Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

III - Análise crítica de alguns projetos >>> IHU- Unisinos

Agrocombustíveis; Programa Nuclear, Pré-Sal...


O tema dos biocombustíveis entrou na agenda mundial a partir da crescente consciência planetária de que a crise ambiental é grave e ameaça o planeta. Desde então, os biocombustíveis se tornaram um tema mundialmente importante como matriz alternativa às matrizes fósseis e poluidores, particularmente o carvão e o petróleo. A produção de energia alternativa a partir de oleaginosas – vinculado a um programa de incentivo a pequenos agricultores – transitou, porém rapidamente para a produção em larga escala do etanol a partir da monocultura da cana-de-açúcar.


No Brasil, o tema ganhou projeção a partir da visita do então presidente norte-americano George Bush em março de 2007 ao país. Na oportunidade o presidente americano destacou projeto do EUA em que até 2025 um quarto da frota americana de veículos deverá rodar utilizando biocombustível.

O Brasil viu nessa possibilidade a chance de se tornar competitivo no mercado internacional numa área em que tem experiência. O Brasil, junto com os Estados Unidos, produz hoje 72% do etanol produzido no mundo, entretanto o etanol brasileiro é mais competitivo uma vez que é extraído da cana-de-açúcar. A cana gera 7.300 litros de álcool por hectare, enquanto o milho não produz mais do que 3.000 litros. Tamanha produtividade ajuda a entender a corrida de investidores estrangeiros por terras e usinas no Brasil.

O agronegócio é um dos filões de maior apoio do BNDES. Particularmente no financiamento de usinas para a produção do etanol, o banco vem investindo pesadamente. Para 2010, o BNDES identificou 89 projetos de novas unidades, das quais 51 já estão em andamento.

A opção em privilegiar o etanol transformado em commoditie de exportação vinculado aos interesses de grandes grupos – o próprio presidente Lula transformou-se numa espécie de caixeiro-viajante do etanol brasileiro e chegou a chamar os usineiros de heróis e personalidades internacionais – fez com que o movimento social – Via Campesina – passasse a denominar os biocombustíves de agrocombustíves. Para os movimentos: o etanol tem como objetivo a manutenção do padrão de consumo american way of life e isso significa em última instância "tanques cheios a custas de barrigas vazias".

Corroborando análises do movimento social, a ONU em um relatório intitulado "Bioenergia Sustentável" alerta que se for mal implementada, a tecnologia que promete ao mesmo tempo combater o efeito estufa e liberar o mundo do petróleo acabaria causando fome e destruição de habitats. A preocupação do movimento social com a perda da soberania alimentar nos países pobres e em desenvolvimento é corroborada por um crescente número de especialistas que alertam para o impacto sobre os preços dos alimentos e regiões do planeta em que a proteção ambiental é muito frágil.

Ainda na perspectiva de questionamentos à produção do etanol em larga escala emergiu com força no debate as conseqüências da monocultura da cana relacionada à exploração do trabalho humano. A cana-de-açúcar traz consigo miséria e condições de trabalho aviltantes para um contingente ainda grande de trabalhadores no campo - os cortadores de cana. A pesquisadora Maria Aparecida de Moraes Silva, uma das maiores autoridades brasileira no estudo do impacto da monocultura da cana na exploração da mão-de-obra destaca que de 2004 a 2007 ocorreram 21 mortes, supostamente por excesso de esforço durante o corte da cana.

Do ponto de vista econômico, a aposta no etanol significa na realidade uma reprimarização da pauta de exportação brasileira, ou seja, uma volta ao passado, ao açúcar, à borracha. Na opinião do economista Reinaldo Gonçalves, “o Brasil caminha para o que chamamos de especialização retrógrada, que envolve a fragilização do aparelho produtivo brasileiro”.

O etanol é ainda uma ameaça constante aos biomas da Amazônia, Cerrado e Pantanal. Apenas recentemente o presidente Lula anunciou a Lei do Zoneamento Agroecológico da Cana. Com a medida adotada pelo governo, o cultivo da cana-de-açúcar fica proibido na Amazônia e no Pantanal. Entretanto, a lei proíbe apenas novos empreendimentos nessas regiões. Dessa maneira, as usinas que já operam na Amazônia e na área do entorno do Pantanal mato-grossense, têm sua permanência e produção garantidas. O projeto estimulará novas plantações de cana em áreas de pastagens degradadas.

Ressalte-se que a referida lei não surgiu tanto da vontade de preservação do governo, mas da pressão do mercado internacional, que poderia boicotar o etanol brasileiro. Revela-se, pois uma tentativa mais de “esverdear” o biocombustível brasileiro, e dar uma resposta aos críticos internacionais e fazer passar uma imagem de um país preocupado com o ambiente.

A lógica “modernizadora” do campo brasileiro levado a cabo pelo agronegócio desconsidera as populações nativas locais e o meio ambiente. Porém, também é importante destacar que os povos indígenas travam uma forte resistência a essa lógica, como também o sem terra são testemunhas do escândalo da concentração da terra e contra ela lutam.

