Lula. O grande consenso nacional?
Impressiona a todos os analistas políticos, os altos índices de popularidade de Lula. Os índices de aprovação ótimo/bom do seu governo beira aos 80% em todos os segmentos sociais, econômicos e geográficos do país.
A performance arrebatadora de Lula é em parte o que explica a candidatura competitiva de Dilma Rousseff – ninguém dúvida de que Lula vem conseguindo algo difícil no mundo da política: a transferência de votos.
Lula se tornou para muitos, principalmente para organismos como o Banco Mundial e o FMI, uma referência de governo, capaz de unir o que antes era impensável: o mercado com o social. Por um lado, preservam-se os interesses da banca financeira, e por outro, atende-se os pobres com o Bolsa-Família – um vigoroso programa social que distribui renda para mais de 12 milhões de famílias brasileiras. A síntese dessa singularidade é manifesta pelo livre trânsito de Lula no Fórum Social Mundial e no Fórum Econômico Mundial. Em ambos, Lula é aplaudido.
O próprio presidente assume que desempenha a função de “conciliador de classes”: "Tenho a graça de Deus de transitar bem de uma reunião com banqueiros para uma de catadores de lixo", disse Lula, em entrevista ao jornal argentino Clarín.
Na opinião do jornalista, Fernando de Barros e Silva, “Lula é nosso esperanto social, a encarnação do "&" que conecta e separa Casa Grande e Senzala. Ele é a expressão máxima da democracia brasileira. E talvez de seus limites”. Algo semelhante afirma Luis Nassif: "O que Lula propõe é uma construção política sofisticadíssima, de ser a síntese do Brasil moderno, do novo Brasil que surge e do Brasil arcaico".
O próprio Lula reafirma-se como o condutor do tertius da luta de classes ao afirmar que “quando fui candidato a presidente pela primeira vez, os empresários tinham medo de mim como o diabo tem medo da cruz. Uma parte das pessoas pobres deste país também tinha medo de mim. Hoje tenho certeza de que os empresários não têm mais medo do Lula”.
Na análise do sociólogo Werneck Vianna, Lula evoca o Estado Novo do período getulista. “Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade”, diz ele. Segundo o sociólogo, “um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”. “Ele [Lula] tem força, carisma, para segurar essa colcha e essa federação é boa para todos”.
O sociólogo Francisco de Oliveira é ainda mais ácido na crítica ao governo Lula. Segundo ele, Lula pratica a hegemonia às avessas, ou seja, a classe dominante aceitou ceder aos dominados o discurso político, desde que os fundamentos da dominação que exerce não sejam questionados. Na sua opinião a chegada do PT ao Estado não significou rupturas com o status quo anterior. Se por um lado é inegável que Lula alterou a rota do modelo econômico, principalmente no segundo mandato, por outro, não mudou a lógica de funcionamento da política – a concepção de um Estado ainda marcadamente patrimonialista que se manifesta na manutenção de uma base de sustentação que trouxe a tona figuras políticas associadas aos métodos políticos da Velha' República – práticas coronelistas que agregam autoritarismo, assistencialismo e clientelismo com a expertise de se valer da presença no espaço público para atingir objetivos privados.
“O que está unificando o país hoje é um projeto expansionista burguês com vocação grão-burguesa”, diz Werneck Vianna. Segundo ele, o Estado traduz este movimento, ele é “ator, mas também é objeto”. Não se trata de um “Estado patrão”, esclarece, “o que se tem aí é uma associação, uma vinculação entre política e economia, governo e empresas, governos e atores políticos e empresariais, que, juntos, no Estado e no governo, implementam essa política. As elites econômicas, por exemplo, são partícipes disso”. Os fundos de pensão também têm participação direta nesse processo, e esse é um aspecto complicado, “porque eles atestam que esse movimento não se limita às elites econômicas da indústria, do agronegócio e está envolvendo também, no mínimo, a vida sindical. Basta olhar para a composição desse governo, onde todas as classes e frações de classes se encontram representadas”, menciona.
O esvaziamento do movimento social
A interpretação de Werneck Vianna é a de que o governo Lula engoliu a todos. O movimento social grita, reage, mas no limite não rompe com o governo; a direita esperneia, protesta, mas rende-se ao governo de coalizão; o capital produtivo e financeiro reclama, mas está contente com Lula. No máximo o presidente, deixa “que os dissídios internos amadureçam e no final arbitra e decide”. Lula tornou-se o conciliador de classes.
A grande aposta foi a de que Lula no poder faria um governo sintonizado com o seu histórico de movimento social. Porém, o que se vê é a opção de Lula pela continuidade da modernização conservadora. Prevaleceu o Lula do ABC – da lógica do desenvolvimentismo associado ao capital transnacional ajustado aos tempos da globalização, um governo que pratica o Pós-consenso de Washington. Para as demandas dos movimentos sociais encontrou uma solução intermediária: o apaziguamento da miséria.
