qui, 28/01/10por m.allegretti
Recebi agora há pouco a mensagem que transcrevo a seguir e o manifesto que publico logo abaixo. Todos já sabem da existência de índios isolados na área da hidrelétrica Jirau desde que a licença ambiental começou a ser questionada publicamente. Mas é inacreditável que essa delicada situação não tenha merecido atenção e encaminhamento adequados, como mostra a carta escrita ao Presidente Lula. Parece que estou lendo um relato daqueles tempos da BR 364, da década de 70, sobre os quais falarei aos meus alunos aqui da Universidade da Flórida em algumas semanas. O que vou dizer a eles – que o governo brasileiro se envergonha de ser um dos únicos países do mundo a abrigar em seu território sociedades totalmente desconhecidas; que não se importa, que não cuida, que não tem nada a aprender. Quisera eu viver em um país que, diante de existência de sinais de grupos em isolamento, pararia as obras e criaria condições de existência a uma sociedade que sequer pode mostrar sua face.
E eles vão me perguntar, certamente: “e quem será responsabilizado por este genocídio?” E eu vou ficar constrangida ao responder.
“Prezada Sra Mary Alegretti,
Em relação aos impactos da hidrelétrica de Jirau, indigenistas ligados a atuação junto a índios isolados e de recente contato lançaram no início do ano um alerta de genocídio na forma de ABAIXO ASSINADO ONLINE http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/5450
, conclamando a sociedade para exigirmos do Estado a atenção devida à questão dos isolados em Rondônia. Enquanto o último sobrevivente de uma etnia massacrada, o chamado “Homem do Buraco” é caçado por pistoleiros e os últimos Akuntsú estão ameaçados por cardiopatias graves, os grandes projetos simplesmente ignoram dezenas de registros , inclusive oficiais (da FUNAI) de grupos remanescentes de etnias sem contato regular com a sociedade envolvente, que podem ser exterminados com o adensamento de contatos não controlados provocados por tais ‘construções”, além de terem seus últimos refúgios devassados e destruídos. A imprensa comentou o abaixo-assinado como uma “carta de protesto” (Folha Online, Amazônia.org e outros), mas é importante divulgar que trata-se de um documento online ainda em aberto, o que permite a adesão de todas as pessoas igualmente indignadas com a situação crítica de ameaça que as grandes obras de infraestrutura provocam sobre os povos indígenas isolados e seus últimos nichos de sobrevivência. Entre centenas de populares e profissionais ligados ao indigenismo, signatários eminentes, como os bispos D.Pedro Casaldáliga e D.Erwin Krautler, a antropóloga e economista Betty Mindlin , o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto e o fotógrafo Sebastião Salgado, entre outros, apoiam o manifesto: http://www.abaixoassinado.org/assinaturas/abaixoassinado/5450?show=500
Apelamos pela divulgação: apenas a voz da sociedade civil pode se expressar pela voz inaudível e proscrita dos ‘povos invisíveis’!
Saudações Indigenistas,
Rosa Cartagenes – AMAZOÉ-Apoio Mobilizado ao Povo Zo’é e Outras Etnias- http://www.amazoe.org.br/
Abaixo-Assinado (#5450): ÍNDIOS ISOLADOS EM RONDÔNIA E NO BRASIL: ALERTA DE GENOCÍDIO:Destinatário: Presidente do Brasil, Ministro da Justiça e Ministério Público Federal
ÍNDIOS ISOLADOS EM RONDÔNIA E NO BRASIL: ALERTA DE GENOCÍDIO
Exmo Senhor Luís Inácio Lula da Silva, Presidente da República Federativa do Brasil
Exmo Senhor Tarso Genro, Ministro da Justiça do Brasil
Exmos. Senhores Procuradores do Ministério Público Federal –Procuradoria Geral da República – 6ª Câmara de Coordenação e Revisão/Índios e Minorias, e MPF do Estado de Rondônia
Nós, indivíduos e agentes sociais de diversas áreas de atuação, cidadãos brasileiros e do mundo envolvidos e comprometidos com os direitos humanos e das minorias étnicas, tanto da proteção de suas vidas físicas quanto da continuidade de seu patrimônio ambiental, cultural, social e imaterial, manifestamos aqui nosso clamor e profunda preocupação quanto às críticas condições de sobrevivência dos povos indígenas em isolamento voluntário e recentemente contatados no Brasil, em especial àqueles remanescentes no Estado de Rondônia, Amazônia Brasileira.
