Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)
Conjuntura Especial. O Brasil no contexto da crise civilizacional


A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Hoje, publicamos a análise de conjuntura apresentada no Encontro do Setor de Pastoral Social da Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina – CPAL, no dia 05 de agosto, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU.. A análise foi elaborada em hipertexto a partir das Notícias do Dia e da Revista IHU On-Line publicadas no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

I - O mundo está confrontado com uma crise estrutural e não somente conjuntural

Crise Civilizacional e suas manifestações
Crise ecológica
Crise energética
Crise alimentar
Crise econômica
Crise do trabalho

I - O mundo está confrontado com uma crise estrutural e não somente conjuntural


A percepção que orienta essa análise sintetiza-se na formulação de Edgar Morin de que “nossa época de mudanças tornou-se uma mudança de época”, ou ainda na intuição de Gramsci resgatada por Zygmunt Bauman, de que “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu: neste interregno surge uma grande variedade de sintomas mórbidos”. O novo está em disputa e é dessa disputa que sobrevirá ou não um projeto emancipatório.

A crise que denominamos de civilizacional ou epocal manifesta-se nas crises econômica, ecológica, alimentar, energética e do trabalho. Acrescente-se ainda que o conjunto dessas crises é também acompanhado por uma crise ético-cultural, ou seja, não se trata apenas de uma crise ancorada nas relações de produção, mas também e sobretudo uma crise do sentido humano que emerge nessa transição de século.

A crise civilizacional exige uma interpretação sistêmica. As crises não estão isoladas e requerem uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros.

Sob a perspectiva metodológica, propõe-se aqui uma interpretação da crise a partir do movimento social, sobretudo dos “novos movimentos sociais” – indígena, ambientalista, de gênero, anti-globalização. Esses “novos movimentos”, entre outros, sugerem que no interior da crise já se gestam alternativas que indicam que “outro mundo é possível”. Esses novos movimentos manifestam uma “metamorfose” em curso: “Tudo recomeça por uma inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, pequena, muitas vezes invisível para os contemporâneos”, diz Morin.

Os novos movimentos sociais auxiliam ainda na compreensão de que a chave de saída da crise encontra-se, sobretudo, na categoria cultura. Frente ao “sujeito” da primeira modernidade, assiste-se à emergência da “subjetividade”. Frente aos temas da política e da economia, emerge o tema da cultura. Segundo Touraine, hoje “as mudanças são tão profundas que nos levam a afirmar que um novo paradigma está em vias de substituir o paradigma social, assim como este tomou o lugar do paradigma político”. As categorias sociais da sociedade industrial, da primeira modernidade, tornaram-se insuficientes para a compreensão da sociedade de hoje. A intuição de Touraine, é que hoje as “categorias culturais substituem as categorias sociais, onde as relações de cada um consigo mesmo são tão importantes quanto eram, outrora, a conquista do mundo”.

Com a modernidade, surge o conceito da autonomia, o direito de recusa daquilo que sempre foi considerado como natural e de conceder-se sua própria lei – o primado do individualismo: “a liberdade de cada um imprimir sua exterioridade com o selo de sua individualidade para nela poder reconhecer-se e fazer-se reconhecer”, afirma Monod. A modernidade caracteriza-se pelo protagonismo do sujeito. A novidade agora, na segunda modernidade, ou pós-modernidade, é o fato da subjetividade “substituir” o sujeito. Agora, os interesses próprios, subjetivos, são o que irrigam a maior parte da cultura cotidiana.

Atente-se, porém, que a nova subjetividade apresenta também aspectos emancipatórios. É nessa outra subjetividade que aos poucos vai se constituindo que surgem as novas resistências. Basta pensar aqui nos novos movimentos sociais, nas redes sociais, no movimento ambientalista, nos movimentos de expressão cultural, nos movimentos de gênero, no movimento antiglobalização. A “subjetividade” que substitui o “sujeito” não é necessariamente negativa. Se por um lado, exacerba os imperativos do mercado, por outro, podem também ser resistência a ele. A subjetividade da segunda modernidade pode se traduzir em biopolítica - Foucault.

A biopolítica é uma resposta ao biopoder, àquilo que escapa a imposição da sociedade produtivista-consumista. É a idéia de uma produção de poder a partir do poder que se exerce. Possibilita “uma resposta biopolítica da sociedade: não mais os poderes sobre a vida, mas potência da vida como resposta a esses poderes; em suma, isso abre à insurreição e à proliferação da liberdade, à produção de subjetividade e à invenção de novas formas de luta”, destaca Antonio Negri.

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