A adoção do ‘pós-neoliberalismo pragmático’ de Lula fragmentou a esquerda, os movimentos sociais e os intelectuais. Passou-se a uma relação tensa, ambígua e complexa. Na análise do cientista político canadense, Leo Panish, o governo Lula “desmobilizou a CUT e não chegou a desmobilizar o MST, mas desencorajou sua mobilização. Ou seja, é um governo que tratou de desmobilizar as forças organizadas, com forte poder de mobilização social, para governar com os desmobilizados”.
Eleições 2010. Diferenças menores do que se pensa.
Olhado sob a perspectiva da análise anterior, do novo paradigma instaurado por Lula, as diferenças de projeto político de José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) são menores do que se imagina. Os dois candidatos podem ser definidos como “desenvolvimentistas” (uma corrente que defende o Estado como protagonista importante no desenvolvimento do país). Nessa perspectiva, nem um dos dois defende as teses do neoliberalismo (fragilização do papel do Estado).
Defendem, entretanto, a economia de mercado e são alinhados às teses macroeconômicas do equilíbrio fiscal (política monetária rigorosa: controle da inflação, dos gastos públicos, pagamento dos juros da dívida interna, etc). Também os dois defendem investimentos na área social, sobretudo em políticas sociais de caráter compensatórias, das quais, o Bolsa-Família é o exemplo maior. Segundo o sociólogo Francisco de Oliveira, o Bolsa-Família “é um programa politicamente regressivo. Anula a transformação. Funcionaliza a pobreza. É um programa de apaziguamento da pobreza. Acho muito perigoso. Tende a mitificar a política”, diz ele.
Ou seja, sob a perspectiva do projeto econômico, não há diferenças substanciais de fundo. Evidentemente que José Serra pode ser pressionado pelo DEM, seu principal aliado, para que implemente um governo mais liberal, porém hoje, o DEM está fragilizado e terá pouca influência em seu governo.
Do ponto de vista do “jeito de fazer” política também não haverá muita diferença entre os dois. Se o PSDB tem o DEM como grande aliado, o PT tem o PMDB. Ambos, DEM e PMDB são bastante fisiológicos e num governo de partilha do poder “arrancam” o que podem – cargos e recursos – para dar sustentação política aos “titulares” do poder. Ou seja, tanto Serra como Dilma terão que governar com bases de apoio fisiológicas e não romperão com a política clientelista – o uso do Estado para objetivos privados.
A diferença maior entre os candidatos ficará por conta da relação com o movimento social. José Serra tem um histórico de difícil relação com o movimento social – sindicatos, MST, movimentos populares –, basta ter presente seu mandato como governador em São Paulo. Dilma Rousseff, por sua vez, terá mais facilidade na relação com o movimento social. Com uma possível vitória do Serra, a relação com o movimento social, certamente, mudaria. Acredita-se que Serra seria mais duro e inflexível nas questões que envolvem tratamento com o movimento social, razão pela qual seriam mais tensionadas. As chances de as manifestações sociais serem tratadas com maior rigor e repressão aumentam num governo do PSDB.
Dentre as candidaturas, a novidade maior fica por conta da candidatura de Marina Silva pelo PV. A novidade reside no fato de que a sua candidatura é a manifestação de algo novo na sociedade mundial e brasileira: a emergência da agenda ambiental. Registre-se, entretanto, que o PV é um partido que acumula a maioria dos problemas existentes nos demais partidos: falta de base social, burocratismo, ausência de conteúdo político, caciquismo, etc. Por outro lado, a própria Marina tem tido manifestações dúbias sobre vários temas polêmicos, inclusive sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.
Há ainda a candidatura de Plinio Arruda Sampaio pelo PSOL. Personagem já mítico da política brasileira, do extinto PDC, cassado pela ditadura e egresso do PT, Plínio se define como socialista e cristão. Sob sua candidatura Plinio a define da seguinte forma, consciente de que suas chances são remotas: “A importância de romper com o script montado para essa eleição, que impede o debate dos verdadeiros problemas e soluções para o Brasil e limita a discussão sobre as medidas técnicas. Quero fazer esse debate, ajudar a construir consciência política e mobilização social”.
PT-PSDB. Mais do que uma disputa por projeto, uma disputa pelo poder
A disputa pela presidência, salvo acontecimentos excepcionais se dará entre José Serra do PSDB e Dilma Rousseff, “recém-chegada” ao PT. Ambos, de partidos que apesar da intensa disputa cada vez mais se aproximam programaticamente. A “breve” história na sequência auxilia a compreender o projeto político de ambos
Vejamos:
Em 2010, o PT e o PSDB disputarão pela quinta vez consecutiva a Presidência da República. Em duas delas (1994 e 1998), o PSDB levou a melhor; nas duas seguintes (2002 e 2006), ganhou o PT. Os dois partidos perdem em tamanho para o PMDB, partido que reúne o maior número de parlamentares no Congresso e mandatos no executivo em âmbito municipal e estadual, porém, PT e PSDB, já há algum tempo polarizam a política nacional. Os demais partidos, com poucas exceções, gravitam em torno de ambos.