Por seu distanciamento da sociedade majoritária e ausência de voz nos fóruns de discussões públicas e políticas, tais povos subsistem em condições de tamanha invisibilidade social, que os torna vítimas preferenciais de uma série de ações deletérias levadas a cabo pelas vorazes frentes de expansão, sobretudo em território amazônico. A grande mobilidade à qual estes pequenos grupamentos humanos foram obrigados ao longo de décadas ou séculos, ocultando-se e camuflando-se como única via de sobrevivência, tem repetidamente sido argumento dos invasores dos territórios indígenas da “inexistência” ou “implante de índios”, sobretudo daqueles que se beneficiaram de titulações governamentais nos idos das décadas de 70/80 – justamente o período em que as ações genocidas sobre tais povos demonstraram-se mais sanguinárias no Estado de Rondônia. À época, a perspectiva desenvolvimentista da Amazônia como uma “terra sem homens”, para a qual seria necessário alocar “homens sem terra”, ignorando a milenar presença indígena, promoveu a ocupação ilegal e grilagem por parte de latifundiários e exploradores egressos em sua maioria do centro-sul do país, que rapidamente subverteram a lógica do assentamento de trabalhadores rurais trasladados pelo estímulo oficial. Concomitantemente, realizaram uma brutal “limpeza territorial e étnica” através de repetidas chacinas sobre inúmeros povos indígenas nativos. Métodos facínoras com requintes de crueldade, como o incêndio de aldeias, derrubada de moradias com tratores de esteira, envenenamento com raticida misturado à alimentos ofertados, escravismo e abusos sexuais, execuções sumárias por armas de fogo, caçadas humanas e torturas de todo tipo são resguardados por testemunhos silenciados pelo medo e pela memória dos últimos sobreviventes de etnias indígenas recentemente contatadas em Rondônia. Para nossa vergonha e espanto, não são fatos remotos, e sim eventos históricos registrados nas últimas décadas, quando deveria o Brasil vivenciar o pleno estado democrático de direito!
Recentemente, o último sobrevivente conhecido de uma etnia massacrada em Rondônia, denominado como “Índio do Buraco”, sofreu atentado à bala por pistoleiros, apesar de protegido legalmente pela interdição federal da “Terra Indígena Tanarú”(municípios de Corumbiara, Chupinguaia, Parecis e Pimenteiras do Oeste-RO), e monitorado por equipe local da Coordenação Geral de Índios Isolados, da FUNAI. O posto local da FUNAI foi atacado e teve seus parcos equipamentos destruídos, exemplificando a ação intimidatória criminosa que a impunidade vigente permite aos mandatários regionais. Não distante dali, na Terra Indígena Omerê, os últimos Akuntsú e Kanoê, etnias as quais, somadas, restam apenas oito sobreviventes, além de terem suas terras invadidas, têm apresentado graves deficiências de saúde que podem inviabilizar sua sobrevivência imediata , o que exige ação urgente e assistência modelar por parte do Estado Brasileiro.
É necessário reafirmar que constam evidências ou informes da existência de diversos povos indígenas isolados no Estado de Rondônia: Povo Isolado da cabeceira do rio Formoso; Povo Isolado do rio Candeias; Povo Isolado do rio Karipuninha; Povo Isolado do rio Jaci-Paraná; Povo Isolado do rio Jacundá; Povo Isolado das cabeceiras dos rios Marmelo e Maicizinho; Povo Isolado do rio Novo e Cachoeira do rio Pacaas Novas; Povo Isolado da Rebio Jaru; Povo Isolado da Serra da Cutia; Povo Isolado do Parque Estadual de Corumbiara; Povo Isolado do chamado “Índio do Buraco”, quase extinto no rio Tanarú. Há registros do povo isolado conhecido por JURUREÍ há menos de 5 km do trecho de pavimentação previsto da BR 429 , e relatórios internos da FUNAI indicam pelo menos cinco grupos de índios isolados na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira. A Terra Indígena Massaco, também habitada por índígenas não-contatados, é igualmente território ameaçado por invasões e conflitos fundiários que podem se traduzir em genocídio iminente.
