos de que é anticonstitucional estabelecer qualquer tipo de controle sobre a internet porque há o direito constitucional aos caos. É uma expressão interessante.

Ricardo Abramovay: Tudo que é crime fora da internet, é crime na internet também.

Manuel Castells: Claro!

Ricardo Abramovay: Portanto a sociedade tem que se defender com as suas armas.

Manuel Castells: Mas, uma vez que seja... Quando há algo na internet, como pedofolia, pode-se perseguir, depois de ocorrido. Não é que eu esteja de acordo com que haja pornografia na internet. Só quis dizer que a internet expressa o mesmo que há na sociedade. Se há pedofolia na sociedade, haverá pedofolia na internet. A internet não é necessária para o que, hoje em dia, é um comércio de turismo sexual global, em que há centenas de milhares de crianças exploradas sexualmente por operadoras de turismo, do mundo todo, que vão a Tailândia, Costa Rica, Brasil, para esse negócio. Mas isso não é a tecnologia. É o tipo de sociedade. É que criamos uma sociedade em que a violação de crianças é um valor de mercado.

Kátia Mello: O senhor não acha que deve ser repensada a ética, por exemplo, no caso da biotecnologia, da clonagem, de tudo isso?

Manuel Castells: Claro. Aí, sim, exponho um problema com certo alarme. Agora, já temos a capacidade, não é o futuro, é já, a capacidade de manipular geneticamente a vida. Se não criarmos uma sociedade muito mais responsável, no nível dos indivíduos, não só das instituições, haverá usos terríveis da manipulação genética. Mas não vamos deter isso, controlando a engenharia genética, porque ela vai se desenvolver de todas as maneiras. Isso expõe o desafio de que tipo de educação, de que tipo e moralidade, de que tipo de instituições temos na sociedade.

Luiz Weis: E de que tipo do controle do capital que está por trás disso, ou não?

Manuel Castells: Mas é que o capitalismo e os perversos não são a mesma coisa?

Luiz Weis: Não, não é o mesmo, mas é o mesmo capital.

Manuel Castells: Eu sou bastante crítico do capital incontrolado, mas nem todos os males do mundo são apenas do capital.

Luiz Weis: Não estou dizendo isso.

Regina Meyer: Castells eu queria fazer uma pergunta. Sobre a questão da violência, que é uma questão que te chamou atenção, no Rio de Janeiro você fez umas observações sobre violência. E na entrevista que você deu a uma revista essa semana, você fala do futuro da cidade. Que a cidade será um conjunto de guetos ou de nichos segregados e etc. Quer dizer, um futuro tenebroso que você descreve, né? Futuro sombrio para a cidade. E hoje nós estamos vivendo uma situação, onde a violência é muito grande, nós temos poucos elementos, poucos conceitos, poucas formas de pensar a violência, especialmente nas cidades e temos uma novidade do ponto de vista de organização da sociedade, que é uma proximidade física vinculada a uma distância social, que é o modelo que nós estamos vivendo, especialmente no Brasil, acho que algumas outras cidades americanas ainda têm isso. A violência é dada, muitas vezes se explica de maneira simplista, através do desemprego, pobreza e etc. No teu livro, quando você descreve o futuro das cidades, eu acho que a violência começa a se explicar por esse futuro que você descreve.

Manuel Castells: De acordo, sob a condição de insistir que não descrevo o futuro, mas o presente das cidades.

Regina Meyer: Está certo, mas ali você... Foi na revista que você... Uma entrevista que você deu.

Manuel Castells: Então, para mim, o que parece ser o problema, o maior paradoxo urbano que estamos vivendo, é que chegamos ao mundo urbano. Chegamos a um mundo em que a maioria das pessoas, pela primeira vez na história, vive em cidades. No Brasil, são 80%. Ao mesmo tempo, pode ser um mundo urbano sem cidades. Isto é, um mundo urbano em que se perde a cidade como sistema de convivência, como cultura, como instituição de gestão local, fragmentada em mercados e tribos identidárias.



Regina Meyer: Urbano, como contraponto de cidade?



Manuel Castells: Exato. Isso é o que estou vendo.



[?]: Isso é o pior dos mundos possíveis.



