admin
Os Guarani constituem a maior população indígena em área da Mata Atlântica. Cerca de 90% das 120 terras Guarani situadas nas regiões Sul e Sudeste estão localizadas em meio a esse bioma. Isso não é por acaso, o bioma é o local privilegiado para sua cosmologia e para a constituição do tekoa, conceito que diz respeito à realização do seu modo de ser. “Para nós, povo Guarani, é a natureza que foi preservada, nós entendemos que ela é um espaço muito importante para o povo Guarani. E também para o povo Guarani ela é bastante sagrada, ela precisa ser preservada. Nós entendemos que ela não é importante só para o povo Guarani, por isso ela deve ser preservada, não só pelo Guarani, mas pela sociedade branca, o próprio governo precisa fazer com que essas áreas não seja destruída”, relata Maurício da Silva Gonçalves, da aldeia Estiva, em Diamante (RS).
As principais causas do processo da destruição da Mata Atlântica – a expansão da fronteira agropecuária, os grandes empreendimentos de infraestrutura, o crescimento das cidades e a exploração não sustentável das florestas – são também as principais ameaças aos direitos territoriais dos Guarani. Não é coincidência que o Estado de Santa Catarina – segundo colocado entre os estados campeões em desmatamento no período de 2005 a 2008 segundo o “Atlas da Mata Atlântica” da Fundação SOS Mata Atlântica – é também uma das regiões onde as disputas envolvendo as terras Guarani são mais acirradas.
A destruição da mata e o confinamento em áreas diminutas também ameaça a seguridade alimentar dos Guarani que dependem dos recursos da floresta para garantir a sua subsistência. Além disso, os índios estão entre as populações mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas decorrentes do desmatamento da floresta e o aumento das emissões de gases do efeito estufa.
Os Guarani estão conscientes e preocupados com tal situação, como coloca Santiago Karaí Ryapua, líder Guarani da Aldeia Lomba do Pinheiro, localizada em Porto Alegre (RS). “Os mais velhos sentem muita falta, sempre no Rio Grande do Sul temos uma reunião de Guarani e sempre os pajés começam a falar como era antes e até hoje, é muito difícil não existe mais mato, espaço livre para nós poder fazer, sentir como Guarani, sentir como Mbya. Não tem mais condições hoje em dia. Por isso há muita dificuldade. Os mais velhos sempre fala, a mata é sagrada, que o nosso Nhanderu deixou para nós, para nós cuidar. Mas o branco não respeita e não conhece o valor que tem essa mata, o rio, ele não conhece, para nos Mbya é uma tristeza que a gente passa no dia-a-dia”, lamenta.
Proteção do meio ambiente e dos direitos indígenas: horizonte comum
Sérgio Macena, da aldeia Ribeirão Silveira (SP), conta que aguarda ansioso pela efetivação de uma Unidade de Conservação (UC) próxima à aldeia. “Sendo (a área) uma Unidade de Conservação é mais fácil para gente porque sabemos que não haverá mais desmatamento, é preciso que os órgãos responsáveis atuem e nos ajudem na conservação da mata, tão importante para a nossa sobrevivência”.
A aldeia onde Sérgio mora está localizada entre os municípios de Bertioga, São Sebastião e Salesópolis. A unidade de conservação que se pretende criar tem mais de 8 mil hectares e fica no trecho mais preservado de Mata Atlântica no litoral paulista. A área de planície, que faz conexão com o Parque Estadual da Serra do Mar, abriga rica diversidade de ambientes: dunas, praias, rios, florestas, mangues e uma variada vegetação de restinga, nos quais vivem animais raros e ameaçados de extinção, de acordo com a Organização Não-Governamental (Ong) WWF-Brasil.
O “Diagnóstico Socioambiental para Criação de Unidades de Conservação Polígono Bertioga”, encomendado pela WWF-Brasil para embasar a etapa de consultas públicas, reconhece a importância da presença dos Guarani: “As Terras Indígenas (TI) do Povo Guarani, aldeia do Ribeirão Silveira, cumpre importante papel na manutenção da cultura local e do uso diferenciado do território”. O mesmo documento aponta que “embora esta população tenha suas terras demarcadas e vivam da agricultura de subsistência são enormes as dificuldades por eles encontradas, pois, entre outros pontos críticos, as áreas oficiais que foram demarcadas como Território Indígena não têm grande valor para a prática da agricultura tradicional. Em vista disso, eles hoje ocupam uma área particular, e lutam há vários anos na justiça pela remarcação e ampliação dos limites de seu território”.
Para Sérgio a área onde vivem continuará preservada, se os direitos ambientais e territoriais forem respeitados. “Nossa área vai continuar preservada porque, hoje no Brasil a gente vê, onde existe comunidade indígena, tem preservação da mata centenária e original. Nós temos uma educação de desde que Deus criou a gente, sempre respeitamos a natureza, porque a natureza é tudo. Mas tem muito hotel e condomínio de luxo perto da gente e temos que ficar de olho para nada mais ser construído”, alerta.
A proteção do meio ambiente e a dos direitos territoriais indígenas, além de terem sido consagrados na Constituição Federal, possuem um horizonte comum. Na opinião de Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo, a demarcação das terras indígenas deveria ser percebida como uma estratégia de proteção da Mata Atlântica complementar à criação e consolidação das unidades de conservação e ao fortalecimento do arcabouço legal que protege a vegetação nativa.
Nessa perspectiva, lembramos as diversas situações, em que os Guarani, ao defenderem seus direitos, contribuíram para impedir danos ao bioma. É possível encontrar uma série de exemplos de casos em que a presença dos Guarani em determinada área impediu o desenvolvimento de projetos que acarretariam sérios impactos ambientais. Esse foi o caso dos índios da Aldeia Rio Branco, de Itanhaém (SP) que conseguiram na década de 1990 o adiamento por tempo indeterminado das barragens nos rios Capivari e Monos. Os Guarani também participam da campanha que busca impedir a construção da Hidroelétrica de Tijuco Alto no Rio Ribeira de Iguapé, na região do Vale do Ribeira (SP). Exemplo mais recente (2008) foram os esforços para impedir a do complexo portuário Porto Brasil, da empresa LLX, no município de Peruíbe, litoral sul de São Paulo, que afetaria a TI Piaçaguera.
Terras ameaçadas
A maior dificuldade dos Guarani se encontra justamente no fato de não terem suas terras reconhecidas e homologadas, como garante a Constituição Federal. Esse é o caso das terras de Santigo Karaí Ryapua, que vive com 27 famílias em uma área de 10 hectares não regularizada em Porto Alegre (RS), e de muitos outros Guarani.
O estudo “Terras Guarani no Sul e Sudeste”, elaborado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, revela que 80% dos territórios Guarani localizados no Sul e no Sudeste ainda não foram regularizados ou se encontram regularizados com pendências. Apenas 32 TIs encontram-se homologadas.
Os dados não deixam dúvidas: do total de 74 Terras Indígenas (TIs) homologadas pelo governo federal do início de 2003 até outubro de 2009, apenas três contemplam o povo Guarani. O número inexpressivo de terras contrasta com o número de pessoas que compõem essa que é uma das maiores populações indígenas do país: 55 mil 302 índios de acordo com a Funasa.
A incapacidade do governo em garantir as demarcações e as disputas envolvendo as terras Guarani e geram uma situação de insegurança que ameaça a sustentabilidade física e cultural desse povo e o coloca em situação de extrema vulnerabilidade.
* Colaboração de Bianca Pyl para o EcoDebate, 26/05/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário