Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação
25-Mar-2010
Entrevista originalmente publicada no Correio da Cidadania
Em meio aos descaminhos nos setores econômicos mais proeminentes da nação saltando à vista, regados a obscuras negociações e consolidações monopólicas, o engenheiro e ex-diretor de Petróleo e Gás da Petrobras na gestão de Lula até 2007, Ildo Sauer, concedeu entrevista exclusiva ao Correio da Cidadania sobre o setor elétrico. Sauer não poupa nenhum ente governamental nos recentes e seqüentes apagões que temos vivenciado. Ildo atribui ao atual governo sérias responsabilidades pelo que considera uma má gestão do setor, com graves conseqüências para as empresas estatais, a cada dia mais descapitalizadas, na medida em que são utilizadas indevidamente por um modelo que beneficia grandes consumidores e as distribuidoras privadas. A eventual retomada da Eletrobrás seria apenas outro capítulo de uma estatal entrando como sócia minoritária em um negócio regido por atores privados.
Sauer aponta a ex-ministra de Minas de Energia do governo Lula Dilma Roussef como a maestra de grande parte do que seria uma ‘concertação’ de interesses do setor (obreiros e especuladores) em total desfavor dos consumidores, que pagam tarifas dentre as mais altas no mundo. Por conta de tal ‘conluio’, o professor desacredita também o Plano Nacional de Banda Larga, dizendo que o governo já tinha tais diretrizes, dentre outras, desde antes da eleição, tornando duvidosos os motivos que agora o estimulariam a investir na empreitada. Com as linhas de fibra ótica dos dutos e gasodutos da Petrobras e as da Eletronet, ele explica que já se poderia ter uma ótima base para universalização da banda larga desde 2003.
Segundo o Sauer, o setor elétrico se encaminha para mais uma configuração de monopólio em setor chave da economia e para políticas tão nefastas que não poderiam ser levadas adiante sem a cumplicidade do governo.
Correio da Cidadania: Desde começo de 2008 os paulistanos estão diante da intensificação das panes elétricas, com mini-apagões que se repetem a cada ventania mais forte ou a cada nova tempestade. O Rio de Janeiro, outra grande metrópole, também vem apresentando situações semelhantes. Qual a responsabilidade das distribuidoras de energia nessas situações?
Ildo Sauer: Há uma cadeia de responsabilidade, que é seqüencial, na indústria da energia elétrica. Temos um sistema elétrico brasileiro muito positivo, desde que administrado adequadamente, graças a enormes vantagens comparativas do aproveitamento da diversidade dos recursos hidrológicos, de horários e tipos de consumo, em várias regiões e segmentos. Exige uma coordenação estruturada que vem desde o planejamento da expansão e vai até todas as demais etapas, passando pelas capacidades de geração e transmissão e também distribuição da energia elétrica aos consumidores finais.
Dessa forma, há uma responsabilidade integrada entre o governo federal em sua atuação na área, o Ministério das Minas e Energia (MME) a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Operador Nacional de Sistema (ONS), o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico e a Câmara de Comercialização de Energia, para citar só os órgãos envolvidos. Todos têm papéis e funções resultantes do modelo criado pelo governo FHC e ajustado em pequena monta, mas mantido em sua alma e espírito, pelo governo Lula e sua ministra de Minas e Energia de então, em 2003/04.
CC:O apagão nacional do final do ano passado associa-se de alguma maneira a esta situação de mini-apagões, no que se refere, por exemplo, à falta de investimentos ou deficiência operacional nas linhas de transmissão e distribuição?
IS: Nesse sentido, o que vem acontecendo – tanto nesses mini-apagões, assim como no caso dos apagões de novembro passado no Brasil todo por conta de falhas de transmissão, e também no Nordeste, em fevereiro, causando enormes transtornos – provavelmente tem grande parte de seus problemas ligados à falta de investimento adequado em verificação e manutenção do Estado no sistema de transmissão.
Sabe-se que, além de São Paulo e Rio, em outras regiões do país, muitas vezes a energia chega pela transmissão, mas sem uma estrutura adequada de distribuição, muitas vezes em estado de manutenção e operacionalidade inadequado e incapaz, portanto, de manter a continuidade dos serviços de energia elétrica para os consumidores finais. E isso está nitidamente ligado à falta de investimentos para fazer valer a qualidade dos serviços contratados.
Portanto, há uma seqüência de responsabilidades. É evidente que a distribuidora elétrica contratada em regime de monopólio pelo governo federal através da ANEEL para prestar tal serviço é a primeira responsável. Mas sabendo-se que o regime de regulação e controle dos serviços é responsabilidade da ANEEL. E no cumprimento das leis, regulamentos e políticas públicas, a seqüência de responsabilidades fica integrada. É da distribuidora, da ANEEL e, acima de tudo, do próprio governo federal.
CC: O governo Lula tinha entre seus objetivos iniciais uma reorientação do modelo do setor elétrico relativamente ao modelo privatista de FHC. Vários estudiosos entrevistados por este Correio avaliam que esse objetivo foi alcançado de modo muitíssimo limitado, na medida em que continuam a prevalecer grandes consumidores e sua lógica de lucro, a descapitalização das estatais e a influência de interesses de poderosos setores eletro-intensivos sobre o governo. O senhor concorda com esta avaliação, na medida em que disse que Lula manteve o espírito do modelo FHC?
IS: O modelo de regulamentação que define as responsabilidades desse serviço foi estabelecido principalmente nos anos 1990, 1995, até 2002, sob a filosofia da privatização e regulação por incentivo, isto é, haveria a definição de uma tarifa teto e, a cada dois, três anos, deveria ser feita uma verificação sobre ganhos de produtividade, o que seria suficiente para induzir a distribuidora a prestar um excelente serviço.
Criou-se, inclusive por normas da ANEEL, a chamada empresa de referência, que é uma empresa de papel, modelo pelo qual a ANEEL se preocupa unicamente em verificar qual seria o custo atual equivalente em prestar o serviço numa determinada região, ao invés de visitar e controlar o mundo real, olhando transformadores, postos, redes, consumidores, o estado físico do sistema. Isso é a chamada regulação por comparação por empresa de referência. Veja o quanto é drástico acreditar apenas em uma teoria e implementá-la. E a grande responsabilidade do governo lula, sob comando da então ministra, foi acreditar que essa teoria era suficiente.
Todos nós sabíamos e alertávamos, em 2003/04, que parte da responsabilidade pelo racionamento de 2001/02, pelos contínuos apagões que se verificavam desde 1997, 1998, 1999 e pela qualidade do serviço de distribuição daquele período estava vinculada a essa estrutura de regulamentação e controle do serviço público de energia – com enorme ausência da participação pública e do controle social, popular, sobre tais serviços.
O modelo foi mantido no atual governo. As distribuidoras se preocupam exclusivamente se o poder público, que tem a responsabilidade de fiscalizá-las e controlá-las, concede mecanismos de regulação que lhes permitam cobrar essas tarifas que são as mais caras do mundo… Nos EUA, só o Havaí, de parcos recursos energéticos, tem tarifas mais caras ao consumidor. Todos os outros estados americanos têm tarifas mais baixas, embora tenham condições estruturais de suprimento muito superiores às nossas. Na Europa inteira, a nossa tarifa também seria das campeãs. Portanto, é assustador. A tarifa aumentou estrondosamente e o serviço se deteriora. Onde está o buraco? Na ausência do poder público na condução do comportamento das empresas privatizadas – e às vezes até estatais, por falta de recursos – para garantir a continuidade e qualidade dos serviços elétricos.
Sabe-se que distribuidoras elétricas brasileiras com sede no exterior, como a Telefônica, são as que mais remetem lucros e sustentam as matrizes desde a crise de 2008. É óbvio que será assim enquanto o pessoal ficar apenas olhando papel em seus gabinetes em Brasília, sem fazer planos de investimento, expansão, de cada distribuidora, para saber qual o número de consumidores, os investimentos físicos necessários, acompanhando toda essa atualidade e o sistema de manutenção. É todo esse buraco regulatório, pelo qual o governo é responsável, pois não mudou suficientemente o modelo, sabendo na ocasião, desde 2003/04, que precisava mudar.
Portanto, são solidários na culpa. Deve ser responsabilizada não só a distribuidora local, como também o conjunto de órgãos, o Conselho Nacional de Política Energética, o MME, a ANEEL e o governo, por falta de iniciativas de, por meio de leis, criarem mecanismos de controle e regulação capazes de garantir que o serviço pudesse ser prestado e fiscalizado adequadamente, e com qualidade. Eles criaram a empresa de referência de papel, pela qual fixam as tarifas, mas não olham os planos concretos de investimentos. E, evidentemente, para uma empresa que se apresenta de frente para os consultores com uma estrutura de custo com referência no papel, quanto mais aumentar a tarifa melhor; e quanto menos impelida a investir na expansão do serviço à população, maior será seu lucro. É o processo que temos visto.
Esse processo é também o responsável, nos últimos anos, pela remuneração abaixo dos custos de capital das estatais de geração e transmissão de energia elétrica do Brasil – em 2008, essa remuneração foi da ordem de 6% ao ano, quando este custo estava superior. Enquanto isto, a maior parte das distribuidoras, e algumas geradoras privadas, tem tido lucros médios acima de 30% ao ano, com algumas obtendo lucros 100% acima de seu capital próprio, o que configura claramente uma distorção. As tarifas são generosas, a fiscalização é ausente… É a única explicação.
Para sintetizar, a deterioração do sistema energético brasileiro resulta de um problema estrutural, de organização e gestão desse sistema, cuja responsabilidade maior é do governo federal, que tinha a obrigação, depois dos apagões dos 90 e do racionamento, de tomar as medidas, reavaliar o que existia e intervir drasticamente. Isso não foi feito e agora colhemos os frutos desastrosos dessa ausência de ação concreta.
CC: Teríamos então ficado diante de um paradoxo: o governo que pretendia reorientar o modelo privatista de FHC acabou por descapitalizar ainda mais as estatais, além de elevar as tarifas a valores astronômicos.
IS: Sim, e é preciso dar os nomes aos bois, pois havia propostas durante a campanha eleitoral de 2001. Elas foram jogadas no lixo, para que, no âmbito do MME, pudesse ser feito um acordão entre os chamados agentes do setor elétrico, que, além de permitirem essa lacuna regulatória no serviço de distribuição, permitiram também que se ampliasse o mercado livre de energia, pelo qual grandes consumidores – acima de 3MW e acima de 69.000 volts de suprimento, cerca de 600 consumidores – e um conjunto de comercializadoras, algumas pertencentes a distribuidoras elétricas, comprassem a maior parte de sua energia elétrica por preços equivalentes a 20% do custo estrutural de geração. Assim, promoveu-se uma transferência econômica que sangrou as estatais de geração e transmissão ao longo desse período, num valor que, de 2003 pra cá, excede os 10 bilhões de dólares.
Isso faz parte do fenômeno anterior que citei. As estatais têm tido uma remuneração muito baixa sobre o seu capital investido, e os outros se beneficiam dessa grande transferência econômica. Tudo isso em favor de alguns grandes consumidores, cerca de 600, que correspondem a cerca de 25% do consumo elétrico brasileiro, além de muitos intermediários comercializadores, alguns pertencentes às próprias distribuidoras.
Portanto, essa sangria deteriorou as condições das estatais, pois não sobra capital. De outro lado, o mercado cativo, aquele que não faz parte do mercado especulativo, ou seja, nós, o mercado regulado, temos tarifas exponencialmente crescentes, serviços deteriorados e ausência sistemática de investimentos em grande parte das distribuidoras para garantir a qualidade do serviço, pois os órgãos do governo não criaram as políticas necessárias.
Não se preocuparam também, como já disse, em olhar como o mundo real opera. Preferiram ficar com mecanismos de controle e regulação teóricos, que são resultado da grande reforma neoliberal, que, além das privatizações, promoveu essa forma de olhar o mundo. Insuficiente e inadequada.
Esse é o panorama geral. Nesse mesmo quadro se coloca a descoberta feita pelo TCU, o Tribunal de Contas da União, algo de que há muito suspeitava, de que os próprios contratos de concessão continham gravíssimas falhas no mecanismo de reajuste tarifário, fazendo com que a população, desde o fim da década de 90, venha sistematicamente pagando aumentos de tarifa superiores aos preconizados, porque a fórmula usada no contrato está contra a lei. O que significa uma transferência de mais de 1 bilhão de reais por ano pagos pela população.
E o governo, sabedor disso desde 2006, 07, 08, nada tem feito para restaurar a situação.
É necessária a atuação de movimentos de defesa do consumidor na tentativa de se instaurar uma CPI das tarifas, forçando a ANEEL a entrar em cena. No entanto, ela nada tem feito, provando claramente ser o mesmo órgão que foi criado no governo anterior, com o objetivo de proteger os interesses dos investidores, dos capitalistas, do capital financeiro internacional, em detrimento da qualidade do serviço e do bem estar da população.
CC: Desde o apagão de 1999, muito já se falou a respeito da possibilidade de novos apagões por insuficiência de geração de energia, problema que parece ter sido minimizado, dentre outros motivos, por causa das chuvas. O que pensa sobre isso? Diante de todo o quadro traçado pelo senhor, mesmo com as chuvas deste ano, podemos ter novos problemas de geração a curto e médio prazo?
IS: São duas coisas distintas. Chuvas têm de ser vistas de duas formas. De um lado, são importantes para a geração, pois os reservatórios ficam armazenados com as chuvas. Mas não podem causar a ausência de energia, pois o cálculo do projeto das usinas e do sistema é integrado de tal forma que elas operam adequadamente, complementadas pelas usinas térmicas, que devem ser planejadas e construídas de forma a garantir confiabilidade superior a 95%. A ausência de capacidade de geração não deveria ser problema nem em período seco, embora, quanto mais umidade, menor o risco.
Não vejo problema nesse momento na capacidade de produção de energia, pois tem havido investimentos em novos projetos tanto de geração como de transmissão. O que é muito preocupante é que, apesar de terem sido gastos, em investimentos hoje em curso, quase 25 bilhões de reais em geração e 25 bilhões em transmissão, os investimentos anteriores e mais antigos foram relegados por falta de manutenção adequada na transmissão e geração, o que ajuda a explicar aqueles apagões de transmissão no Nordeste em fevereiro e em Itaberá em novembro do ano passado.
A outra questão que as distribuidoras alegam não tem fundamento algum, de que chuvas e ventos ocasionam perda na capacidade de distribuição. Essa desculpa não serve, pois chuvas e ventos são condições naturais presentes. E a engenharia, já há quase um século, desenvolveu um sistema que é adequadamente planejado. Construído, operado e mantido, mantém a confiabilidade com vento e com chuva. Essa é uma desculpa que não pode ser aceita, pois as tarifas que pagamos na distribuição – que embute os custos da geração, transmissão, impostos de serviço e mais o custo da distribuição, ou seja, a última rede, que traz energia de fora da cidade e a entrega em casa – são de tal monta que permitem investimentos adequados, manutenção e operação, resistindo a qualquer temporal que ocorra a cada 40, 50 anos.
Podas de árvore são culpa da concessionária da prefeitura. Não é desculpa nem nunca foi. Vento ou chuva só causam prejuízo se o sistema não está adequadamente mantido e não é feita a expansão, levando a uma operação acima de sua capacidade. Aí, qualquer situação extraordinária pode prejudicar. Mas, em condições normais, com chuvas e ventos e com tempestades raras, o sistema elétrico, em suas três pontas, tem de ser operado adequadamente. As tarifas que pagamos cobrem regiamente a operação. E os lucros que eles têm mandado para fora e distribuído para seus acionistas provam que dinheiro não falta.
Faltam investimentos em expansão, melhoria dos equipamentos, automação, modernização etc. Não o fazem por conta do conluio que os envolve. Não há políticas, legislação e ação do governo federal, via ministério, com novas leis e regulamentos. E a ANEEL, que tem de implementá-los, funciona muito mais como protetora dos interesses de empresas, que são poucas e poderosas e preferem atuar no sentido de se “entenderem” com tais órgãos, ao invés de cumprirem sua obrigação.
Assim, a situação que vivemos hoje é de responsabilidade compartilhada, em primeiro nível pelo governo federal, que deveria ter colocado em prática as mudanças propostas a partir de 2001 e não o fez, colhendo os frutos agora. Claro que não vou isentar as distribuidoras, mas elas agem dentro dos limites que são tolerados pelo governo federal e seus órgãos de controle.
CC: O senhor citou que os investimentos anteriores e mais antigos foram relegados por falta de manutenção adequada na transmissão e geração. O que pensa, portanto, sobre a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira e Belo Monte no Xingu, altamente criticadas pelos ambientalistas? São projetos realmente necessários?
IS: Aí temos outro problema. Do ponto de vista natural, as configurações hidrológicas, geológicas e físicas do Madeira e do Xingu sao extremamente interessantes e favoráveis.
Mas o problema lá é novamente a questão de organização do setor e gestão da política energética brasileira. Questões previstas no modelo feito em 2001/02, e publicado em 2002, no livro ‘Reconstrução do setor elétrico brasileiro’, que consolidou grande parte das contribuições que foram base para o governo no que seria a reforma do setor elétrico, inclusive tendo na contracapa o endosso do economista Celso Furtado e do advogado Plínio Arruda Sampaio.
E lá estava escrito que era preciso planejar a expansão do setor elétrico e fazer um inventário de todas as bacias hidrográficas brasileiras não inventariadas. Sabe-se que até hoje cerca de um terço do potencial hidrelétrico brasileiro foi aproveitado e dois terços, com cerca de 260 mil MW, ainda não foram aproveitados. Aproveitamos uns 80 mil MW e há mais 160, 170 mil disponíveis.
Mas, para aproveitar o potencial adequadamente, é necessário fazer três coisas:
- o estudo hidrológico e o inventário da bacia;
- estudo ambiental, de flora, fauna, ecossistema, bioma;
- relatório de passivo social.
Se de 2003 pra cá o governo tivesse cumprido tal missão, teríamos à disposição um grande conjunto de escolhas para aproveitamento hidrelétrico. Lembrando que, desses dois terços, nem tudo pode ser aproveitado, porque a geologia e a hidrologia podem não ser adequadas, por questões ambientais muito sérias, que não indicariam seu aproveitamento. Ou ainda por questões sociais que não podem ser superadas através de uma negociação política de modo a compensar adequadamente a população atingida, dando a ela melhores condições de vida em regiões fora das impactadas.
Havia uma série de possibilidades concretas, só que o governo nada fez, ficou dormindo esses anos todos para acordar em berço esplêndido e, finalmente, resolver usar o aproveitamento hidrelétrico planejado ainda no governo anterior pela Odebrecht, que ganhou fortunas em Santo Antonio e Jirau. Fez às pressas um leilão, sem estudos ambientais e negociações sociais num patamar digno de um governo que se diz democrático-popular, especialmente por ter surgido com apoio dessas populações todas, que no passado foram barbaramente atingidas pelos aproveitamentos hidrelétricos sem a devida consideração.
Pois bem, repetimos mais ou menos a receita do governo anterior no Rio Madeira, com intervenção branca dos órgãos de licenciamento ambiental e uma condução em relação às populações semelhante à que se fazia no passado.
CC: E com relação à usina de Belo Monte, no Rio Xingu, hoje tão em pauta, parece que o descaso é também muito grande, a se considerarem os alertas de vários ambientalistas e estudiosos.
IS: Sim, mais assustadora ainda tem sido a condução do processo no projeto do Rio Xingu, que é debatido há duas décadas. Do ponto de vista natural, há atrativos, mas desde que se superem, mediante negociação política e estudos ambientais, a própria questão ambiental e, acima de tudo, a social.
Portanto, o autoritarismo desse governo novamente se revela ao tentar, açodadamente e às pressas, um projeto que, se tivesse sido adequadamente estudado, poderia estar resolvido há muito tempo, a favor ou contra.
Além disso, se tivesse cumprido a obrigação de inventariar os 160 mil MW, teria em carteira, na prateleira, outro conjunto de aproveitamento, do que poderiam resultar projetos a serem colocados à frente. E os projetos hidráulicos poderiam ser acompanhados de um plano de expansão da capacidade de geração eólica e adequada complementação de usinas térmicas, a serem usadas em períodos de hidrologia crítica ao longo dos anos. Teríamos uma carteira de alternativas capazes de expandir certas energias.
É certo que seria preciso discutir a finalidade dessa energia, mas haveria ampla possibilidade de atender a qualquer demanda com menores custos, tratando de maneira aceitável, do ponto de vista político e ético, a questão ambiental e social, sempre presentes. No Xingu, as dificuldades poderiam ser superadas, era essa a expectativa, mas ocorreu mais um grande fracasso. O governo resolveu não fazer nada durante anos e, de repente, intervém de maneira arrogante, autoritária, unilateral, desprezando todas as populações e estudos ambientais.
Se se critica Itaipu por estar a 1.000 km do centro de carga em São Paulo, o que dizer de Santo Antonio e Jirau, que estão a 2.500 km e vão ter enormes custos de transmissão? Não acho que Itaipu seja problema, mas, se o governo disse isso quando justificava o apagão de novembro, o que dizer de Santo Antonio e Jirau, que ficam a 700 km de La Paz, 2.500 Km de São Paulo e 1.500 Km de Brasília?
No caminho, havia muitos outros projetos que poderiam ser viabilizados ao longo do tempo e não foram. Também poderia se investir no aproveitamento maior da biomassa, da energia eólica, programas de uso racional de energia, que permitem reduzir os custos atendendo às necessidades sociais e econômicas. Estava tudo na lista do que deveria ser feito na reforma do setor, mas não foi. Tudo foi varrido para debaixo do tapete em nome da grande concertação e dos grandes interesses, das grandes empreiteiras e investidores privados, todos financiados com dinheiro público e pelo BNDES.
Só no Brasil acontece isso: os grandes projetos de geração, transmissão e distribuição são geralmente financiados com dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), portanto do FGTS e dos trabalhadores, onde os capitalistas são apenas gestores do capital público para privatizar os lucros e muitas vezes deteriorar a qualidade do serviço.
CC: Uma outra consideração importante diz respeito à demanda de energia no Brasil, para que e para quem ela está direcionada. A que tipo de modelo econômico e social se destina prioritariamente esta energia, em seu entendimento?
IS: É necessário realmente fazer várias indagações nesse sentido. Produzimos essa energia para proporcionar melhorias concretas na condição de vida daqueles que ainda estão em condições de subconsumo, que estão abaixo da linha da pobreza, remediados, que realmente precisam de condições materiais de existência compatíveis com a estrutura social, econômica e cultural de hoje? Ou se trata apenas de gerar energia para dar mais lucro a quem investe na geração e transmissão, e acima de tudo aqueles que, desde 2003, têm comprado energia abaixo de seu custo estrutural, deixando o prejuízo com as geradoras, em geral estatais? O que ocorre de fato é que estes que investem em geração e transmissão acabam por embolsar os lucros de aproveitamento dessa energia na produção de bens e serviços eletro-intensivos, que muitas vezes são exportados e deixam aqui poucos benefícios para a população e os trabalhadores. Mas essa é outra discussão.
Entendemos que energia é essencial para o modo de vida criado após a revolução industrial, mas não podemos deixar de apontar uma enorme assimetria entre quem paga o custo e sofre os impactos e quem se beneficia do programa energético e, acima de tudo, dos enormes lucros auferidos no uso de energia elétrica, geralmente os segmentos econômicos monopólicos, hegemônicos. Estes, por sua vez, estão associados diretamente ao projeto concreto colocado em marcha na transição FHC-Lula, que privilegia as grandes empreiteiras, os grandes oligopólios, os grandes consumidores, contra os interesses concretos de grande parte dos trabalhadores e, de modo particular, das populações diretamente impactadas por tais projetos.
CC: No caso das hidrelétricas no Rio Madeira e no Rio Xingu, o senhor fez referência à grande distância dos centros de carga de São Paulo, maior até do que a distância de Itaipu. Haveria hoje estrutura de distribuição e transmissão adequada para suportar esses empreendimentos no norte do país?
IS: Quanto a Belo Monte, esse não é um problema grave, pois a usina se encontraria a pouco mais de cem quilômetros de Tucuruí, na ligação norte-sul, que vem desde Belém, passa por Brasília e leva energia ao Nordeste. É bem diferente de Santo Antonio e Jirau. Mas, apesar da condição geográfica, geológica e hidrológica e topográfica, Belo Monte naturalmente tem atributos que mereceriam consideração, dada sua favorabilidade.
O desastre de Belo Monte é um desastre político de um governo que não fez sua lição de casa, e tinha tempo de fazer um adequado detalhamento da questão ambiental, tomando uma decisão pública consensual e informada. E agiu pior ainda no tratamento desrespeitoso imposto às populações da região, mobilizada há décadas. Vale lembrar que o projeto foi concebido inicialmente apenas como um projeto de energia barata, para aproveitar o alumínio, bauxita e fazer exportações, na década de 70, 80 e 90. Agora mudaram o caráter do empreendimento, dizendo ser o objetivo a ‘energia para os brasileiros’. Mas é preciso ver para quem ficam os lucros, para quem ficam os excedentes econômicos, para quem ficam os prejuízos e impactos negativos. É o balanço que está na mesa, que lamentavelmente precisa ser feito.
A respeito da distância, Santo Antonio e Jirau são mais desfavoráveis, o que, no entanto, não exclui Belo Monte dos dois grandes pecados: os problemas ambiental e social, que não foram resolvidos, conduzidos e nem encaminhados de maneira aceitável por um governo que se diz democrático-popular.
CC: Pensando nas fontes alternativas de energia, que já foram aqui lembradas, elas poderiam vir a tornar desnecessários dois grandes empreendimentos como os anteriormente citados, com todas as suas conseqüências negativas?
IS: O potencial hidrelétrico brasileiro é realmente muito grande. Mas eles fazem esses grandes projetos porque agem no interesse das empreiteiras. A mesma quantidade de energia que vão fornecer pode realmente ser obtida de outras formas, com usinas menores, hidráulicas, com apoio de usinas térmicas com capacidade de reserva para momentos de hidrologia menos favorável.
Temos também enorme potencial eólico e os leilões de energia eólica provaram que seu custo é competitivo com a energia nuclear, térmica, que dependem do fornecimento do carvão e gás natural. E para quem produz bagaço de cana e outras formas, como resíduos de vegetais do processo agro-industrial, há possibilidade de fazer geração. Até energia solar fotovoltaica, em algumas circunstâncias, no teto das casas dos consumidores, por exemplo, é economicamente competitiva. Além disso, quando pode haver algum subsídio para criar escala e diminuir custos solidários a médio prazo, isso não é feito.
Há uma grande diversidade de fontes, de modo que, no Brasil, o problema não é falta de fontes naturais de energia, de recursos. Falta organização, gestão e, acima de tudo, uma política pública para a área, que concilie os interesses das grandes frações da população excluída.
Mais uma vez, nesse governo, todo o espaço econômico, com seus enormes excedentes econômicos em disputa, tem sido manipulado e orientado na direção de favorecer os grandes grupos, empreiteiras, construtores de equipamentos, investidores de energia que usam o BNDES e fundos de pensão para maximizar seus lucros. E também investidores internacionais, que aparecem no ambiente ganhando enormes somas. Por isso, as tarifas do Brasil estão entre as mais caras do mundo e vemos a deterioração da qualidade do serviço.
