Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Brasil é dono de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo industrializado e se encontra em posição privilegiada

Parque Eólico Osório O combate às mudanças climáticas cria um cenário para o desenvolvimento sustentável no Brasil. Ao combinar crescimento e o uso racional dos recursos naturais para enfrentar o aquecimento global, o País pode tornar-se uma das principais potências verdes do século 21.

Enquanto a maioria das nações desenvolvidas e países emergentes depende fortemente da queima de combustíveis fósseis, o Brasil é dono de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo industrializado e se encontra em posição privilegiada para sair na frente na transição para uma economia de baixo carbono.

Para isso, porém, tem a missão dupla de superar obstáculos no combate ao desmatamento enquanto busca caminhos para um crescimento econômico sustentável.

“Temos o desafio de reduzir emissões e ao mesmo tempo garantir que a população mais pobre tenha um aumento na qualidade de vida. Não podemos abrir mão disso”, afirmou o secretário-geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa.

O plano estabelece uma série de iniciativas integradas voltadas para a redução de emissões nos principais setores da economia brasileira, além de oferecer alternativas para o desenvolvimento sustentável. As medidas vão desde o aumento do uso de etanol na próxima década à substituição de geladeiras ineficientes e a duplicação da área de floresta plantada no País. O documento chamou a atenção da comunidade internacional por estabelecer, pela primeira vez, metas domésticas de redução do desmatamento na Amazônia. Segundo o último inventário do Ministério da Ciência e Tecnologia, cerca de 75% das emissões brasileiras são resultado de processos de mudança do uso do solo, o que inclui desmatamento, incêndios florestais e degradação da vegetação nativa.

Discursando na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2009, em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a ampliação das metas, propondo uma redução de 80% do desmatamento até 2020, por consequência evitando a emissão de 4,8 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. "O que representa mais do que a soma dos compromissos de todos os países desenvolvidos juntos", disse.

O plano constitui uma das principais ferramentas para que o Brasil alcance os compromissos voluntários de redução de gases do efeito estufa entre 36,1% e 38,9%, apresentados pelos negociadores brasileiros na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, realizada em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro de 2009. O cumprimento dessas metas passará pela intensificação e aperfeiçoamento do trabalho de monitoramento e fiscalização da floresta e de outros biomas nacionais, somado à regularização fundiária e incentivo a atividades sustentáveis. O conjunto dessas medidas compõe o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que já tem apresentado resultados históricos na proteção do ambiente.

Em 2009, o Brasil registrou a menor taxa de desmatamento dos últimos 20 anos, estimada em cerca de 7 mil quilômetros quadrados, o que deve refletir positivamente no balanço de emissões de gases do efeito estufa. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a queda do desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2008 fez com que o País evitasse a emissão de 2 bilhões de toneladas de CO2 – volume maior do que um ano inteiro de emissões dos grandes poluidores, como o Japão.

O esforço de combate ao desmatamento ilegal começa a mais de 700 km de altura, na órbita terrestre, quando os satélites Terra e Aqua enviam, a cada dois dias, imagens da Amazônia ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos. Uma equipe de cartógrafos faz o georreferenciamento das imagens, o que permite aos pesquisadores mapear os pontos do território onde desmatamento está avançando ou locais onde surgem novos focos de derrubadas.

O sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) consegue identificar com rapidez as atividades de desflorestamento e degradação em áreas acima de 25 hectares e alertar os agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a tempo para a estruturação de ações de fiscalização. “Usamos a tecnologia para reduzir a impunidade”, disse o pesquisador Dalton Valeriano, há seis anos responsável pelo programa do Inpe para o monitoramento por satélite da Amazônia brasileira. “Antes disso, a fiscalização do Ibama funcionava à base de denúncias. Eles precisavam esperar o telefone tocar para poder agir e agora as imagens dos satélites funcionam como um suporte à fiscalização", afirmou.

As informações do Deter aumentam as chances de sucesso das operações do Ibama, que projetou para 2009 mais de 300 ações de fiscalização – 50% maior que o número de ações realizadas no ano anterior. Na mira dos satélites e dos fiscais, estão as derrubadas e queimadas para transformar a floresta em áreas de pasto para a pecuária.

