Flavia Bernardes
O conflito de água entre siderúrgicas e as comunidades das regiões onde querem se instalar é cada vez mais ocorrente. Aqui, Vale quer deslocar duas comunidades de Anchieta para construir a Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU). Na Índia, conforme publicado pelo jornal Valor Econômico, três comunidades de agricultores lutam contra a empresa Posco para manter suas terras.O motivo do conflito em ambas as partes é a localização de suas terras, privilegiadas pela água. No caso da Índia, são três comunidades que vivem em áreas irrigadas para a plantação de arroz. Já no sul do Espírito Santo, em Anchieta, a Vale cobiça as terras de duas comunidades, a Chapada do A (descendentes indígenas) e Monteiro, localizadas entre o rio Benevente e o mar.
Ao todo, a CSU/Vale quer construír uma siderúrgica na região com capacidade de produzir 5 milhões de toneladas/ano de ferro, e se antes a preocupação era os 9,7 milhões de toneladas/ano de CO² que ela irá emitir – em uma região que já atingiu os limites máximos de poluição permitidos por lei – a preocupação que impera na região é a de faltar água para a sociedade.
Só a CSU deverá captar 1,8 milhão de litros de água por hora do já exaurido rio Benevente e mais 4 milhões de litros de água do mar, também por hora, conforme alerta a Associação de Moradores de Jabaquara, bairro cortado pelo rio exatamente no ponto de onde a CSU pretende extrair água.
Neste contexto, a empresa, que já possui 20% de terras em Anchieta, pressiona as comunidade de Chapada do A, formada por descendentes indígenas - 90 % da comunidade declararam, em plebiscito, que não querem deixar suas terras – e de Monteiro a venderem suas terras ou trocá-las por terras em outras regiões menos privilegiadas.
Na Índia, o assédio não é diferente: a disputa por terras pela Posco atinge agricultores privilegiados pela água. Na região, os agricultores afirmaram que não admitiram que o governo ajude a empresa a pegar terras e água das respectivas comunidades.
Aqui, como na Índia, a estratégia para retirar as famílias de terras irrigáveis é a mesma. Para convencer as famílias da Comunidade do A, em Anchieta, a Vale chegou a enviar profissionais para influenciar os jovens da comunidade a convencer seus pais e avós a venderem suas terras. A medida gerou revolta e sofrimento na região após brigas familiares e o fato chegou a ser denunciado ao Conselho Estadual de Direitos Humanos.
Com o crescimento de 55% do mercado siderúrgico e a briga pela ponta na produção de aço no mundo, essa pressão deve aumentar. Enquanto a Vale briga aqui para construir sua siderúrgica e fechar o ciclo da cadeia produtora de aço em seu domínio, a Arcelor Mittal lidera com a Posco na Índia o investimento de US$ 80 bilhões para transformar o país no segundo maior produtor de aço no mundo, atrás apenas do Japão.
No Espírito Santo, a ArcelorMittal Tubarão tornou público, em 2008, que requereu ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) a outorga de direito de uso para captação esporádica de água na bacia do rio Santa Maria da Vitória, na Serra.
Já a Vale possui sete poços artesianos para captação da água a cerca de 160 metros de profundidade. Com o aumento de produção das usinas da empresa em 45%, aumentará o risco de esgotamento do aqüífero da Grande Vitória, segundo ambientalistas.
A informação é que a água captada pela empresa atualmente, através destes poços, é suficiente para atender 46,5 mil pessoas por mês (200 litros por dia).
Competição desigual
Na briga pela liderança neste mercado o obstáculo “água” é grande para as empresas, mas sobretudo para as sociedades afetadas.
A questão hídrica na região de Anchieta, por exemplo, foi uma das principais causas para o veto à chinesa Baosteel, que pretendia construir sua siderúrgica também em Ubu, em Anchieta, sul do Estado.
Na ocasião, a disponibilidade hídrica foi considerada insuficiente para atender à empresa, à sociedade e ao crescimento populacional previsto ao fim das obras.
Entretanto, o mesmo obstáculo não foi imposto à Vale, que conta com a receptividade do órgão ambiental para a realização do seu empreendimento, e apesar dos apelos da comunidade alertando sobre a indisponibilidade hídrica do rio Benevente, irá consumir o dobro de água captada do rio Benevente para o município de Guarapari, segundo o Grupo de Apoio ao Meio Ambiente (Gama), que vive próximo ao ponto de onde a siderúrgica pretende extrair a água do rio.
A reviravolta da postura do governo do Estado diante da proposta da Vale em construir em Anchieta intriga ambientalistas e revolta comunidades ribeirinhas e camponesas que vivem na região.
A instalação da CSU também comprometerá o manguezal e toda a sua biodiversidade associada. A previsão é que a biodiversidade, que depende de uma vazão razoável para sobreviver, também sofra com a falta de água.
Outro problema da captação da água da CSU é que o rio Benevente deságua no mar, justamente em Anchieta, e com o elevado consumo de água a cunha salina mudará sua dinâmica.
A alta demanda da indústria e o crescimento populacional podem levar o sistema hídrico da região a um colapso, segundo os ambientalistas.
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