Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

O mapa para a sustentabilidade >>> Instituto Ethos-Envolverde

O Instituto Ethos assume o desafio de transformar, em uma década, a relação das empresas com a sustentabilidade. A hora dos conceitos passou; agora é fazer, diz Paulo Itacarambi.
Por Dal Marcondes (Envolverde)

Uma das principais balizas para empresas que buscam uma relação mais ética e responsável com a sociedade, o Instituto Ethos mostrou, na Conferência Internacional Ethos 2010, realizada em maio, uma grande capacidade de inovação. As conversas pelos corredores e nas salas de debates mostraram que empresas e profissionais que têm a sustentabilidade como ofício não querem mais diagnósticos. Esse tempo já passou; a maior parte das indagações agora são no sentido de “como fazer”. Empresas e organizações do terceiro setor empresarial estão trabalhando para incorporar os conceitos desenvolvidos na última década e plantando as sementes da nova economia.

Baixada a poeira da correria que envolve eventos da magnitude dessa conferência, a Envolverde conversou com o vice-presidente executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, para uma avaliação de expectativas e resultados. Mas principalmente para falar do futuro. Paulo passou um tempo afastado das tarefas cotidianas do Ethos para desenhar o futuro da atuação da organização. Para ele, o modelo que trouxe o Ethos até aqui não é o mesmo que vai fazer a transição para a operacionalização da sustentabilidade. Será necessário criar formatos de transferência de conhecimentos na cadeia de valor das empresas de forma a construir as bases de uma economia mais colaborativa, com relações sistêmicas e operando em rede.

A conferência deste ano mostrou que a integração de conhecimentos e a interação de objetivos é um caminho sem volta em direção a uma governança focada no desenvolvimento de relações econômicas baseadas no respeito ambiental, na responsabilidade social e na remuneração justa do capital e do trabalho. E isso requer inovação no modo de olhar e de trabalhar.

Dal Marcondes: A Conferência Internacional Ethos 2010 foi surpreendente em vários aspectos. Qual é seu olhar sobre ela?

Paulo Itacarambi: De fato, esta edição da conferência superou as expectativas em termos de público, presença e conteúdo. Tudo fluiu muito bem e havia uma sinergia entre as pessoas, resultado de um esforço coletivo da equipe do Ethos, da diretoria, dos parceiros e de empresas próximas que querem dar o passo seguinte. A conferência deste ano tinha esse simbolismo, de uma mudança de trajetória.

DM: Nas edições anteriores da conferência, falava-se muito em “por que fazer”. Este ano a pergunta foi “como fazer”. Era essa a intenção?

PI: Esta foi a conferência das perguntas, mais do que das respostas. Os questionamentos foram profundos. A realidade impõe a necessidade de mudanças e, no entanto, os principais agentes econômicos, incluindo as empresas e governos, continuam do mesmo jeito. A mudança real é muito pequena. E o que é preciso fazer para mudar? O que eu tenho de fazer para que a empresa compre de vez essa história? O que eu tenho de fazer para que a economia coloque o desenvolvimento sustentável no centro das decisões econômicas, seja das empresas, seja do governo e suas políticas macroeconômicas? O Ethos também vai agir para que de fato a sustentabilidade e a responsabilidade social estejam no centro das decisões e sejam estratégicas no processo de desenvolvimento do Brasil.

DM: Foi surpreendente a presença do presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli de Azevedo, que pareceu buscar convergências.

PI: As pessoas que estão no movimento de responsabilidade social e sustentabilidade têm uma pergunta clara: a exploração do pré-sal vai contribuir para o desenvolvimento sustentável do Brasil ou será um problema? Entendemos que uma das questões a serem resolvidas em favor do desenvolvimento sustentável é que o país não pode ter combustíveis fósseis como fonte energética preponderante. O bom do debate é que ele foi colocado nesses termos, e a pré-disposição da Petrobras e do Gabrielli em participar foi excelente.

DM: Houve um ganho?

PI: Penso que houve um ganho para todo mundo, porque só vamos encontrar maneiras de o pré-sal realmente contribuir para o desenvolvimento sustentável do país se fizermos uma profunda reflexão em torno do tema. Se a coisa for feita no automático, isso pode não ocorrer. O debate com o presidente da Petrobras tinha essa preocupação e foi construído com esse objetivo, tanto do lado da Petrobras quanto do lado do Ethos. Tivemos esse cuidado para que a discussão possa continuar, sobretudo em relação ao uso dos recursos que serão originados do Pré-sal. Ou seja, é preciso definir o melhor uso desses recursos em favor do desenvolvimento sustentável do Brasil.

