Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Europa, na encruzilhada /// IPS - Envolverde

Mario Soares*

Finalmente os meios de informação europeus compreenderam que o ataque contra o euro pode destruir a integração do Velho Continente, e que para evitar esta catástrofe é necessário criar um Fundo Monetário Europeu que possa ajudar os Estados em dificuldades sempre que necessário.

Além do Fundo, deve ser criado um governo econômico – que já foi invocado pela chanceler alemã, Angela Merkel – da zona do euro (16 dos 27 Estados da União Europeia) e um governo político com os mesmos países. Isso implicará uma Europa que marchará a duas velocidades: uma para os países que integram a zona do euro e aderem ao acordo de livre trânsito de Schengen, e outra para os demais 11 países que não pertencem à moeda comum, nem a Schengen, nem a uma Europa que avança no sentido federal.

Isto equivale a uma revolução, que exige uma revisão séria do Tratado de Lisboa e que talvez pudesse prescindir, para ser mais rápida, da ratificação dos respectivos Estados nacionais.

Em um mundo em que a geoestratégia foi modificada profundamente pela presença dos novos Estados emergentes, cada vez mais conscientes de sua força econômica e financeira, bem como de seu poderio demográfico e militar, a União Europeia se encaminhará para uma completa decadência, a menos que se unifique e se imponha – financeira, econômica e politicamente – como um só bloco. Esta é uma das ironias da crise.

Como disse o conservador Edouard Balladur, ex-primeiro-ministro da França, em recente entrevista ao jornal Le Fígaro, “a crise do euro é um episódio da crise mundial”, mas não se deve perder de vista “que, sem a zona do euro, a Europa se desintegrará e sairá da história”. Ou seja, não contará mais como um dos polos do desenvolvimento mundial e do bem-estar social, perderá influência e capacidade de intervenção. E Balladur acrescenta, significativamente: “Para preservar o modelo social europeu, que não nos cansamos de elogiar, falta ter a coragem política de realizar todas as reformas necessárias para nos adaptarmos à globalização”.

Estas e outras medidas – como a redução drástica do déficit orçamentário e do endividamento externo dos respectivos Estados – são reformas exigidas e inclusive anunciadas recentemente. Entretanto, não podemos estar seguros de que serão aplicadas, pois exigem organismos financeiros, econômicos e políticos de fiscalização e controle que não existem ou não dispõem de poder. O Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, a Presidência Europeia e o Parlamento Europeu deveriam se entender e se coordenar, mas, lamentavelmente, não conseguem.

Por trás destas instituições comunitárias projeta-se a sombra dos grandes Estados regionais, que, por sua vez, distam de pensar na mesma direção. Neste sentido, destaca-se a chanceler Merkel que fala e age em nome da União, como se fosse a líder da Europa. Não o é – nem poder ser, por seu passado – embora se deva reconhecer que representa o país mais rico da União. Ainda assim, não tem o direito de passar por cima dos princípios de fundação da Comunidade Econômica Europeia, antecessora da União Europeia: igualdade, unidade e solidariedade entre todos os Estados-membros.

Impor medidas de austeridade econômica e financeira pode ser fácil embora resultem muito duras para os setores menos favorecidos e para as classes médias, para não falar dos desempregados. Contudo, aplicar uma política de austeridade em um contexto de justiça social, tendo em conta as pessoas, mais do que o dinheiro, e eliminar os gastos supérfluos do Estado em todos os setores, é muito mais difícil. Por outro lado, se não forem penalizados os grandes especuladores e os políticos corruptos, as reformas serão impugnadas nas ruas e os protestos poderão assumir um caráter violento.

Configura-se, assim, uma contradição que os governos devem resolver com perícia: executar as medidas de austeridade necessárias para evitar as bancarrotas que ameaçam alguns Estados europeus e ao mesmo tempo impulsionar um crescimento econômico que dissipe as explosões sociais. Árdua tarefa que a União Europeia só poderá desempenhar se abandonar o imobilismo dos últimos anos e se comprometer com uma política de reformas que a fortaleça, como uma verdadeira comunidade com regras éticas próprias, com sociedades de bem-estar coesas, inclusivas e que respeitem os direitos humanos e o meio ambiente. Isto só se pode conseguir por meio de um movimento de conscientização e participação da cidadania europeia.

* Mário Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.
(IPS/Envolverde)

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Informação & Conhecimento