Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Crise econômica >>> IHU - Unisinos

A origem das crises anteriores encontra-se no fato de que economia deixou de ser a “serva” da sociedade para se tornar a sua “senhora”, a “grande transformação” de que nos fala Karl Polanyi. Impulsionada pela ideia de progresso linear e quantitativo assentado sobre o crescimento econômico e recursos naturais ilimitados, a economia, na sociedade industrial, foi se desvencilhando gradativamente da ética e da política e passou a ser orientada e regida tão somente pelo mercado. Ainda mais, para além ruptura da relação entre economia e sociedade, também a ligação entre economia e ambiente foi se desfazendo.
Hoje, portanto, já não podemos mais dar centralidade apenas a economia para depois nos ocupar das outras crises. A questão fulcral diz respeito ao esgotamento do modelo de desenvolvimento criado e incrementado na sociedade industrial baseado em uma visão linear, progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no consumo desenfreado a sua mola propulsora.

Por outro lado, a crise econômico-financeira que estalou nos Estados Unidos em agosto de 2007 – que arrastou o mundo para uma recessão levando milhares ao desemprego – apresenta-se com a novidade de que a mesma estourou completamente a dicotomia – ainda cara a muitas esquerdas – de economia real versus economia financeira. “Hoje nossas vidas estão inteiramente no processo de financeirização: quando usamos o cartão de crédito ou o cheque especial, quando recorremos a empréstimos para ter acesso a necessidades fundamentais (casa, formação, mobilidade, e principalmente a saúde), quando uma parte dos salários é paga em stock option (ações) ou as pensões se tornam fundos de investimentos”, destaca Gigi Roggero.

Segundo ele, “para a economia clássica e moderna, a financeirização e a crise intervinham no final do ciclo, após a expansão da economia real ligada à afirmação de um modelo produtivo. Hoje, a financeirização não só recobre o ciclo econômico inteiro, mas põe em discussão a própria categoria de ciclo”. Logo, diz Roggero, “a crise, longe de estar confinada a uma fase descendente do ciclo e de preparar uma nova expansão, tornando-se impulsionadora de uma dinâmica de crescimento, não é mais somente um dado estrutural do desenvolvimento capitalista, mas torna-se seu elemento permanente e insuperável”. De certa forma, foi a obsessão pelo consumo da sociedade americana (imóveis, carros, bens duráveis) que lançou o mundo na crise.

O mesmo afirma Carlo Vercellone para quem a relação entre capital produtivo versus capital financeiro já não existe mais. Segundo ele “insistir nas finanças como se se tratasse de um poder autônomo quase absoluto, tende a fazer esquecer a compenetração entre capital financeiro e capital produtivo e as outras causas socioeconômicas que estão na origem da crise sistêmica do capitalismo contemporâneo”. Esclarecendo melhor, o que agora precisa ser compreendido é que a financeirização não é mais um processo externo à produção, mas constitui, ao contrário, sua forma econômica real.

Nesse sentido, “a financeirização – longe de contrapor-se à economia real – é a forma da economia capitalista apta para exercer o comando sobre o trabalho cognitivo e sobre a produção do saber vivo”, afirma Gigi Roggero; ou seja, a financeirização da economia já se configura como um novo estágio de apropriação do capital pelo trabalho imaterial que se realiza. Aí está o cerne da crise.

Na opinião de Andrea Fumagalli, economista, o que é preciso compreender é que “atualmente os mercados financeiros são o coração pulsante do capitalismo cognitivo. Eles financiam a atividade da acumulação: a liquidez atraída para os mercados financeiros recompensa a reestruturação da produção que visa à exploração do conhecimento e ao controle de espaços externos aos negócios tradicionais”.

Por outro lado, junto com a crise, os mitos econômicos vendidos como verdades irrefutáveis caíram por terra. Tardiamente há um reconhecimento – de algo que há muitos anos vem afirmando o movimento social – de que o mercado precisa ser regulado. A tese liberal do mercado como aquele que se auto-regula se mostrou uma falácia. Os que ousavam criticar a desregulação financeira eram vistos como ‘atrasados’, entretanto, a própria Meca do liberalismo, os EUA, que impuseram as exortações do ‘pensamento único’ ao mundo, reconheceu que o mercado precisa de um mínimo de regulação. A maior potência econômica do mundo, os EUA, reconhece que a sua cruzada em defesa das virtudes do liberalismo esgotou-se. Os anos dourados do neoliberalismo e as orientações do ‘Consenso de Washington’ entraram em crise, ao menos do ponto de vista ideológico.

Ao mesmo tempo, a crise não é apenas de macro teoria, é também de natureza ética. Todo sistema histórico de organização da sociedade necessita de uma base de legitimação moral. Com a crise rompeu-se a ética de um sistema fundado em valores que decorrem da máxima “vícios privados, benefícios públicos”, ou seja, a idéia de Bernard de Mandeville, de que a sorte dos demais é, em última instância, uma manifestação do nosso amor-próprio, do nosso auto-interesse. A tese do egoísmo como virtude exposta por Adam Smith ao destacar que a busca compulsiva do próprio interesse conspiraria para a elevação do bem-estar da sociedade falhou. A cobiça desmedida dos agentes financeiros desatou a crise.

Nesta perspectiva, assistiu-se ao retorno do protagonismo do Estado que havia sido colocado de lado. O Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução. O Estado se tornou a tábua de salvação do capitalismo – assistiu-se a um derrame de dinheiro público para salvar bancos e fábricas. O dinheiro que nunca se tem para aplicar na redução da pobreza e da desigualdade no mundo apareceu para resgatar os interesses dos mais poderosos.

O lado positivo da crise encontra-se na possibilidade do fim do unilaterismo e na formação de um mundo multipolar e, sobretudo, no revigoramento das teses do movimento antiglobalização. A necessidade de controle do capital financeiro propugnada pela Attac – que ganhou corpo ao longo das edições do Fórum Social Mundial (FSM) retomou fôlego novamente.

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