Humberto Rezende
Publicação: 12/10/2010 08:00 Kawasaki, Nagoya e Yokohama — Quatro vezes por semana, Teruji Nobe, 61 anos, sai com sua moderna câmera Canon para capturar imagens de pássaros. Seu lugar predileto para o exercício do hobby que adotou após a aposentadoria é o Estuário Fujimae, em Nagoya, cidade onde vive. O local em que os rios Nikko, Shinkawa e Shonai se encontram com o mar é um importante ponto de parada de aves migratórias que fazem o percurso entre a Oceania e o nordeste asiático. Por isso, Nobe consegue fotografar ali uma variedade imensa dos animais.
O “amante dos pássaros”, como o próprio fotógrafo amador se define, não frequentaria hoje o local se a cidade não tivesse, em 1991, adotado um programa radical de coleta seletiva e reciclagem de lixo. Quarto maior município do Japão, Nagoya vivia nos anos 1980 um dilema: precisava encontrar um novo depósito para seus resíduos, pois o que serve a cidade chegaria ao seu limite em algumas décadas. Devido à sua geografia, muito plana, o município parecia ter apenas uma opção: transformar o estuário em aterro.
O estuário de Nagoya, onde Teruji fotografa pássaros, quase virou aterro sanitário
O prejuízo ambiental seria imenso, o que gerou uma série de protestos. Depois de 10 anos de acalorados debates, a prefeitura chegou à solução: preservar a área e reduzir a quantidade de lixo produzido. Iniciou-se uma verdadeira operação de guerra contra o desperdício. Mais de 2.300 reuniões foram realizadas pela prefeitura para explicar à comunidade como fazer a separação do lixo em casa. Fábricas de reciclagem de embalagens de papelão e plástico foram abertas e associações de moradores se organizaram para trabalhar e gerar renda a partir do reaproveitamento do lixo.
“No começo, a população reclamou muito, pois o sistema de coleta simplesmente não recolhia os sacos de lixo em que os materiais não estavam separados corretamente, deixando-os na frente das casas. Mas insistimos nas reuniões educativas e a comunidade se engajou”, conta Tetsuya Hayashi, encarregado do Escritório de Assuntos Ambientais. Resultado: de 1998 a 2009, o total de lixo tratado caiu de 997 mil para 633 mil toneladas. Ao mesmo tempo, o conjunto de material reaproveitado cresceu de 140 mil para 362 mil toneladas, no mesmo período.
Como Nagoya, diversas cidades japonesas estão empenhadas em se tornar ecologicamente mais eficientes. Em geral, suas estratégias incluem a participação ativa da população, por meio de campanhas e projetos educativos, a preservação de áreas ambientais, o investimento maciço em reciclagem e a adoção de novas formas de energia, como a eólica e a solar. As ações em nível local são apontadas pelo governo federal como uma peça-chave para que o país consiga, até 2020, reduzir em 25% as emissões de gases causadores do efeito estufa, em comparação aos índices de 1990. O compromisso foi assumido há pouco mais de um ano, durante assembleia da ONU, em Nova York.
Painéis solares
Depósito de peças metálicas que serão recicladas em Kawasaki: a cidade reduziu emissões de gás carbônico com amplo programa de reaproveitamento de materiais
Outra cidade que vem se destacando na construção de uma economia de baixo carbono é Yokohama, um dos 13 municípios do país a receber o certificado de cidade ambiental-modelo, concedido pelo primeiro-ministro, Naoto Kan, em 2008. O título é dado às localidades que apresentam um plano de ações com o objetivo de reduzir consideravelmente o gasto de energia e a poluição.