PT e PSDB são partidos novos, surgem nos anos 1980 no denominado período da redemocratização brasileira, porém suas histórias começam bem antes e estão vinculados à modernização conservadora da sociedade brasileira. É impensável pensar o PT e o PSDB sem a Era Vargas, os anos Juscelino Kubistchek (JK), o período autoritário, e recentemente, a inserção do país na economia mundial. O amadurecimento que permite a origem desses partidos tem a ver por um lado com o amadurecimento tardio do capitalismo brasileiro e, por outro, e consoante a essa dinâmica, com o surgimento de uma forte sociedade civil.
Em que pese a intensa e já histórica disputa que travam, os ataques verbais e acusações que trocam mutuamente e permanentemente, as diferenças dos partidos, principalmente programática e de método – o jeito de se fazer política –, são menores do que se pensa. A afirmação pode parecer pouco compreensível e anacrônica ainda mais às vésperas das eleições e, sobretudo, quando se ouve reiteradamente que as eleições colocarão em disputa diferentes projetos políticos. A interpretação de que PT e PSDB são como “óleo e água” é propagada principalmente pelos movimentos sociais, e de fato a partir do olhar do movimento social há diferenças que se justificam, porém, a defesa dessa tese já não se faz apenas a partir de argumentos ideológicos como se via nos anos 1980 e 1990.
PT e PSDB são estampas da matriz paulista – o “motor” do capitalismo brasileiro – e com o advento da nova ordem econômica internacional, a globalização, a representação financista (PSDB) e produtivista (PT) fizeram com que os mesmos se aproximassem programaticamente.
Vale aqui lembrar a análise do sociólogo Francisco Oliveira, de que os dirigentes de PT e PSDB são metades de uma mesma laranja. Segundo ele, "a partir da entrada do Brasil no processo de globalização, os tucanos promoveram as privatizações e ganharam prestígio e poder nas empresas privatizadas. Muitos ocupam altos postos nessas empresas. Já os ex-sindicalistas ligados a Lula têm funções importantes nos fundos de pensão, que são grandes investidores nessas empresas. Formam uma espécie de nova classe social, nesse processo de globalização financeira".
Algo semelhante pensa Luiz Werneck Viana, para quem “o PT e o PSDB nasceram no mesmo lugar, São Paulo, lugar por excelência do mercado, do liberalismo, do anti-Estado”. Segundo ele, “a matriz paulista do PT e do PSDB remete para as suas fortes ligações com o capital produtivo e financeiro. Particularmente, o PT paulista é tributário de um determinado tipo de relação capital-trabalho que não contempla quem está fora dela, daí o pouco apetite de Lula em promover rupturas incisivas e contentar-se com as políticas compensatórias na área social”. A partir dessa perspectiva, Fernando Henrique Cardoso teria governado oito anos a partir dos interesses paulistas articulados aos interesses do capital financeiro internacional, e Lula a partir da aliança “trabalho-capital” (capital produtivo) sem, entretanto, afrontar os interesses do capital financeiro.
Ou seja, o PT no governo não rompeu com a política econômico-financeira do PSDB e tratou de juntar à ortodoxia econômica políticas sociais de forte incidência junto aos mais pobres; agora tampouco, o PSDB romperá com as políticas sociais do PT.
Modelo neo-desenvolvimentista não sofrerá interrupção
O resultado de oito anos do governo Lula afirmaram o modelo neo-desenvolvimentista como a rota a ser seguida. A junção do capital financeiro com o capital produtivo acrescido de políticas sociais de mitigação da pobreza tornou-se a plataforma comum a ser perseguida pelos candidatos à presidente. É em função dessa lógica que se pode afirmar que não há diferenças programáticas substancias entre a candidatura de José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT).
Serra já mais de uma vez manifestou que defende a presença do Estado na economia diferentemente do que pregavam FHC em Alckmin. O fato é que ganhe Dilma ou ganhe Serra, ambos são vistos como continuadores das bases políticas e econômicas do governo Lula. O próprio Lula tem repetido isso à exaustão: “O Brasil está vivendo um momento rico, porque se a disputa se der entre Serra, Dilma e Marina, é um avanço extraordinário”.
O economista João Manuel Cardoso de Mello, que deu aulas para Serra e Dilma, comenta: “A Dilma e o Serra são muito parecidos, têm a mesma visão de mundo. Se houvesse uma reorganização política, eles estariam no mesmo partido. É uma gente que não existe mais na política, gente compromissada com o Brasil. Ambos podem ser enquadrados no conceito inglês de servidor público”.
Carta da Terra
"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)
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