Vinicius Neder, do Jornal da Ciência/SBPC
Convenções das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (UNFCCC), sobre biodiversidade (CBD) e de combate à desertificação (UNCCD) são vítimas de fragmentação e falta de prioridadePara reduzir a emissão de gases do efeito estufa, causadores do aquecimento global, nada melhor do que preservar os ecossistemas e sua biodiversidade. Para preservá-los, nada melhor do que adaptar as atividades econômicas e o uso cotidiano dos recursos naturais ao meio ambiente. Para melhorar as condições de vida dos habitantes de regiões secas e já ambientalmente degradadas, nada melhor do que fazer essa adaptação.
Lógico? Nem tanto, se levarmos em conta as dificuldades de diálogo entre as três convenções surgidas a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Unced ou Rio 92), “filhas do conceito de desenvolvimento sustentável”, nas palavras do diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty, embaixador Luiz Alberto Figueiredo.
Figueiredo coordenou, na manhã desta terça-feira, dia 17, sessão plenária da Segunda Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (Icid+18), que debateu as possibilidades de sinergia (ou a falta dela) entre a UNFCCC, a CBD e a UNCCD.
O próprio coordenador da sessão citou os entraves à efetivação da sinergia que, pelo menos no plano temático e na teoria, chama atenção pela evidência. Em primeiro lugar, cada convenção tem identidade jurídica e lógica próprias. Em segundo lugar, há a variabilidade de membros: um país pode ser signatário de uma ou duas convenções e não adotar as outras.
Além disso, todo o processo é dependente da vontade dos Estados partes. “Os secretariados das convenções têm atuação limitada. Se não existir vontade dos Estados partes, não haverá sinergia”, avaliou Figueiredo, na fala introdutória à sessão plenária.
O único secretário-executivo presente foi o da UNCCD, Luc Gnacadja. O secretário-executivo da CBD, Ahmed Djoghlaf, seria representado pela chefe do Programa de Terras Secas e Subúmidas, Jaime Alexandra Webbe, que tampouco pôde comparecer. Já a secretária-executiva da UNFCCC, Christiana Figueres, enviou mensagem por vídeo.
Iniciativas
Apesar do baixo comparecimento de autoridades de alto escalão, representantes de diversos organismos das Nações Unidas citaram iniciativas em prol do aumento da sinergia entre as convenções, numa tentativa de quebrar a abordagem historicamente setorial dos problemas que desafiam a humanidade.
Segundo Margarita Astrálaga, diretora regional para a América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), manifestações sobre a necessidade de aumentar a coordenação das ações na ONU no âmbito das três convenções já surgiram na Rio+5, em 1997. “Secretariados e comissões começaram então a trabalhar juntos”, disse. Tanto a UNCCD quanto a CBD, por exemplo, têm executivos responsáveis por fazer a ligação entre elas.
A representante do Unep destacou também que, apesar de óbvias, as sinergias não são tão simples. Há cerca de 150 acordos internacionais que tocam na temática da biodiversidade, por exemplo. “Deve-se fazer uma análise minuciosa desses acordos para escolher um foco”, disse Margarita.
Por sua vez, a chefe da área de Florestas em Zonas Áridas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Nora Berrahmouni, lembrou que a fragmentação de ações se repete também nos planos nacionais. Muitos países mantêm planos setoriais para resolver problemas relacionados à biodiversidade, às mudanças climáticas e à desertificação, que acabam por trabalhar em paralelo. A cobrança por visões e ações mais sistêmicas para alcançar o desenvolvimento sustentável deu o tom de todas as falas.
Luc Gnacadja, por fim, comentou que as sinergias entre as três convenções “parecem um fantasma”, mas devem ser buscadas. Na segunda-feira, em entrevista ao “JC e-mail”, o secretário-executivo da UNCCD defendeu as Nações Unidas como o único fórum capaz de conciliar os interesses divergentes dos países. Ainda assim, ele reconheceu que mesmo entre as três convenções há tratamento desigual.
“Foi dada mais ênfase em biodiversidade e mudanças climáticas. Desde o início, desertificação foi percebida como uma convenção que não deveria ser global. Porque alguns países veem desertificação como um desafio local”, disse.
* O repórter viajou a Fortaleza a convite da organização da Icid+18
Reportagem de Vinicius Neder, do Jornal da Ciência/SBPC, publicada pelo EcoDebate, 19/08/2010
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