Yokohama planeja diminuir as emissões de carbono em 30% até 2025. As ações começaram pelo distrito de Minato Mirai 21, que, além de residências, reúne prédios corporativos e áreas comerciais, atraindo uma grande quantidade de pessoas diariamente. Ali está um dos símbolos da luta da cidade de 3,68 milhões de habitantes contra o aquecimento global: a esteira rolante de 232km de extensão movida a energia solar. Inaugurada em 1989, a esteira, que ajuda os pedestres a se locomoverem entre a estação de metrô do distrito e os prédios comerciais, era movida por energia elétrica até o ano passado, quando 1.773m² de painéis solares foram instalados em sua cobertura. Segundo a prefeitura, o projeto, de US$ 6,7 milhões, evitou que pouco mais de 27t de gás carbônico fossem lançados na atmosfera entre abril de 2009 e agosto de 2010.
O plano da cidade inclui também abastecer residências com painéis solares. A primeira etapa prevê que, no prazo de cinco anos, 4 mil casas recebam a tecnologia. Mais do que simplesmente instalar os equipamentos, a prefeitura está desenvolvendo com a ajuda de empresas como Toshiba, Nissan e Panasonic uma nova rede elétrica, que permitirá a transferência da energia gerada nas residências e não utilizada pelos moradores à rede central da cidade. “No futuro, as casas não serão apenas abastecidas de energia, mas ajudarão a abastecer o sistema”, explica Tetsuya Nakajima, diretor da Política para Mudanças Climáticas de Yokohama. Ele explica que um dos objetivos do governo local é, mais tarde, exportar essa tecnologia para outros países, incluindo os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China).
Menos poluição
De acordo com Nakajima, a população de seu país se mostra cada vez mais simpática a investimentos em tecnologias limpas, e que os governos municipais que investem em programas como o de redução das emissões de Yokohama começam a colher benefícios políticos, com maiores índices de apoio popular. Nesse sentido, uma das cidades japonesas que mais conseguiram transformar ações ambientais em motivo de orgulho de seus cidadão foi Kawasaki.
Um dos motores da economia japonesa nas décadas de 1960 e 1970, o município — que fica a apenas 18 minutos de trem de Tóquio — pagou o preço por possuir um dos mais robustos parques industriais do arquipélago asiático. Naquelas duas décadas, as autoridades de saúde chegaram a emitir 29 alertas sobre altas concentrações de dióxido de enxofre no ar em apenas um ano. A líder em poluição do país tornou-se então uma pioneira em leis e ações verdes. Em 1972, a nona maior cidade japonesa criou leis que limitavam o nível de poluição, o que forçou as companhias a adotarem tecnologias mais limpas. Com as medidas, a concentração de enxofre estava 60% menor em 1983, em relação a 1965. E foi mantida em níveis aceitáveis desde então.
Anos mais tarde, Kawasaki se viu diante de outro problema: assim como Nagoya, o lixo produzido ali estava excessivo, devido à alta produção industrial e ao crescimento populacional. Em 1990, o município declarou estado de emergência devido ao problema. Além de uma ampla campanha incentivando a reutilização de materiais, que permanece até hoje, foi elaborado um eficiente sistema de reciclagem, que originou, em 2007, o Plano Eco-Town (cidade ecológica).
O plano trata, na verdade, da constituição de uma área formada por indústrias de reciclagem criadas por grandes empresas. Hoje, seis fábricas de material reciclado funcionam no local, processando plástico, produtos eletrônicos usados, papel e garrafas PET. “São empresas que têm como matéria-prima os resíduos de outras empresas”, define Yohko Maki, diretora do Escritório de Sustentabilidade e Meio Ambiente. A companhia JFE investiu em três dessas unidades. Hoje, além de produzir aço, principal atividade do grupo, recicla peças de eletrônicos e fabrica pequenos pedaços plásticos que podem ser transformados nos mais variados produtos, até mesmo roupas. Além de beneficiar o meio ambiente, a cidade ecológica gera receita ao município, pois é o governo local quem recolhe a matéria-prima e a vende para as fábricas. Com todas essas ações, Kawasaki conseguiu, em 2007, uma redução de 10,1% nas emissões de gases do efeito estufa, em relação a 1990.
» O repórter viajou a convite do governo japonês
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