O cientista britânico Tony Allan, criador do conceito de água virtual, afirma nesta entrevista que os agricultores detêm a chave para a segurança da água, especialmente no Brasil.
“A forma como usamos a terra e os recursos hídricos no passado negligenciava os impactos ambientais impostos pela agricultura intensiva. Esses custos não se refletem nos preços das commodities alimentícias vendidas e compradas internacionalmente e nem mesmo nos preços dos alimentos no mercado interno. O Brasil não deveria correr para satisfazer a demanda global por sua água, colocando commodities no mercado mundial a preços que impossibilitem que o ambiente das terras e dos recursos hídricos do país seja usado de modo sustentável”.
Essas são palavras do cientista britânico John Anthony Allan nesta entrevista que ele aceitou conceder, por e-mail, à IHU On-Line. Famoso no mundo inteiro por ter criado o conceito de água virtual, explicado a seguir, Tony Allan, como é conhecido, identifica que as grandes economias de água podem ser feitas no setor agrícola, no qual os volumes utilizados são imensos. “Os agricultores tomam conta de toda a água verde. Junto com os engenheiros, eles tomam conta também de toda a água azul usada na agricultura irrigada. Isso representa 80% da água empregada no mundo inteiro. Os agricultores detêm a chave para a segurança da água – especialmente no Brasil”, alerta.
Allan é professor no King’s College de Londres e na Escola de Estudos Orientais e Africanos. Pioneiro em conceitos-chave para a compreensão e a divulgação das questões referentes à problemática da água e à sua conexão com a agricultura, as mudanças climáticas, a economia e a política, foi laureado em 2008 com o Stockholm Water Prize (Prêmio da Água de Estocolmo).
Confira a entrevista.
IHU On-Line: O senhor poderia explicar o conceito de “água virtual”? Como fazer o cálculo de quanto cada produto consome de água?
Tony Allan: Os alimentos e outras commodities necessitam de água para serem produzidos. As commodities alimentícias possuem um teor de água particularmente grande. Veja as quantidades de água que são necessárias para produzir 1 quilo dos seguintes produtos:
Quando uma commodity é exportada de um país para outro, o país importador se torna seguro em termos de água e alimentos, contanto que tenha uma economia que seja diversificada e as pessoas tenham meios de vida que lhes possibilitem comprar alimentos importados. Das 210 economias existentes no mundo, ao menos 160 são economias “importadoras” de água virtual. Há apenas cerca de dez economias que têm um excedente de água significativo que pode ser “exportado” em forma virtual. Esses países incluem os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, a Argentina e a França. O Brasil é, potencialmente, o maior “exportador” de água virtual do mundo.
IHU: Quais são as maiores consequências ambientais para um país como o Brasil, a partir dessa consideração de ser o maior exportador de água virtual do mundo?
TA: A forma como usamos a terra e os recursos hídricos no passado negligenciava os impactos ambientais impostos pela agricultura intensiva. Esses custos não se refletem nos preços das commodities alimentícias vendidas e compradas internacionalmente e nem mesmo nos preços dos alimentos no mercado interno. O Brasil não deveria correr para satisfazer a demanda global por sua água, colocando commodities no mercado mundial a preços que impossibilitem que o ambiente das terras e dos recursos hídricos do país seja usado de modo sustentável.
IHU: Como podemos fazer para que essa “água virtual” seja contabilizada e informada para os consumidores? O senhor acredita que isso ajudaria na questão da economia desse recurso?
TA: Será muito difícil fazer com que o valor da água usada na produção de alimentos de origem vegetal e animal se reflita no preço desses produtos. Nem os agricultores que produzem as commodities, nem os comerciantes que as tornam disponíveis nas economias importadoras de alimentos, nem seus clientes e consumidores estão conscientes do teor de água embutida nelas e de seu valor. É improvável que a regulamentação cause algum impacto, porque os números sobre o teor de água são muito imprecisos e podem ser facilmente questionados. Educar os consumidores é a maneira mais provável de mudar seu comportamento e sua forma de consumo. Os desafios políticos são imensos, especialmente numa economia de mercado.
IHU: Qual a importância de se divulgar a “pegada da água” e que ações devem ser pensadas como resposta aos resultados apresentados por essa “água virtual”?
TA: O conceito de “pegada de água” é uma forma muito eficaz de contribuir para conscientizar os agricultores, negociantes, supermercados e consumidores a respeito do teor de água das commodities que eles produzem, vendem ou compram e consomem. A comparação da pegada de água de uma dieta à base de carne de gado, que consome 5 m3 de água por dia, com a de uma dieta vegetariana, que consome 2,5 m3 de água por dia, apresenta um resultado crasso. Tem-se demonstrado que uma dieta à base de carne de gado ou de outros produtos de origem animal é muito ruim para a saúde de um indivíduo. E também péssima para o meio ambiente.
IHU: De que forma o tratamento de esgotos contribui para a economia da água? Quanto se gasta de água para fazer um saneamento básico de qualidade?
TA: A maior parte da água é usada para produzir alimentos. Mais de 80% da água que um indivíduo ou uma economia necessita são usados na produção de alimentos e 70% dessa água é verde – ou seja, água proveniente da chuva que é retida no solo. A maior parte da produção agrícola do Brasil vem da água que está no solo. Os outros 30% são constituídos de água azul, ou água doce. A água doce vem dos rios e do lençol freático. A água usada em casa e para trabalhos não agrícolas corresponde a entre 10% e 20% da água de que um indivíduo ou uma economia necessita. A proporção depende de quão industrializada é essa economia e de quão elevado é o padrão de vida do indivíduo. Os efluentes líquidos e o esgoto são gerados pelo uso doméstico e industrial da água. Mediante um investimento considerável, os efluentes podem ser reutilizados. Mas é preciso lembrar que esses efluentes são sempre uma pequena proporção do total de água de que a sociedade necessita. É cada vez mais possível e apropriado que as economias avançadas invistam na reutilização de efluentes. Mas a decisão política de alocar verbas para investir no tratamento de efluentes urbanos tem de ser ponderada levando em conta o valor do investimento em outros setores, como educação, saúde, comunicações, energia etc. A grande economia de água pode ser feita no setor agrícola, em que os volumes de usados são imensos. Os agricultores tomam conta de toda a água verde. Junto com os engenheiros, eles tomam conta de toda a água azul usada na agricultura irrigada. Isso representa 80% da água usada no mundo inteiro. Ou seja, os agricultores detêm a chave para a segurança da água – especialmente no Brasil.
Por Graziela Wolfart, com tradução de Luís Marcos Sander (IHU On-Line/Envolverde) e edição de Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)
Carta da Terra
"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)
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