“Hoje existem cerca de 80 milhões de cabeças de gado na região amazônica. Grande parte do desmatamento é resultado disso”, disse o coordenador de fiscalização do Ibama, Bruno Barbosa. De acordo com relatório da organização não governamental (ONG) Greenpeace, a expansão da pecuária na Amazônia teria sido responsável por 80% do desmatamento registrado na região entre 1996 e 2006.

Um exemplo é a Operação Boi Pirata II, estruturada a partir dos sucessivos alertas do Deter para o aumento do desflorestamento no leste do Pará. As imagens de satélite haviam registrado, até agosto, o corte de uma área de cerca de 300 km2 de floresta, concentrados na região de Novo Progresso – primeiro lugar no ranking dos municípios que mais desmatam no País.

A partir daí, a fiscalização apertou o cerco aos desmatadores na região da BR-163 e abriu processos para a retirada de mais de 20 mil cabeças de gado da Floresta Nacional do Jamanxim, resultando no embargo de 35 mil hectares de terra, aplicação de mais de R$ 120 milhões em multas e na apreensão de motosserras e maquinário. “Nossa tática é a dissuasão. Se um cara perde 500 mil reais em bois apreendidos, os vizinhos são desestimulados a desmatar. Isso tem influenciado o comportamento de toda a região”, afirmou Batista.

O cerco ao gado ilegal também foi reforçado pela atuação do Ministério Público (MP) e de instituições da sociedade civil, que denunciaram a ligação entre o desmatamento e o crescimento da indústria da pecuária na Amazônia. Como resultado, grandes empresas de varejo – como Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart – passaram a vender apenas produtos que comprovadamente não estejam ligados ao desmatamento ilegal. Mais recentemente, os quatro maiores frigoríficos do País também assumiram compromisso público para suspender a compra de carne sem origem especificada, cadastrar as fazendas fornecedoras e monitorar o desmatamento ao longo da cadeia produtiva.

O movimento dos pecuaristas segue os passos da indústria da soja, que entrou em acordo com o governo federal e ambientalistas para deixar de comprar o grão plantado em áreas desmatadas da Amazônia depois de julho de 2006. O compromisso, que inclui o monitoramento por satélite e sobrevoos sobre a região, foi renovado até julho de 2010.

Além da preocupação com a expansão da pecuária e da soja na região amazônica, o governo também agiu para impedir a derrubada da floresta para o cultivo de cana-de-açúcar. O projeto de zoneamento agroecológio da cana apresentado em setembro de 2009, também previsto pelo Plano Nacional sobre Mudanças do Clima, proíbe a produção e a instalação de usinas nas áreas de vegetação nativa na Amazônia, Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai.

As novas regras passam a privilegiar o plantio em áreas de baixa declividade para permitir a substituição das queimadas pela colheita mecânica – o que também resultará na redução de emissões. “Com esse plano, nosso etanol será 100% verde”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante o lançamento do zoneamento.

Manejo sustentável
A tarefa de proteger a Amazônia traduz-se em uma equação complexa, que soma o trabalho de monitoramento e fiscalização à necessidade de desenvolvimento de uma região onde vivem 25 milhões de pessoas. Para manter a floresta em pé, o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima também inclui o estímulo a iniciativas que ofereçam alternativas sustentáveis para quem depende da natureza para sobreviver.

“Precisamos criar condições para que as pessoas que vivem lá tenham renda e não entreguem tudo para madeireiras e fazendeiros. Destruir a floresta não pode ser um bom negócio”, disse a secretária nacional de mudanças climáticas, Suzana Kahn. Essa é uma lição que está na ponta da língua das famílias que vivem nas 29 comunidades da Floresta Nacional do Tapajós, localizada a 80 km ao leste de Santarém, no Pará. Há quatro anos, elas estão envolvidas em um projeto de manejo sustentável que transformou a realidade local, aumentou a renda e a qualidade de vida das comunidades.