DM: E esse é um debate nacional.

PI: Sim. E existe a possibilidade de o Ethos e a Petrobras andarem juntos na promoção dessa discussão. Não significa que vamos defender as mesmas posições, mas estaremos juntos provocando esse debate em benefício do desenvolvimento sustentável.

DM: Nesta edição da conferência, a participação do público foi muito intensa. O modelo do evento será mantido como sempre foi?

PI: Nossa conferência tem cumprido vários papéis. Existe um processo de troca, de disseminação de conhecimento, mas também outro processo, que é o de construção de uma agenda, de negociação sobre o que fazer dali para a frente, uma agenda para todas as organizações, para as empresas, para o Ethos, para quem participa. A conferência é um momento em que essa agenda se abre, mistura diversas coisas e tem o papel de aprofundar determinados temas, encontrar caminhos, provocar a reflexão. Tivemos palestrantes excelentes, mas apenas uma hora com essas pessoas é muito pouco. A pessoa viaja quase um dia inteiro e fica só uma hora conversando. Temos de aproveitar melhor esses conhecimentos, para que essa reflexão seja mais profunda.

DM: Nos últimos meses você se dedicou a planejar os próximos dez anos do Instituto Ethos. O que podemos esperar?

PI: De fato, do final de 2008 até o ano passado, eu fiquei fora da linha de frente do Ethos. Nesse período, estive mais na retaguarda, fazendo um desenho desse projeto. Conversei com mais de 50 pessoas individualmente. Tivemos muitas reflexões com a equipe interna do Ethos, com o Conselho, com cada conselheiro em particular, com parceiros do Ethos... Durante a conferência do ano passado, fizemos uma reflexão com todos os participantes sobre os próximos dez anos do Ethos. Teve um momento em que havia 800 pessoas discutindo o caminho que o Ethos estava tomando, as diversas propostas. A partir disso, formulamos o projeto que agora estamos começando a implementar. Havia, inclusive, o objetivo de lançá-lo nesta conferência, mas isso não foi feito porque ainda estamos construindo o apoio institucional e preferimos adiar o lançamento para agosto.

De qualquer maneira, esta conferência deu a partida para um novo momento do Ethos, sinalizando mudanças. O caminho do Ethos mudou, embora a missão permaneça a mesma. A partir de agora, vamos provocar outras organizações para trabalharmos juntos. O Ethos definiu como sua principal tarefa promover a convergência das diversas iniciativas que já estão por aí. Há muitas iniciativas no campo empresarial, no campo das organizações públicas, no campo das organizações da sociedade civil. O que falta é um projeto nacional que faça com que essas iniciativas ganhem densidade e convirjam para um projeto nacional, de maneira que o desenvolvimento sustentável possa estar no centro das decisões políticas e econômicas. Vamos trabalhar para isso neste próximo período.


DM: Qual é a visão de Brasil que o Ethos tem para os próximos dez anos?

PI: Temos resumido isso da seguinte forma: o Brasil pode e deve ter uma economia que seja ao mesmo tempo inclusiva, verde e responsável. Uma economia que nos leve a uma sociedade justa e sustentável. Isso significa adotar um processo econômico que caminhe para reduzir as desigualdades, eliminar a pobreza, tornar as atividades produtivas das comunidades parte do processo econômico, e não marginalizadas. Ou seja, as atividades desenvolvidas na base da pirâmide devem ser incluídas no processo econômico. É preciso considerar também a dimensão ética da ação, partir do respeito ao outro e buscar respeitar todos os seres vivos. Desse modo, a gente estabelece um outro patamar de relação ética, que deve estar no mercado.

DM: As empresas estão preparadas para isso?

PI: Com essa visão mais ampla, dá para perceber que, à medida que as pessoas compram a ideia de que dá para satisfazer o interesse privado e contribuir com o interesse público ao mesmo tempo, as coisas começam a mudar. Acho que estamos assistindo a um processo em que as pessoas estão comprando essa ideia. No entanto, a empresa, enquanto instituição, está com dificuldades para operacionalizá-la. Ela precisa de mudanças maiores. É necessário que essa ideia seja encampada também pelos seus conselhos gestores e pelos seus investidores, que têm de perceber o valor de longo prazo de uma economia ética e sustentável.

