Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

REDD: entenda este mecanismo de preservação florestal /// Planeta Sustentavel

Floresta em pé

Saiba como surgiu o mecanismo de REDD, que pretende incentivar a redução do desmatamento e da degradação florestal, além da conservação e do manejo sustentável, como andam as discussões sobre o assunto e o que deve ser decidido durante o ano de 2010 e na COP16, no México.

Thays Prado – Edição: Mônica Nunes

Os esforços para conter o aquecimento global e impedir que o aumento de temperatura da Terra pós-Revolução Industrial ultrapasse os 2ºC incluem, necessariamente, a drástica redução do desmatamento e da degradação florestal no mundo, além da conservação e recuperação de áreas florestais ainda existentes.

Isso porque, segundo o IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudaças Climáticas, as emissões provenientes da derrubada de árvores na década de 90 chegaram a 5,8 bilhões de toneladas de carbono por ano, o que equivale a 20% do total de emissões do planeta. Ainda se calcula que, anualmente, cerca de 13 milhões de hectares de florestas sejam convertidos em outros tipos de uso, como pecuária e agricultura, por exemplo. Isso faz com que a mudança de uso do solo seja o segundo fator que mais contribui para o aquecimento global. Além disso, as florestas tropicais armazenam 25% do carbono de toda a biosfera e ainda são capazes de absorver CO2, isso significa que sua destruição acabaria com dois importantes serviços contra as mudanças climáticas, que são o estoque e o sequestro de carbono.

No Brasil, só o desmatamento na Amazônia seria responsável por 55% do total de emissões, de acordo com o inventário de 1994. Se cumpríssemos, hoje, nossa meta de desmatamento zero – prevista para 2020 –, deixaríamos de ser o quarto maior emissor de carbono do mundo e passaríamos a ocupar o 17º lugar, uma mudança ambiental e política significativa.

Segundo a previsão contida na Proposta da Comunidade de ONGs para o Acordo de Copenhague, apresentada no ano passado, antes da COP-15, o aumento de temperatura do planeta só tem chances de permanecer abaixo do limite previsto pelo IPCC se o desmatamento mundial for reduzido a 75% até 2020 e zerado até 2030.

Também é preciso lembrar que as florestas prestam uma série de serviços ambientais, como a preservação dos recursos hídricos, a regulação do nível de chuvas, o controle de doenças tropicais, a renovação de nutrientes e a preservação da biodiversidade – quase 90% das espécies terrestres do planeta vivem nesses ecossistemas. Elas também são fontes de alimentos e de medicamentos e servem de moradia e trabalho para mais de um bilhão de pessoas no mundo.

No entanto, o desmatamento continua em ritmo acelerado. Na América do Sul, o agronegócio é o principal fator – especialmente a produção de soja e carne –, na África, é a agricultura de subsistência que avança sobre a floresta, e no Sudeste Asiático, os dois fatores dividem a responsabilidade.

Em qualquer parte do mundo, o que fica claro é que, enquanto a derrubada das florestas for economicamente mais vantajosa do que mantê-las em pé, será ilusório contar com uma efetiva redução de emissões de gases de efeito estufa no setor. O mecanismo de REDD – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal é, até agora, a maneira mais eficaz encontrada para recompensar financeiramente os países e as iniciativas que estivessem dispostas a, como o próprio nome diz, frear o ritmo de destruição das florestas.


COMO TUDO COMEÇOU E OS DOIS TIPOS DE REDD

A discussão sobre a criação de um mecanismo que incentivasse a redução de emissões provenientes de desmatamento em países em desenvolvimento começou em 2005, na COP11, em Montreal (Canadá), levantada pela Papua Nova Guiné e pela Costa Rica e apoiada por outros países - entre eles, o Brasil, após certa resistência inicial. O que ficou acordado, na ocasião, é que os países que se interessassem poderiam enviar, nos próximos dois anos, propostas de como o RED (até então com um único D, referente a desmatamento) deveria funcionar. O SBSTA – Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico da UNFCCC - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi o responsável por compilar os documentos apresentados.