É intolerável à sociedade e ao Estado Brasileiro compactuarem ou demonstrarem-se omissos diante do flagrante descaso, opressão e genocídio expresso em pleno século XXI, que tem se configurado sobre os últimos povos nativos livres em território nacional. Tais povos, independentemente de sua fragilidade demográfica – fruto de séculos de extermínio silencioso no país – são parte crucial da matriz cultural, social e humana da nação brasileira. São sobreviventes meritórios de nossa resistência nativa, e constituem-se em patrimônio humano, biológico, cultural, histórico e espiritual do povo brasileiro e da Humanidade. Têm tido seus direitos mais elementares, sobretudo à vida, vilipendiados e ignorados ao longo da história de brutalidade pretensamente civilizatória na ocupação territorial do Brasil.
Reivindicamos aos últimos povos nativos livres no Brasil o direito de VIVEREM EM PAZ, sob a PROTEÇÃO EFETIVA DO ESTADO e do modo que sua perspectiva humana lhes indique que seja a FORMA DIGNA DE CONTINUAR A VIVER. É inaceitável que, ainda que juridicamente protegidos pelo Estado, os povos indígenas em isolamento no Brasil subsistam ignorados pelos investimentos desenvolvimentistas, pressionados e executados pela exploração desmedida dos últimos nichos preservados de suas florestas e vitimados, ainda, pelos mais torpes métodos de extermínio que a impunidade estimula.
-PELO COMPROMISSO DO ESTADO BRASILEIRO COM A SALVAGUARDA PÚBLICA , PROTEÇÃO ESPECIAL E DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS ÉTNICOS, SOCIOCULTURAIS, TERRITORIAIS E À VIDA DOS POVOS INDÍGENAS EM ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO E RECENTEMENTE CONTATADOS NO BRASIL.
-PELA URGENTE REGULARIZAÇÃO E DESINTRUSÃO DA TERRA INDÍGENA TANARÚ (RO), COM EFETIVA PROTEÇÃO AO ÚLTIMO REMANESCENTE DO POVO DO CHAMADO “HOMEM DO BURACO”, BEM COMO PUNIÇÃO LEGAL DOS RESPONSÁVEIS POR AÇÕES INTIMIDATÓRIAS E CRIMINOSAS NA TERRA INDÍGENA TANARÚ.
- POR UMA ATENÇÃO MÉDICA DIFERENCIADA, URGENTE , EFICIENTE E ADEQUADA ÀS NECESSIDADES CRÍTICAS DOS ÚLTIMOS AKUNTSÚ E KANOÊ NA TERRA INDÍGENA RIO OMERÊ (RO), E TOTAL DESINTRUSÃO DE SUAS TERRAS.
- PELA URGENTE REAVALIAÇÃO E CONSIDERAÇÃO DE FATO DA PRESENÇA INDÍGENA DE GRUPOS AUTÔNOMOS EM ISOLAMENTO NAS ÁREAS AFETADAS POR OBRAS GOVERNAMENTAIS DE INFRAESTRUTURA, TAIS COMO RODOVIAS INTERESTADUAIS E TRANSNACIONAIS, BARRAGENS HIDRELÉTRICAS, HIDROVIAS E OUTROS PROJETOS DE ALTO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL, COMO A RODOVIA BR 429 E AS USINAS HIDRELÉTRICAS NA BACIA DO RIO MADEIRA, ENTRE OUTROS.
A sociedade civil espera do Estado Brasileiro atitudes à altura da urgência e importância social e política na proteção à sobrevivência e continuidade dos últimos povos indígenas autônomos no Brasil, bem como a conservação e proteção de seus territórios, esteio de suas vidas e de suas possibilidades de futuro.
Mui atenciosamente,
Seguem 366 subscrições.
Coloque a sua assinatura agora também!
Nenhum comentário:
Postar um comentário