Programa Nuclear
O Brasil retomou o programa de energia nuclear com o projeto de construção de oito usinas nucleares até 2030. O argumento do governo para retomar os investimentos em energia nuclear é a necessidade de diversificar a matriz energética e de que se trata de uma energia limpa. A primeira etapa do programa nuclear já começou com construção de Angra 3 a um custo superior a 7 bilhões e previsão de funcionamento em 2013. Suspensa em 1986, Angra 3 está contemplada no Plano de Aceleração do Crescimento - PAC.

Os que se opõe à energia nuclear afirmam que se trata de uma energia perigosa, além do problema do armazenamento dos rejeitos nucleares – rejeitos emitem radiação por milhares de anos –, uma das grandes questões não resolvidas até hoje. Ao mesmo tempo há argumentos que afirmam que a usina nuclear pode ser tão poluente quanto a termelétrica.

Segundo o Greenpeace as emissões se produzem em todas as etapas de produção da energia nuclear – da extração do urânio ao transporte dos resíduos radioativos, passando pelas obras civis da usina em si e pela transformação do minério em combustível.

Considerando-se que energia nuclear é contraproducente por várias razões, por que o governo a está ressuscitando? Três razões se apresentam: a mais difundida refere-se à crise energética. Angra 3 atenuaria a falta de energia que se aguarda para daqui a alguns anos. Outra diz respeito à tentativa do governo de diversificar as matrizes energéticas. O projeto do governo é elevar a participação da energia atômica de 2% para 5%. A razão, mais velada, seria que os militares têm interesse na continuação das pesquisas nucleares. As usinas nucleares seriam um pretexto para seguir adiante na pesquisa nessa área.

Pré-Sal
Relacionado e inserido no debate da crise energética, encontra-se a fabulosa riqueza recém anunciada pelo Brasil: a descoberta das mega-jazidas de pré-sal. O pré-sal olhado a partir das crises climática, econômica, alimentar e energética é uma porta de saída ou se constitui num agravamento da totalidade da crise, ou ao menos em parte dela?

Em novembro de 2007 o governo anunciou a descoberta de uma mega-jazida de petróleo na Bacia de Santos batizada de Tupi. Esse megacampo é conhecido como pré-sal, uma vez que o petróleo está aprisionado a sete mil metros abaixo da superfície nas entranhas rochosas. Tido como de alta qualidade, o petróleo está enterrado sob dois quilômetros de água, mais dois quilômetros de rocha e, para completar, outros dois quilômetros de crosta de sal – por isso denominado de pré-sal.

Com a descoberta dessas mega-jazidas que podem estar interligada num único campo e envolve algo entre 70 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo, o país que atualmente ocupa o 24º lugar entre as maiores reservas petrolíferas do mundo, poderia passar para o oitavo ou nono lugar, posições hoje ocupadas por Venezuela e Nigéria.

O presidente, lembrando os tempos da campanha ‘O petróleo é nosso’ afirmou que o “Petróleo não pode ficar na mão de meia dúzia” e vem afirmando que os lucros com a exploração do petróleo nas reservas recém-descobertas devem ser usados para “resolver definitivamente os problemas da educação”. O pré-sal é o “passaporte para o futuro”, declarou Lula na cerimônia de lançamento do marco regulatório de exploração do petróleo da camada pré-sal.

Especialistas em energia e meio ambiente levantam dúvidas sobre a escolha do governo brasileiro de investir maciças somas de dinheiro no desenvolvimento de uma fonte energética suja e finita, num momento em que o mundo se esforça para ampliar o uso de fontes limpas e renováveis. Dessa maneira, pode-se lançar mão do trocadilho: “o pré-sal é nosso, mas a sua poluição também”, como destacou o Greenpeace.

Com a descoberta e a possibilidade de exploração de mais energia fóssil não renovável, a tentação de frear os investimentos em energias mais limpas e renováveis não pode ser descartada. “O processo de exploração poderá abafar o nosso comprometimento com a busca e o aprimoramento de energias alternativas, que dependem inteiramente de alta tecnologia. Essa nova realidade influenciará as mais variadas esferas, mas, principalmente, a cabeça de nossos representantes políticos”, analisa o geólogo Jules Marcelo Rosa Soto.

A palavra “contradição” expressa bem o pré-sal. “Esse paradoxo está colocado com muita força. O velho e o novo se digladiam. Existe uma dificuldade de assumir novas posturas e perceber que o século XXI está trazendo demandas importantes, graves, que exigem de gestores públicos, privados e do cidadão a devida atenção, porque são escolhas que precisamos fazer rápido. Estamos promovendo uma escalada de depredação dos recursos naturais que tem custado caro, estamos fazendo do Planeta um lugar hostil”, alerta o ambientalista André Trigueiro.

Por conta disso, o pré-sal pode ser uma bênção ou uma maldição para o Brasil. Pode ajudar a diminuir as desigualdades sociais ou aprofundá-las. Pode representar um impulso para jogar o país no século XXI de energia limpa, ou generalizar ainda mais a matriz energética altamente poluente.

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