DM: Estamos realmente caminhando nessa direção?

PI: As empresas falam superficialmente que o caminho é o da sustentabilidade. Agora, transformar isso em ações concretas, pesquisas, novas tecnologias, novos processos, isto é, correr o risco do novo, é difícil para a maior parte dos executivos. Nem todos estão dispostos a assumir esse risco.

DM: Muitas empresas que atuam no Brasil são transnacionais. Como criar uma sinergia no cenário internacional tendo como objetivo a sustentabilidade?

PI: As questões da sustentabilidade são globais. Nós estamos tratando de clima, de biodiversidade, de ética no mercado, de eliminação da pobreza, de redução das desigualdades etc. Não são questões apenas brasileiras. Os agentes econômicos devem se conscientizar de que, ao tomar uma decisão, ao realizar uma atividade, é necessário avaliar os diversos impactos que podem se originar disso. O padrão de atuação das empresas tem de ser único, tem de ser o mesmo no Brasil, no Paraguai, na África, na Alemanha ou nos EUA. E temos de trabalhar sempre pelo padrão mais alto. Não se pode dilapidar o capital humano, o capital social, o patrimônio natural de um país para ter um acúmulo no capital financeiro apenas porque as regras daquele país permitem que isso ocorra. Ao agir assim, a empresa, está sendo competitiva, mas em prejuízo da sociedade daquele país. Temos de fazer a competição com regras, com padrões estabelecidos. A competição deve ocorrer pela competência em organizar bem o trabalho, em escolher adequadamente o negócio, em desenvolver tecnologias apropriadas, e pela capacidade de negociação. Aí sim, a competição vai se dar em bases igualitárias, por um padrão global, por regras globais que interessam a todos. É nisso que temos de chegar.

DM: O que muda nos próximos dez anos, de acordo com o projeto que será apresentado?

PI: É importante lembrar que o trabalho que estamos realizando é parte de um processo de liderança compartilhada com Oded Grajew, que assumiu a presidência do Ethos, e com o Conselho do Ethos. Há mudanças sim, em todos os níveis de trabalho do instituto. Em primeiro lugar, tem a mudança de visão, com novos projetos. Vamos também mudar nossas relações com o Conselho Internacional, promovendo uma ação mais integrada com as organizações parceiras em todo o mundo. Vamos apresentar novos desafios a parceiros antigos e precisamos atrair novos parceiros. Internamente, estamos redesenhando a organização do trabalho para melhor atender o Plano Ethos 10 Anos. É preciso ver como aproveitar as competências existentes e reorganizar a equipe para haver maior efetividade. Vamos mudar nosso modelo de financiamento e o relacionamento com nossos associados, estabelecendo um padrão mais elevado, pelo qual o associado se torna um agente pró-ativo das mudanças que estamos discutindo.

DM: Isso significa que o associado terá de assumir um papel mais protagonista?

PI: É o que queremos: construir uma forma de trabalho conjunto que possa gerar a percepção de que os associados do Ethos são organizações que querem atuar de verdade, participar do movimento. Se elas estão lá, é porque estão fazendo algo, e isso muda tudo. O que significa que quem não está fazendo nada não irá permanecer no Ethos. Nós acreditamos que todos os associados do Ethos vão dar esse passo, do querer fazer para fazer de fato. E não haverá uma regra sobre estar fazendo mais ou menos. É estar fazendo, cada um aquilo que consegue fazer.


DM: Isso não vai assustar as empresas que ainda não começaram a caminhar no movimento pela sustentabilidade?

PI: Não. A ideia é a seguinte: se a empresa quer fazer, legal, venha. Agora, se ela continuar só querendo fazer, não dá. Entendeu? Então, ela quer fazer, e vai fazer, de acordo com o tamanho das suas pernas. É outro nível de compromisso. Não é só querer fazer. O Ethos é ainda um farol que acolhe e vai continuar sendo acolhedor, mas não é um clube de empresas, e não quer ser um clube de empresas. O Ethos pretende sempre ser um provocador de mudanças no conjunto das empresas. As empresas que estão junto vão propondo, mostrando caminhos, sinalizando como fazer e trocando experiências. E todo esse conhecimento vai sendo distribuído para as demais. O que queremos é que os associados do Ethos sejam percebidos como quem efetivamente faz.

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