Em 2006, na COP12, realizada no Quênia, o outro D, que faz referência à degradação florestal foi acrescentado para contemplar a realidade dos países africanos, que mais realizam corte raso de árvores do que retiram completamente a vegetação original. No ano seguinte, ficou acordado, no Mapa do Caminho de Bali, que o REDD serviria para apoiar os esforços já em curso de preservação das florestas, garantir assistência técnica e transferência de tecnologia para que os países em desenvolvimento identificassem os atores do desmatamento, fizessem o manejo florestal sustentável e aumentassem seus estoques de carbono.

Como ficou marcado para 2009, na COP15, o fechamento de um acordo que previsse ações de longo prazo para que os países em desenvolvimento reduzissem a curva de crescimento de suas emissões, os detalhes sobre o mecanismo de REDD também deveriam ser contemplados naquele possível documento. E, apesar de os países não terem chegado a um acordo legalmente vinculante no final do ano passado, as discussões sobre REDD avançaram bem durante a última COP.

No documento não formal produzido ao final da conferência, o REDD-plus ou REDD+ (que considera não apenas as iniciativas de controle do desmatamento e da degradação florestal, como também ações de conservação e manejo de florestas) foi contemplado. O texto diz (em tradução livre): "Nós reconhecemos o papel crucial da redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal e a necessidade de incrementar a retirada das emissões de gases de efeito estufa pelas florestas e concordamos sobre a necessidade de prover incentivos positivos como as ações através do estabelecimento imediato de um mecanismo incluindo REDD-plus, mobilizando recursos financeiros dos países desenvolvidos".

No parágrafo sobre o Fundo Climático Verde de Copenhague, o mecanismo é, novamente citado.

O QUE FALTA PARA O AVANÇO DO REDD

O Brasil, que contém um terço das florestas tropicais do mundo e, portanto, tem grande interesse na implementação do REDD-plus, possui uma das iniciativas mais inovadoras nesse sentido, o Fundo Amazônia. Criado em 2008, ele define que, primeiro, o país reduz o desmatamento e, somente quando apresenta os resultados do esforço, recebe recursos financeiros de países desenvolvidos. Por enquanto, a Noruega se comprometeu a dar 10 bilhões para o Brasil, mas as possibilidades tendem a crescer e muito e é bem possível que esse instrumento seja replicado em outros países florestais. No entanto, algumas questões em torno do mecanismo de REDD-plus ainda precisam ser definidas. São elas:



1. Nacional ou subnacionais?

Para o Brasil, o mecanismo deve ser nacional, ou seja, em vez de a negociação de financiamento ser feita diretamente entre um projeto e o país desenvolvido, a contabilidade da redução de emissões de desmatamento deveria ser nacional. Segundo o consultor do Ministério do Meio Ambiente sobre Mudanças Climáticas, Tasso Azevedo, a estratégia é evitar que haja brechas para reduzir a destruição florestal em uma área - que receberia investimento - e aumentar muito mais em outra. Quando a conta é nacional, o desmatamento, necessariamente, precisa ser cada vez menor. Caso contrário, o financiamento não é liberado. A discussão se a palavra que faria parte de um texto final seria "nacional" ou "subnacionais" rendeu boas discussões durante a COP15, mas tudo indica que vai prevalecer a palavra no singular.



2. Crédito de carbono?

Os países desenvolvidos estão bastante interessados na possibilidade de o mecanismo de REDD gerar créditos de carbono, ou seja, eles se comprometeriam a disponibilizar recursos para os países em desenvolvimento preservarem suas florestas mas, em contrapartida, teriam de fazer um esforço menor de redução de emissões em seu território. No entanto, é preciso ter cuidado em relação a esse assunto para evitar que os esforços de corte de emissões apenas sejam transferidos dos países ricos para os em desenvolvimento e a conta global de emissões continue crescendo. A sugestão brasileira é que, primeiro, o REDD sirva para que os países em desenvolvimento cumpram o seu compromisso de redução na curva do crescimento das emissões. Caso esse valor seja atingido, aí, sim, a redução extra, feita nesses países, poderia ser contabilizada como crédito de carbono para os países ricos.



3. Quem controla?

O monitoramento e a verificação da redução de emissões nacionais provenientes do desmatamento, assim como a distribuição de recursos financeiros do governo para as iniciativas que, de fato, estão contribuindo para o corte de emissões florestais - a governança interna do REDD - são outros pontos importantes e, assim como os anteriores, devem ser discutidos nos próximos meses e, espera-se, incluídos num acordo realmente consistente ao final da COP16, que acontecerá no final deste ano, no México.

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