[O Estado de S.Paulo] Por mais que se queira deixar de lado o tema, não se consegue. O agravamento quase diário dos “eventos climáticos extremos” e o impasse na área das negociações internacionais exigem que se volte à questão.
Vive-se um momento crítico, às vésperas de mais uma reunião preparatória (começo de abril, em Bonn, na Alemanha) da próxima assembleia da Convenção do Clima, esta programada para dezembro, no México. Cientistas de 27 países, que durante 15 meses se revezaram em expedições ao Ártico, informam que as previsões pessimistas para degelo até 2100 podem acontecer entre 2013 e 2030. A Organização Meteorológica Mundial avalia que os furacões, até o fim do século, serão menos frequentes, porém mais intensos (O Globo, 23/2). E o Sul-Sudeste e o Centro-Oeste brasileiros continuam às voltas com inundações frequentes, deslizamentos e mortes.
Mesmo com tudo isso, não se consegue avançar nas negociações. As comunicações feitas até o fim de janeiro à convenção pelos países, sobre suas metas (não compromissos) de redução de emissões, deixam claro que não se chegará à redução global mínima para impedir que a temperatura planetária suba mais do que 2 graus, o que terá consequências muito graves. O embaixador chinês na convenção, Yu Qingtai, já deixou claro (Reuters, 25/2) que não será possível superar, este ano, as divergências entre os países industrializados, a China e os demais membros do bloco de emergentes (Índia, Brasil, África do Sul), juntando-se à opinião do secretário-geral da convenção, Yvo de Bôer, que, para complicar ainda mais as coisas, anunciou que em julho renunciará ao cargo e que não vê possibilidade de acordo antes de dois anos.
Quando se olha para os EUA, vê-se que o presidente Obama, para conseguir apoio do Congresso à sua política do clima, contraditoriamente assegura que permitirá mais explorações de petróleo e de gás no fundo do mar. E a Agência de Proteção Ambiental garante que ali só grandes fontes de emissões sofrerão limitações antes de 2013. As fontes menores, só em 2016. Enquanto isso, avançam os prejuízos. As 3 mil maiores empresas do mundo geram custo de US$ 2,2 bilhões anuais com problemas ambientais, diz o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). E o renomado consultor britânico para a área do clima Sir Nicholas Stern revê de novo seus cálculos e diz que enfrentar os problemas na área terá um custo anual de 2% do produto bruto mundial (US$ 1,2 trilhão), e não de 1%, como calculara.
Já a Agência Internacional de Energia (AIE) adverte que, sem acordo, as emissões de carbono tenderão a se elevar em 40% até 2030, porque a demanda por energia crescerá muito com a Índia tentando prover 400 milhões de pessoas que não têm energia – e fará isso recorrendo ao carvão -, enquanto a China urbanizará mais de 100 milhões de pessoas e ainda utilizará muito carvão. Com tudo isso, diz a AIE, a demanda mundial por petróleo continuará a subir (para 100 milhões de barris/dia) e o carvão passará de 42% para 44% do total.
Nessas condições, reacende-se a discussão que vem desde a Cúpula do Desenvolvimento Sustentável, em 2002, em Johannesburgo: como superar o problema, se a Convenção do Clima exige consenso para qualquer decisão e este parece inalcançável, com as divergências entre países industrializados, emergentes, G-77, países insulares e nações mais pobres? Naquele momento, chegou-se a pensar na criação de uma Organização Mundial do Meio Ambiente, mas concluiu-se que ela enfrentaria os mesmos problemas da ONU. Agora, numa reunião em Bali, ministros de meio ambiente de 135 países decidiram (Reuters, 26/2) retomar esse tema e promover novos estudos, tomando como base o formato da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Há quem pense que “só o mercado resolverá”. Mas com que regras, que ninguém consegue explicitar, pois as divergências entre empresas não serão diferentes das que opõem países? Há quem creia num caminho baseado em acordos bilaterais ou multilaterais entre governos, mas o que se fará com as emissões dos que ficarem de fora? E ainda que se consigam acordos, como estendê-los a cada empresa e a cada pessoa? Se o caminho for a criação de uma taxa sobre as emissões de carbono, ela será paga no país da produção ou do consumo (os EUA consomem 35% da produção industrial chinesa e os países ricos detêm 80% do consumo total no mundo)?
Talvez a chave possa estar nas mãos do Brasil. Em 1997, quando se negociou o Protocolo de Kyoto, o Brasil apresentou proposta de que a contribuição de cada país para a redução de emissões deveria tomar por base suas emissões históricas e as emissões atuais. Considerados os dois números, verifica-se a que porcentagem dos gases poluentes acumulados na atmosfera (onde permanecem séculos) essas cifras correspondem. Em seguida calcula-se em quanto essas emissões totais de um país respondem pelo aumento da temperatura planetária. Obtido esse número, ele deve ser transformado na porcentagem das emissões globais que caberá a cada país reduzir. Essa proposta brasileira foi aprovada, em princípio, com a recomendação de ser submetida a estudos mais aprofundados. Mas nada aconteceu desde então.
Mas pode ser o único caminho justo que leve todos os países a um acordo, porque cada um responderá pelo que fez e faz, proporcionalmente ao todo. E se poderá escapar ao poço sem fundo da discussão entre países industrializados e os demais, em que um lado argumenta com a responsabilidade de quem emitiu mais ao longo do tempo (industrializados) ou emite mais hoje (emergentes, principalmente). Mas, para avançar por esse caminho, o Brasil precisará superar a limitação que tem no âmbito da política externa, de manter em qualquer circunstância uma posição conjunta com o G-77 ou os outros emergentes.
Mas é uma oportunidade histórica e decisiva. Não se deve nem se pode perdê-la.
Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.
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