Moradores das comunidades passaram por uma série de cursos e workshops para aprender técnicas de manejo sustentável que possibilitam que a área seja explorada com mínimo de impacto durante um período de 30 anos. “Se o manejo é feito de forma correta, você tem madeira por muitos anos. Seus filhos e netos vão poder se beneficiar da floresta”, disse Jeremias Gonçalves Batista, 23 anos, morador da comunidade de Pedreira e um dos coordenadores do projeto.

O trabalho tem trazido benefícios duplos para a floresta e para os moradores das comunidades. A cada ano, eles organizam leilões para vender a madeira extraída de maneira sustentável. Apenas em 2009, conseguiram arrecadar R$ 3,9 milhões pela comercialização de cerca de 20 mil metros cúbicos em toras para madeireiras da região.

“Tinha gente que era muito carente, não tinha como ter uma renda. Hoje em dia todo mundo vive bem”, afirmou a manejadora Cláudia Peres de Souza, 25 anos, que iniciou a construção de uma casa própria depois de começar a trabalhar no Ambé.

De acordo com Sérgio Pimentel, presidente da cooperativa responsável pelo projeto, a renda dos associados mais do que dobrou nos últimos quatro anos. Ele testemunhou a chegada da soja aos limites da floresta, bem visível nos campos a poucos metros da BR-163, mas também viu sua vida se transformar por valorizar a mata em que vive.

Antes da chegada da cooperativa, Pimentel dependia do roçado para viver com a mulher e os quatro filhos na comunidade de Tauari, às margens do Tapajós. O que sobrava da colheita de mandioca era transformado em farinha para ser vendida e garantir o açúcar, café e roupas para a família pelos próximos seis meses.

Pimentel conta que, hoje, com o trabalho de manejo, ele chega a receber mais de R$ 1 mil por mês – praticamente a mesma quantia obtida com a venda de 25 sacas de farinha no fim de uma safra inteira. Protegendo a floresta, ele conseguiu construir uma casa de alvenaria, comprar a primeira geladeira e um computador para a filha de 12 anos, que quer ser engenheira florestal. “Hoje a gente mostra que é possível trabalhar e viver melhor sem destruir”, disse Pimentel.

Parte dos recursos arrecadados nos leilões também é investida de acordo com a necessidade das comunidades e já propiciaram, por exemplo, a reforma de uma estrada que liga as vilas mais isoladas à rodovia principal. Está nos planos da cooperativa a construção de um telecentro com internet para auxiliar na educação dos filhos dos manejadores e um viveiro que fornecerá mudas para recuperação de áreas degradadas. O sucesso dos projetos de manejo na Flona do Tapajós já corre o mundo e recentemente tem atraído visitantes ilustres como o Príncipe Charles e o primeiro-ministro da Noruega, Jens Stoltenberg, que vieram ver como funcionam as iniciativas que contribuem para manter a floresta em pé.

Segundo Manuella Souza, especialista do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade, o Projeto Ambé tem apresentado os resultados mais expressivos da Floresta Nacional do Tapajós, mas outras iniciativas sustentáveis já começam a surgir na região, como o ecoturismo e a produção e venda do couro ecológico, feito a partir da extração do látex. “Não adianta a gente chegar lá dentro e dizer que não pode desmatar a floresta. É preciso apresentar uma alternativa”, disse Manuella.

Energia
Além da proteção às florestas, outro foco do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima está no controle das emissões do setor energético. Dados preliminares divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente mostram que, em pouco mais de uma década, a contribuição conjunta dos setores da indústria e de energia subiu de 18% para 28% do total de emissões brasileiras de gases do efeito estufa. Entre 1994 e 2007, as emissões das usinas termelétricas – consideradas fontes sujas de energia – mais que dobraram, passando de 10,8 milhões para 24 milhões de toneladas de CO2, de acordo com a pesquisa.

Apesar disso, o Brasil ainda se encontra em uma posição bastante confortável em relação ao resto do mundo. Dados recentes mostram que 45,9% da energia produzida no País vêm de fontes limpas, enquanto a média mundial é de cerca de 13%. A situação é ainda pior nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), onde a participação das renováveis está abaixo dos 7%.

