Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Os novos desbravadores

Neuza Arbocz 9 de dezembro de 2010 às 10:50h

Apesar das dificuldades técnicas e financeiras, grandes e pequenos empreendedores apostam na economia sustentável

No início da década, o empresário Fábio de Albuquerque comprou 30 mil hectares de floresta intocada em Rondônia para implantar uma operação de exploração sustentável de madeiras. Ele viu uma parte importante dos resultados de sua nova empresa, a Ecolog, consumida pela operação de transporte para a Europa, onde estão seus principais clientes. “Preciso tornar minha operação economicamente rentável, pois é a única forma de manter a floresta em pé”, explica. Segundo Albuquerque, sobram obstáculos estrutu-rais e enfrentados por todos os que querem agir de forma responsável na região, como, por exemplo, contar com mão de obra qualificada. Ele conta que os trabalhadores da região costumam partir sem aviso atrás do sonho do enriquecimento rápido. Basta um boato de descoberta de ouro e gente já capacitada migra para o garimpo.

O mais surpreendente é, porém, a ação de quem deveria apoiar o manejo sustentável da floresta. A fiscalização do Instituto Chico Mendes paralisa as atividades por meses. Uma burocracia calcada no desconhecimento. “As normas utilizadas são baseadas na produção de florestas plantadas. Há espécies nativas que rendem 0,8 para 1,8 metro cúbico de tora serrada e não 1 metro cúbico, como para o eucalipto, por exemplo. Essa diferença é entendida pelo fiscal como desvio de madeira”, esclarece Albuquerque precisa constantemente recorrer de multas altas, comprovando minuciosamente esse diferencial.

Se o manejo madeireiro ainda precisa lutar em um mercado pouco maduro para o consumo responsável, outras atividades encravadas no meio da Amazônia ganham espaço e geram recursos para sua conservação. É o caso da mina de bauxita operada pela Alcoa em Juruti, no oeste do Pará. Próximo de Santarém, e às margens do Rio Amazonas, esse pequeno município de 125 anos, com população de 40 mil habitantes distribuídos em 150 comunidades rurais, poderia ter visto sua cultura e tranquilidade perdidas com a descoberta da maior reserva de bauxita do mundo em suas terras.

Durante todo o tempo de implantação do projeto de mineração, a empresa e a comunidade negociaram os termos para proteger a cultura e a qualidade de vida na região. Cerca de 50 milhões de reais foram utilizados na construção de escolas, unidades básicas de saúde, hospitais, complexo judiciário, sistema de abastecimento de água, pontes, estradas e ações de valorização das pessoas e de seu modo de vida. Os moradores foram envolvidos na construção de planos de manejo comunitários para a produção de mudas nativas, de reordenamento urbano, incentivos à agricultura familiar sustentável e capacitações variadas, conforme os interesses demonstrados. O gerente de meio ambiente da mineradora, Fábio Abdala, conta que a prefeitura de Juruti viu seu orçamento anual saltar de 11 milhões, em 2006, quando se iniciaram as obras da mina, para 100 milhões de reais em 2009, graças aos impostos pagos pela operação e pela dinamização da economia local.

Grandes conglomerados econômicos são parte da realidade e do desenvolvimento da Amazônia. O Orsa, herdeiro das operações do Projeto Jari, que se implantou na região na década de 1970, atua em 1,32 milhão de hectares, dos quais 120 mil estão ocupados com florestas plantadas para a produção de -celulose e outros 545 mil são dedicados ao manejo sustentável certificado. Segundo Sérgio Amoroso, presidente do grupo, a empresa atua para construir oportunidades e estabelecer parcerias com os moradores da floresta. “Queremos construir renda sem derrubar árvores.” Segundo Amoroso, a renda média familiar na região passou de 100 para 1,1 mil reais mensais na última década.

A Vale também aponta acertos com sua atuação em rede com governo e entidades locais. Sua principal operação na Amazônia é em Carajás, no sul do Pará, de onde escoa por ferrovia até o Porto de São Luís, no Maranhão, uma parte importante de sua produção de ferro. O projeto mais ambicioso que a empresa toca nessa região é a construção de uma siderúrgica em Marabá, com investimento de 5 bi-lhões de reais. Com isso, parte do minério explorado em Carajás será transformada em aço, tanto para exportação quanto para abastecer o crescimento da própria Amazônia. Durante as obras, serão criados 16 mil postos de trabalho. Depois de pronta, terá 5 mil empregos diretos.

Para reforçar sua ação nas comunidades e minimizar o impacto de suas operações para os ribeirinhos e as comunidades tradicionais, a empresa anunciou no início deste ano o Fundo Vale, com mais de 50 milhões de reais em caixa para o financiamento de projetos. Entre os principais parceiros estão o Instituto Floresta Tropical (IIFT), Ins-tituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto Peabiru, Instituto Socioambiental (ISA) e The Nature Conservancy (TNC). Essas organizações tinham projetos financiados, no valor de 7 milhões de reais, desde 2009, mas ainda sem divulgação por parte da empresa. “Com o fundo, olhamos para a Amazônia como um todo e não apenas onde a empresa está”, esclarece Mirela Sandrini, gerente do organismo.

A capacidade de produção de biomassas industriais, como a celulose, ou dos mais diversos minérios, é apenas uma parte do potencial da Amazônia. A floresta guarda segredos e produtos da biodiversidade. Muitos alimentam cadeias de valor na área de cosméticos e biotecnologias. Há elementos com usos em grande escala, como as 150 mil toneladas/ano de óleo de palma produzidas em 39 mil hectares de plantações no nordeste do Pará pela Agropalma, até o delicado trabalho das mulheres fundadoras da Associação Viva Verde da Amazônia (Avive), em Silves, a 340 quilômetros de Manaus, onde elas produzem óleos, velas e sabo-netes artesanalmente, a partir de resinas, galhos, folhas e sementes, sem derrubar um pé de árvore sequer.

Mas há uma demanda acima da capacidade de oferta. “Os clientes querem comprar quantidades muito grandes e não entendem que a produção sustentável é limitada, dependendo de levantamentos do recurso natural, métodos responsáveis para seu manejo, tempo de safra e influências climáticas, entre outras variáveis”, explica Barbara Schmal, representante da iniciativa, selecionada pela União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) para receber a certificação FairWild, ofere-cida para projetos que fazem o manejo sustentável para a produção florestal.

Entre 1950 e 1970, a região de Silves foi uma importante fornecedora de pau-rosa (Aniba roseadora ducke), base para um dos perfumes mais famosos do mundo, o Chanel nº 5. Cortada sem inventário ou planejamento, essa árvore foi extinta na região, levando à falência as duas empresas que faziam a extração do pau-rosa. A Avive atua para preservar os conhecimentos tradicionais, espécies ameaçadas de extinção e recuperar as que desapareceram por meio de viveiros de mudas e um trabalho intenso de educação ambiental, além de completar a renda das famílias locais com a produção de velas, sabonetes e óleos florestais

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