Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

A ferramenta do ecotributo

Gisele Neuls e Gustavo Faleiros, da Página 22
Mercado Ético

Diante das evidências da gravidade das mudanças climáticas, a indústria, os setores de energia e de transportes e a agricultura enfrentam em todo o mundo o desafio de transformar-se. No Brasil não é diferente: aprovada a Política Nacional de Mudanças Climáticas [1], o País tem diante de si compromissos formais de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2020. Para garantir o cumprimento das metas, um dos instrumentos que os tomadores de decisão certamente terão de lançar mão é a chamada tributação verde.

[1] Aprovada como lei federal em dezembro de 2009, estabelece meta de 36% a 38% de redução de emissões sobre a trajetória de crescimento até 2020.


Impostos com funções ambientais têm sido utilizados há anos em diversos países da Europa e também no Brasil. Estudiosos do direito tributário explicam a prática como uma política de “extrafiscalidade” [2], por meio da qual o tributo deixa de ter uma função meramente arrecadatória e passa a incentivar ou inibir certas atividades econômicas de acordo com parâmetros sociais e ambientais. “Metas ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa somente serão atingidas se as políticas públicas propostas para energia, transporte, proteção florestal, reciclagem etc. forem acompanhadas de vigorosa política tributária indutora de comportamento ambientalmente desejado e inibidora de comportamento poluidor”, escreveu, em artigo recente, James Marins, professor da PUC-PR e especialista em ecotributos.

[2] Um dos exemplos mais conhecidos da função extrafiscal é o alto imposto cobrado sobre o cigarro. Lida-se com um problema de saúde pública sobretaxando o produto.

Um estudo do Centro de Economia Sustentável, de Washington, mostra que, na Europa, reformas tributárias foram implementadas em diversos países ao longo da década de 1990 sobretaxando as emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes como o dióxido de enxofre (mais aqui). Os resultados revelam que houve crescimento significativo de uma indústria de energia alternativa em países escandinavos e na Alemanha, algo que também contribuiu para aumentar a própria arrecadação. Em simulações, os autores mostraram que, na maioria dos casos, as taxas ambientais acabam gerando mais emprego e até maior crescimento econômico.

No Brasil, os impostos verdes têm sido usados de forma isolada, sem uma estrutura tributária geral que incorpore o conceito. “A discussão no momento toca em coisas absolutamente tópicas, mas o que falta é a regulamentação do artigo 170 da Constituição, que trata dos princípios da ordem econômica e da obrigatoriedade de tratamentos diferenciados de serviços e produtos”, avalia o ambientalista Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, que há anos estuda o tema.

Ele pondera que, quando se trata de emissões de carbono ou consumo de energia, apertar apenas um setor e relaxar outros pode criar um “vazamento”. Por exemplo, é possível reprimir as emissões de combustíveis fósseis, mas ao mesmo tempo facilitar o crescimento das emissões pelo consumo geral de veículos. Outra questão é o equilíbrio fiscal da economia. Iniciativas só serão viáveis se mantiverem a arrecadação em patamares sustentáveis para a atividade pública.

Até o momento, o setor de transportes é o principal laboratório para políticas de tributação ambiental no Brasil, uma vez que existem taxas ou benefícios sobre combustíveis e veículos. Muitos acadêmicos consideram a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) um dos primeiros tributos de natureza ambiental introduzidos no País, pois a lei que a criou (n.º 10.336/01) prevê alíquotas conforme o potencial poluidor de cada um dos combustíveis.

Por outro lado, ao longo dos anos, diversos incentivos tributários foram concedidos ao setor automobilístico, o que gerou um salto no consumo de veículos, aumentando o peso do setor de transportes nas emissões brasileiras - que dobraram entre 1995 e 2005 (mais aqui). A recente isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, vigente entre fins de 2008 e março passado, foi responsável pelo nível histórico de vendas no setor - 3,2 milhões de unidades em 2009, um crescimento de 11% em relação ao ano anterior. Como as condições eram ainda melhores para carros flex e movidos somente a álcool, 88% do total das vendas foi de veículos nessas categorias.

A indústria brasileira tem-se envolvido há alguns anos na discussão do tema, mas, no momento, seus representantes a consideram estagnada. “Nada está acontecendo”, diz Grace Dalla Pria, gerente de meio ambiente da Confederação Nacional da Indústria. Longe de discutir uma reforma tributária ambiental, o Ministério da Fazenda considerou fazer pacotes de incentivo a setores menos poluidores. Em 2006, pouco antes do lançamento de um conjunto de benesses, o plano foi abortado por objeções da Receita Federal.

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