Manuel Castells: Então, como se opor a isso? Através de coesão social, gerada através das instituições públicas e de gestão de um novo tipo de cidade. Às vezes, acredito que, em São Paulo, não se está medindo a verdadeira São Paulo. O mesmo eu diria de outras cidades brasileiras. Todo mundo me fala do extraordinário dinamismo das cidades do interior de São Paulo: de Araraquara, de Campinas, etc. E se pensássemos que, na realidade, não estamos em uma megacidade, como São Paulo – é um velho conceito – mas em um sistema de núcleo urbanos articulados em uma grande região metropolitana, em que, na realidade, as pessoas vivem e trabalham nesses núcleos, mas se articulam entre eles. O problema então...



Washington Novaes: Mas esses núcleos do interior de São Paulo repetem o modelo de São Paulo. Campinas tem os mesmos problemas...



Manuel Castells: Isso mesmo.

Gildo Marçal Brandão: [?] políticas para operar essa megacidade.

Manuel Castells: Exato. Então o problema é que a dinâmica espacial pode ser corrigida com base na integração de diferentes núcleos. Mas o senhor tem razão: os problemas sociais se reproduzem nesse sentido. E se reproduzem pelas causas estruturais de pobreza, pela incapacidade de gestão, pela incapacidade de integração política e por algo mais, que é a emergência, pela primeira vez na história, de uma economia criminal global, organizada sistemicamente como forma de conexão perversa dos excluídos, em que a droga e a violência se combinam.

Heródoto Barbeiro: Doutor Castells, nós estamos chegando ao final do nosso programa, eu gostaria de fazer uma pergunta ao senhor, até para fechar alguma coisa que foi dita aqui, em que foi discutido um pouco de marxismo, um pouco a respeito de capitalismo, acho que alguma coisa ficou um pouco no ar. Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: no chamado capitalismo informacional, afinal de contas, existe ou não existe luta de classes? Existe ou não existe a mais-valia, ou essas coisas pertencem a um capitalismo do passado?

Manuel Castells: Existe luta, mas não de classes. Existe geração de valor, porém, não através apenas, nem fundamentalmente, de capitalistas individuais, mas de uma rede de fluxo de capital, que, conjuntamente, como se fosse um autômato incontrolado, organiza o conjunto das economias de todos os países, com base em transações nesse mercado financeiro, sem referência a qualquer valor social. A contradição não é mais entre capital e trabalho, mas entre autômato financeiro e os valores da humanidade que se estão perdendo.

Heródoto Barbeiro: E onde está essa contradição que é inerente ao próprio sistema capitalista?

Manuel Castells: É inerente a contradição, não entre capital e trabalho, e sim, entre forma de apropriação de valor e experiência humana. A contradição fundamental não é que um patrão tire dinheiro de um trabalhador, mas que toda nossa vida seja organizada com base nas diferentes taxas de financiamento em um mercado financeiro global.

Luiz Weis: Mas, dada a crescente desigualdade entre esses dois atores sociais básicos, o capital, não o trabalho, mas a sociedade. O cenário de uma globalização, de um capitalismo informacional com face humana é uma quimera, é uma utopia?

Gildo Marçal Brandão: É uma sociedade matriz.

Manuel Castells: Não, porque existem projetos políticos que tentam negociar, que tentam reconstruir. Poucos, mas existem. Creio que onde há dominação, há resistência, e onde há exploração, há capacidade de reorganização da sociedade. Essa é a história humana e temos que ver como se desenvolve, nos próximos anos.

Luiz Weis: Sim, mas a resistência que existe hoje é uma resistência medievalista, uma recusa ao capitalismo liminar.

Manuel Castells: Não só. O movimento ecológico não é medievalista, o movimento feminista não é medievalista e as tentativas de articulação entre política do Estado e política de informação, como na Finlândia e em alguns países da América Latina, de alguma forma, tampouco são medievalistas. Há embriões, mas não sabemos quais serão seus resultados, porque a História não se escreve de antemão. A História se vive, se faz e, depois, chegamos nós, os sociólogos, e a interpretamos.

Heródoto Barbeiro: Doutor Castells, nós queremos, então, agradecer sua gentileza, sua participação conosco. Muito obrigado pela participação, pelo debate com nossos convidados. Nós queremos também agradecer a todos que participaram conosco nesse programa Roda Viva

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