Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

O FMI na Europa /// Estadão

O Fundo pode não dispor de recursos para lidar com a próxima crise que virá, e pode ocorrer numa região inesperada, como o Japão ou a China

03 de abril de 2010
0h 00
Kenneth Rogoff - O Estado de S.Paulo

Project Syndicate

Agora que o Fundo Monetário Internacional desempenha um papel central nos planos de resgate para a Grécia elaborados pela zona do euro, o credor multilateral volta ao seu ponto de partida. Nos seus primeiros dias, após a 2.ª Guerra Mundial, a principal tarefa do FMI era ajudar a Europa a emergir do flagelo da guerra. Naquela época, o Fundo desenvolvia vários programas em todo o continente (como ilustrado por Rong Qian, Carmen Reinhart e eu numa nova pesquisa sobre a "superação" das crises de endividamento soberano). Mas, até o início da crise financeira, a maioria dos europeus acreditava que os países do continente eram ricos demais para um dia enfrentar a humilhação de recorrer ao FMI em busca de assistência financeira.

Bem-vindos a uma nova era. A Europa se tornou o marco zero da maior expansão dos empréstimos e da influência do FMI em anos. Vários grandes países do Leste Europeu, como Hungria, Romênia e Ucrânia, já contam com substanciais programas de empréstimo do FMI. Agora, os países da zona do euro decidiram que o Fundo pode prestar auxílio à Grécia e, presume-se, também a Portugal, Espanha, Itália e Irlanda, caso necessário.

O ressurgimento pelo qual o FMI passou no ano passado é de tirar o fôlego. Castrado pela retórica populista durante a crise de endividamento da Ásia no fim dos anos 1990, o Fundo enfrentou dificuldade para ancorar novamente suas medidas e reconstruir sua imagem. Quando o francês Dominique Strauss-Kahn assumiu o comando no segundo semestre de 2007, até países pobres da África recusavam o auxílio do FMI como se este fosse uma doença contagiosa, preferindo estabelecer acordos com credores menos tradicionais, como a China. Na ausência de novos negócios e novos acordos, o Fundo enfrentou rigorosos cortes para garantir a própria sobrevivência.

É impressionante como uma crise financeira pode fazer diferença. Agora o FMI subiu o Monte Olimpo. Em abril de 2009, os líderes do G-20 aprovaram a quadruplicação da capacidade de empréstimos do Fundo. O aumento pode ter sido exagerado pelo calor do momento, mas parte considerável do dinheiro parece ter se materializado. Para a Europa, a ajuda chega bem a tempo.

Será que a entrada do FMI na Europa representa o início da solução das preocupações com o impressionante endividamento da região? Longe disso.

Exigências.
O Fundo não concede presentes; oferece empréstimos intermediários para dar a países falidos o tempo necessário para resolver seus problemas orçamentários. Apesar de normalmente os países conseguirem escapar do endividamento pelo crescimento, como ocorreu com a China em sua crise bancária da década de 1990, os países falidos costumam enfrentar uma dolorosa aritmética em seus orçamentos. Fugindo das moratórias e da inflação, a maioria dos países é obrigada a aceitar grandes aumentos em seus impostos e agudos cortes em seus gastos, o que muitas vezes pode ser o estopim de uma recessão, ou um fator de aprofundamento de uma recessão já existente.

Para sermos justos, a reputação do Fundo como órgão que impõe austeridade é, em grande parte, uma ilusão. Os países costumam recorrer ao FMI somente quando são abandonados pelos mercados de capital, e enfrentam medidas sufocantes não importa para que lado se voltem. Os países que procuram a ajuda do FMI o fazem porque esta solução é menos dolorosa do que recorrer aos mercados particulares.

Mas a cortesia é relativa. Em meio a uma recessão, será muito difícil - não apenas para a Grécia, mas para todos os demais países europeus em posição frágil - ajustar as políticas fiscais sem correr o risco de entrar numa espiral cada vez mais profunda. Dito de maneira simples, ninguém quer ser o próximo grande solicitante a bater na porta do FMI.

E a chegada do FMI não significa que os detentores de obrigações foram salvos. Conforme documentado por Qian, Carmen e eu, houve numerosos casos de países que entraram em programas do FMI e ainda assim acabaram declarando moratória. O caso mais famosos é o da Argentina em 2002, mas entre outros exemplos temos Indonésia, Uruguai e República Dominicana.

O resultado pode ser o mesmo para muitos países europeus. A Ucrânia já está passando por dificuldades. Mas, em sua maior parte, o processo de moratória soberana é como uma peça de teatro japonês em câmera lenta.

Por que um país optaria pela moratória enquanto encontrar benfeitores ricos dispostos a emprestar-lhe dinheiro para preservar a ilusão de normalidade? Os mercados de obrigações são facilmente aplacados.

Para o FMI, há muito em jogo na Europa. O processo de equilíbrio não será fácil. Se o Fundo associar a seus empréstimos condições rigorosas ao estilo alemão, correrá o risco de provocar um confronto imediato e a moratória. Este é o último resultado que o Fundo deseja ver. Até o momento, o FMI foi brando com o Leste Europeu, apoiando programas que dependem de projeções otimistas em relação aos futuros cortes no orçamento e ao crescimento econômico.

O problema de se fazer o papel de bonzinho por muito tempo é que, mesmo com seus vastos recursos, o FMI não pode permitir que seus clientes dependam dele eternamente. Caso deixe que isto aconteça, pode ser que o Fundo não disponha de recursos para lidar com a próxima crise, que virá inevitavelmente, e pode ocorrer numa região inesperada, como o Japão ou a China.

Além disso, se o Fundo perder toda a credibilidade para catalisar reformas orçamentárias, seus resgates magnânimos servirão apenas para exacerbar a crise mais ampla de endividamento soberano que está se formando não apenas na Europa, mas também nos Estados Unidos, no Japão e em outros países. Crescimento lento, populações cada vez mais velhas e déficits exorbitantes formam uma mistura perigosa.

A pergunta para o FMI na Europa não é se o Fundo tem um plano viável para entrar no continente. O FMI chegou com toda a força. A questão é: será que ele tem uma estratégia de saída plausível? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Professor da Universidade Harvard e ex-economista-chefe do FMI

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