“Hoje somos exemplo e essa é nossa vantagem competitiva. O esforço é para manter a alta participação de energia limpa em nossa matriz”, afirmou a coordenadora de Sustentabilidade Ambiental do Ministério de Minas e Energia, Samira Sana. Entre os principais trunfos para redução de emissões está o etanol, fruto da tecnologia nacional que já abastece os carros brasileiros há 30 anos. O Ministério de Minas e Energia calcula que, nas três décadas, a substituição da gasolina pelo álcool combustível tenha resultado na redução de 800 milhões de toneladas de CO2.

O Plano Nacional sobre Mudanças do Clima prevê um aumento médio anual de 11% na utilização do etanol, elevando a produção de 25,6 bilhões de litros em 2008 para 53,2 bilhões em 2017, reduzindo as emissões de cerca de 500 milhões de toneladas de CO2 no período. Da mesma maneira, o aproveitamento do potencial do biodiesel também faz parte do plano brasileiro para o clima. O aumento na proporção do biodiesel no diesel, obrigatória desde o início de 2008, teve o cronograma acelerado. O B4 (adição 4% de biodiesel) estava previsto apenas para 2011, mas já está movimentando motores brasileiros desde julho de 2009, enquanto o B5, inicialmente programado para 2013, deve chegar ao mercado nos primeiros meses de 2010.

Pelas contas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o aumento do teor de biodiesel deve gerar uma economia de cerca de US$ 940 milhões ao ano, resultado da redução de importação do diesel. Em carbono, a medida significa um corte de 1 milhão de toneladas.

Outra frente de ação parte da experiência positiva do Programa de Incentivo às Fontes de Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que em 2005 abriu o mercado de geração brasileiro para as Pequenas Centrais Hidrelétricas, parques eólicos e usinas de biomassa.

Com investimentos de R$ 11 bilhões, o Proinfa contratou 144 projetos espalhados pelo Brasil com capacidade instalada para gerar 12 mil GWh/ano, o suficiente para alimentar cerca de 7,9 milhões de residências com energia limpa. Segundo a Eletrobras, o programa possibilita a redução de 3 milhões de toneladas de CO2 a cada ano, uma vez que evita a construção de termelétricas.

O Grupo Ventos do Sul aproveitou as condições do Proinfa para construir o Parque Eólico de Osório, no Rio Grande do Sul, o maior da América Latina. Com 75 turbinas, tem capacidade instalada de 150 MW, o suficiente para atender o consumo residencial de 700 mil pessoas, metade da população de Porto Alegre. Desde junho de 2006, quando entrou em operação, o parque já evitou a emissão de 450 mil toneladas de carbono, de acordo com a empresa.

O Parque Eólico de Osório representa apenas um começo dos investimentos. O potencial de geração elétrica eólica nacionalmente chega a 143 GW, cerca de 35% maior que a capacidade de produção de energia elétrica no País, que hoje é de 106 GW.

No combate às mudanças do clima, o problema do lixo também pode virar solução, a exemplo do que ocorre em aterros sanitários como o Bandeirantes e o São João, na região metropolitana de São Paulo.

O metano produzido pelas mais de 60 milhões de toneladas de material orgânico em decomposição é transformado em 370 mil MWh/ano de energia, o suficiente para alimentar uma cidade de 700 mil pessoas. O gás é sugado por tubos no subsolo até uma usina instalada nas proximidades de cada aterro. O metano movimenta uma série de geradores e se transforma em energia que é jogada na rede de distribuição.

“Com isso a gente consegue aproveitar uma energia que antes era simplesmente jogada fora, além de resolver o problema do mau cheiro”, disse Antônio Carlos Delbin, diretor técnico da Biogás, empresa responsável pela operação das usinas nos aterros.

Segundo Delbin, o aproveitamento do metano nos dois aterros resultou na redução de 3,5 milhões de toneladas de CO2 em três anos. Em 2008, parte desses créditos foi leiloada, rendendo R$ 37 milhões.

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