Por Alex Sander Alcântara
Agência Fapesp – “O cientista deveria ser um grande contador de histórias, para levar informação científica à sociedade de modo que todos, mas especialmente os jovens, descubram o mundo da natureza”, disse o ambientalista americano Thomas Lovejoy, presidente do Heinz Center for Science, Economics and Environment e consultor do Banco Mundial para sustentabilidade, no sábado (22/5), durante palestra em comemoração ao dia Internacional da Biodiversidade.
A afirmação de Lovejoy – que criou o termo "diversidade biológica" – referia-se ao papel do cientista na tarefa de construção de uma “consciência pública” para reverter o processo de perda de biodiversidade. “Precisamos reverter esse processo. Para isso, a decisão passa por todas as instâncias do poder, mas passa também pelo envolvimento de toda a sociedade”, disse à Agência FAPESP.
O evento, realizado no Palácio dos Bandeirantes, teve a presença do presidente da FAPESP, Celso Lafer, representando o governador Alberto Goldman, e foi organizado pelo Programa Biota-FAPESP como parte das atividades do Ano Internacional da Biodiversidade, declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Lovejoy destacou pontos importantes do Terceiro Panorama da Biodiversidade Global (Global Biodiversity Outlook - GB3), recém-lançada publicação da Convenção sobre a Biodiversidade Biológica (CBD) da ONU.
O documento é baseado em cerca de 500 trabalhos científicos e em relatórios nacionais e cruza dados de outros relatórios, como o Living Planet Index e o Red List Index.
A conclusão mais categórica do panorama ressalta que a meta de redução da perda da biodiversidade para 2010 não foi alcançada em nível mundial. As populações de espécies de vertebrados reduziram-se em quase um terço, em média, entre 1970 e 2006, e continuam caindo globalmente, de forma mais severa nos trópicos e entre espécies de água doce.
Lovejoy, que foi chefe responsável pela revisão do documento, apresentou o quadro atual da biodiversidade e focou em alguns pontos específicos do panorama, em especial no caso da Amazônia, que ele pesquisa há mais de quatro décadas.
"Os cenários apresentados não são animadores, mas, apesar de as metas não terem sido cumpridas, é preciso manter o otimismo. Os resultados são uma oportunidade para melhorar e criar soluções e buscar novas formas de explorar a biodiversidade de forma sustentável”, disse.
O relatório aponta que das 11 metas acordadas por governos de todo mundo em 2002 nenhuma foi alcançada globalmente, apesar de em algumas ter havido pequenos avanços, como a situação das espécies ameaçadas, classificada como “algum progresso”, e a redução da poluição e de seus impactos sobre biodiversidade, que figura no texto como “progresso significativo”.
No entanto, o consumo não sustentável aumentou e continua a ser uma grande causa da perda da biodiversidade. Além disso, muitos recursos biológicos que sustentam meios de subsistência, como peixes, mamíferos, aves, anfíbios e plantas medicinais, estão em declínio, afetando as populações mais pobres.
De outro lado, existem dados um pouco mais animadores. Segundo o panorama, de 1970 a 2006 as áreas de proteção terrestres no mundo aumentaram de 4 milhões para 14 milhões de quilômetros quadrados. Houve também um aumento nas áreas marinhas protegidas.
“Contudo, a meta a ser atingida em 2010 era que pelo menos 10% de cada região biologicamente relevante no mundo deveria estar dentro de uma área protegida”, disse Lovejoy. Segundo o relatório, 44% das ecorregiões terrestres (zonas com uma grande proporção de espécies e tipos de habitats partilhados) e 82% das ecorregiões marinhas se encontram abaixo do objetivo de 10%.
Savazinação da Amazônia
O Terceiro Panorama da Biodiversidade Global considera que as cinco principais pressões que estão causando diretamente a perda da biodiversidade são alterações nos habitats, sobreexploração, poluição, espécies exóticas invasivas e alterações climáticas.
As previsões climáticas há cerca de seis anos mostravam uma projeção de aumento de cerca 1,5º C da temperatura na atmosfera. Ao indicar o movimento da massa de umidade no planeta mostrando a Amazônia, Lovejoy disse que se o aumento da temperatura global não ficar abaixo dos 2º C haverá um "deslocamento de umidade", que alteraria o ciclo da chuvas na América do Sul e aceleraria o processo de “savanização da Amazônia”.
“A soja na região pantaneira é beneficiada pelas chuvas que são geradas na região Amazônica. Mudar esse ciclo seria um desastre porque mexeria com a estabilidade climática desses ecossistemas na grande maioria dos ambientes sul-americanos”, destacou.
Apesar de ainda ser considerada uma área crítica – se no futuro forem mantidas as condições atuais de aumento de temperatura e acúmulo de gases estufa na atmosfera – o relatório indica que o número de áreas de reserva na Amazônia cresceu. Mas outro dado contrastante é que, apesar da taxa de desmatamento da floresta ser positiva – caiu 74% de 2003 a 2009 – a projeção futura aponta que o desmatamento chegará a mais de 20% da área da floresta original
A maioria dos ecossistemas terrestres e aquáticos também está se tornando cada vez mais fragmentada. De acordo com o panorama, se a situação atual não mudar, no futuro mais de metade dos habitats marinhos não serão propícios para a formação dos corais.
“Os sistemas de corais são hipersensíveis. O aumento na temperatura do mar influenciará na relação entre os corais e as algas marinhas. Além disso, o aumento da acidez nos oceanos, que parece imperceptível para as pessoas, está longe de ser imperceptível para os organismos marinhos”, disse Lovejoy.
O ambientalista afirma ainda que se a temperatura média global ultrapassar os 2º C e as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera alcançarem as 450 partes por milhão (ppm), os ecossistemas marinhos não sobreviverão. “Precisamos reverter essa situação e manter a concentração de dióxido de carbono em 350 ppm, ainda menor do que a taxa atual, que beira os 390 ppm", disse.
O Terceiro Panorama da Biodiversidade Global será apresentado na Conferência das Partes na Convenção, que será realizada em outubro de 2010, em Nagoya (Japão). O objetivo é que o documento se torna a base da análise do plano estratégico para a próxima década da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Modelo exemplar
Lovejoy destacou ainda a imporância do prorama Biota-FAPESP como um exemplo a ser seguido. “O Biota merece ser replicado e espalhado por todo o mundo. É um modelo notável para gerir programas de recursos biológicos”, disse.
Para Celso Lafer, presidente da Fundação, o Biota é um programa que orgulha qualquer dirigente de uma instituição de pesquisa como a FAPESP. “O programa é moderno do ponto de vista do trabalho de pesquisa. Ele constrói redes, une pesquisadores e permite que as sinergias das nossas universidades possam estar em marcha para o avanço do conhecimento”, destacou.
De acordo com Carlos Alfredo Joly, coordenador geral do Biota-FAPESP e professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em dez anos o programa já catalogou cerca de 2 mil novas espécies no Estado de São Paulo.
“Mas, na segunda fase do programa, no plano estratégico para os próximos dez anos, nosso desafio é conseguir também uma inserção internacional mais forte. Temos participado de diversos fóruns no exterior e feito parcerias com esse objetivo”, disse.
Outro desafio, aponta, é tornar o conhecimento científico produzido pelos integrantes do Biota-FAPESP mais próximo da população, em particular de jovens do ensino fundamental e médio. “Por isso, nessa segunda fase do Biora, vamos levar o conhecimento do programa a esses alunos”, afirmou.
Mais informação sobre o relatório: http://gbo3.cbd.int
Biota-FAPESP: www.biota.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário