Marsílea Gombata
06 de junho de 2010 • 08h17 Militante da causa ambientalista da pré-candidata à presidência da República Marina Silva (PV), o teólogo e escritor Leonardo Boff tenta relevar as alianças dos verdes com partidos que, aparentemente, vão em sentido contrário - como PSDB e DEM - e rebate: "Partidos pouco contam no Brasil, porque não são ideológicos e com história. São agremiações ao redor de certos interesses". Em entrevista ao Terra, Boff disse por que o Brasil deveria escolher a proposta de desenvolvimento sustentável nessas eleições, ancorada na candidata que vê como "um Lula melhorado". "Marina vem das mesmas raízes, tem os mesmos sonhos de resgate dos destituídos e esquecidos de nossa história, mas com uma abertura que Lula não tem que é a questão do futuro da humanidade e da Terra ameaçados".
O teólogo acredita ainda que a desvantagem da candidata verde em relação ao tucano José Serra e a petista Dilma Rousseff pode surpreender quem aposta nas pesquisas em que Marina está empacada em terceiro lugar com 12% das intenções de voto. "Quem diria que um negro nascido fora dos Estados Unidos viesse a ser presidente do país mais poderoso do mundo? Quem diria que um sobrevivente da grande tribulação brasileira chegasse a ser presidente do Brasil? (...) Lembremos da Colômbia. Mockus, candidato verde, começou com 2% e foi para o segundo turno".
Terra - Por que Marina Silva é a sua opção para essas eleições?
Leonardo Boff - Precisamos de políticos despertos para a nova situação que a humanidade e o planeta estão vivendo, situação que envolve grandes riscos mas também incríveis oportunidades. Desta vez não podemos nos atrasar nem errar, caso contrário, poderemos ir ao encontro do pior. Não basta pensarmos só no Brasil. Temos que articular Brasil com a Terra, em função do cuidado para com a vida e da proteção para com a mãe Terra. Marina está talhada para essa missão. Aqui política significa bem aquilo o que Gandhi definia: política como gesto amoroso para com o povo e cuidado para com a vida. Marina saberá cumprir com essa missão.
Terra - A agenda da senadora fica bastante em torno da agenda ambiental. Não precisaríamos de propostas mais concretas em relação a educação e saúde, por exemplo?
Boff- A agenda ambiental é de primeira ordem, porque sem ela as demais agendas não têm onde se sustentar. Só com uma natureza preservada e uma vida salvaguardada faz sentido falarmos em justiça a partir das vítimas, educação para a nova "cosmovisão" e saúde para as pessoas. Se entendermos bem o ambiental, não como meio ambiente, mas como ambiente inteiro, está lá tudo incluído. Mas a Marina deverá detalhar as questões. Precisamos de uma ecologia social que equilibre a justiça social com a justiça ecológica. Quer dizer, que as pessoas tenham uma vida minimamente digna em termos de salário, saúde, educação, segurança e cultura (justiça social), mas habitando regiões sem risco, com ar puro, água potável, alimentos com menos química, com um chão não envenenado e uma relação de respeito com cada ser. O que Marina deve garantir é o que a "Carta da Terra" propõe como propósito de toda atividade humana e das políticas públicas: um modo sustentável de viver numa Terra sustentável.
Terra - Como vê as alianças feitas pelo PV nos Estados brasileiros? Seguindo suas diretrizes, o PV não deveria tentar manter distância de partidos como DEM e PSDB? Como será isso em termos de governabilidade?
Boff - Os partidos pouco contam no Brasil, porque não são partidos ideológicos e com história. São agremiações ao redor de certos interesses mais ou menos ligados aos interesses gerais do país. Eu não daria muita importância aos partidos. Mas como são os únicos condutos que temos para elegermos alguém, fazem-se imprescindíveis. O que se pode é cobrar certa convergência em questões tidas como definidoras do projeto de Marina Silva e ser flexíveis em questões discutíveis. O importante é cuidar da densidade ética dos candidatos e de sua capacidade de crescer em responsabilidade face aos desafios que enfrentaremos coletivamente.
Terra - Como o Brasil pode aliar sustentabilidade e crescimento?
Boff - Se seguir o modelo capitalista de crescimento que supõe a dominação da natureza e a acumulação ilimitada de benefícios materiais, não é possível compatibilizá-lo com sustentabilidade. Por isso deve-se descolar sustentabilidade de desenvolvimento. Sustentabilidade não é algo adjetivo que posso colar aos processos. É algo substantivo, um novo paradigma: tudo aquilo que permite os seres vivos, as instituições e a vida humana se manter, se reproduzir e continuamente melhorar. Então importa garantir a sustentabilidade da Terra, de cada ecossistema, das distintas sociedades, das comunidades e de cada pessoa individualmente. Para alcançar tal objetivo devemos deslocar o acento da globalização para o biorregionalismo. Cada região ou ecossistema possui seus recursos, seu potencial, seus limites, sua história, sua cultura, sua população. No nível regional é muito mais fácil conseguir um modo de vida sustentável e um desenvolvimento que atenda às demandas dos que vivem em determinada região.
Terra - Pesquisas indicam desvantagem para Marina, um quadro que dificilmente será revertido. O que muda na consciência do país o simples fato de Marina concorrer?
Boff - Eu trabalho com a lógica do universo que conhece emergências, suscita o imponderável e prepara surpresas. Quem diria que um negro nascido fora dos Estados Unidos viesse a ser presidente do país mais poderoso do mundo? Quem diria que um sobrevivente da grande tribulação brasileira chegaria a ser presidente do Brasil? Devemos estar abertos a esses imponderáveis. Pode bem ser que o povo se canse das disputas entre o velho e o antigo, entre PSDB e PT, e venha tentar outra coisa. Marina é um Lula melhorado: vem das mesmas raízes, tem os mesmos sonhos de resgate dos destituídos e esquecidos de nossa história, mas com uma abertura que Lula não tem que é a questão do futuro da humanidade e da Terra ameaçados. Mesmo que essa emergência se protele para um outro momento da história - e ela virá como imperativo da própria evolução - a candidatura de Marina valeu a pena: colocou no centro a questão da ecologia em suas diferentes realizações, no ambiental, no social, no mental e no integral, incluindo uma visão ética e espiritual da política e do mundo. Como nossa alma não é pequena, tudo com Marina vale a pena, para recordar Fernando Pessoa.
Terra - O senhor poderia comentar a frase de um artigo de sua autoria: "Marina Silva dispensará os marqueteiros, e entrarão em campanha os seguidores de Paulo Freire"?
Boff - Creio que sempre haverá marqueteiros, pois pertencem ao ritual de nossas campanhas. Mas o decisivo em Marina são os meios alternativos: primeiramente as pessoas que acreditam na Terra e na humanidade, e depositam sua confiança em Marina, depois as conversas e os argumentos dos que estão convencidos conquistando familiares e amigos. Há o rádio e a TV que têm dimensões multitudinárias. A internet, os blog, o twitter e as comunidades eletrônicas poderão significar uma avalanche que ninguém mais pode conter. Lembremo-nos da Colômbia. Mockus, candidato verde, começou com 2% e foi para o segundo turno. Marina Silva representa o que deve ser. E o que deve ser tem força.
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