CC: De acordo com algumas especulações, o governo estaria com o propósito de colocar uma mínima rédea no mercado, uma vez que declarou a intenção de abaixar as altíssimas tarifas elétricas. Você concorda com essa compreensão? Acredita no governo determinado a reaver aos consumidores os prejuízos tarifários da última década, retomando parte do papel da Eletrobrás?
IS: Não é verdade isso. A Eletrobrás, por exemplo, não planeja nada nesse sentido. Quem planeja é a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), mas seus planejamentos nunca são cumpridos porque são meramente indicativos, para orientar os negócios de compra de energia nos leilões. Não servem para orientar políticas públicas em conteúdos tecnológicos, científicos e estudos como os que citei há pouco.
É uma ilusão achar que autorizar a Eletrobrás a tirar o acento do nome dela e dotá-la de capital vai mudar a lógica com que ela vem sendo conduzida. Ela foi simplesmente sucateada no governo FHC e tal trajetória foi aprofundada no governo Lula. Oito anos depois de tomar posse vão capitalizá-la para quê? Para fazer investimentos no Peru, nos EUA, como estão querendo? Com quem? Quem são os parceiros? Quais os custos? Quem assume os riscos? Para onde vão os benefícios e qual a lógica disso tudo?
Não vejo a Eletrobrás assumir o comando de nada, ela está entrando sempre como parceira minoritária nos projetos. O comando e os lucros vão para os atores privados; custos e riscos são alocados majoritariamente por estatais e públicas, servindo de garantidoras de muitas aventuras.
Vejo mais uma vez a intervenção na Eletrobrás, sete anos depois, como parte da mesma trajetória. Segundo nosso colega Aziz Ab’Saber, a esse governo de seu ex-amigo Lula não interessa nem a história de como as coisas foram construídas nos setores elétrico, de petróleo, gás e telecomunicação, nem aproveitar a chance de mudar a história de vida da população brasileira. O que interessa é o que tem na mão para usar na tarefa de promover a conciliação do jogo de interesses do dia-a-dia da base do governo: empresas, bancos e negócios. É uma lição que aprendi recentemente com o professor Aziz, do alto de seus 86 anos, num debate no qual não consegui discordar.
De fato, o único interesse concreto que motiva a ação do governo é saber o que tem na mão para usar na partilha dos interesses e na consolidação das barganhas que estão no dia-a-dia na mesa de seus sócios.
CC: Sendo assim, a população não vai ver as tarifas rebaixadas tão cedo, não?
IS: A geração elétrica corresponde hoje a algo em torno de 110 reais MW/hora e a tarifa está quase em 450 reais, 4,5 vezes mais.
E os contratos estão aí. A Eletrobrás não vai fazer nada. Pelo contrário, vai prejudicar as contas do Tesouro Nacional e aumentar os lucros das empresas. Em 2003, havia a proposta de a Petrobras e a Eletrobrás, com ajuda do BNDES, tomarem o controle da Eletropaulo em São Paulo. A proposta estava em negociação com os professores Pinguelli e Lessa, que disseram que ela teria sido sabotada pela ministra das Minas e Energia da ocasião. A ministra considerou a proposta como um péssimo sinal ao mercado, considerando que a Eletropaulo deveria continuar privada.
Não mudou nada de lá pra cá. Acredito que intervenção estatal é importante desde que seja planejada e tenha ação eficaz orientada ao interesse público. Se não é assim, ela pode ser mais deletéria do que se não existir. Ou pode ser apenas uma cavalariça de apoio às barganhas, para a intensificação dos lucros.
CC: Pensando um pouco na questão das telecomunicações, sabe-se que a Petrobras, na qual o senhor foi diretor de Gás e Energia, era detentora de uma rede fibras óticas. Há algum propósito, a seu ver, na tentativa de expandir a rede de banda larga no país através da empresa Eletronet (antiga empresa estatal, atualmente em estado falimentar, detentora de uma rede de cabos de fibra ótica)?
IS: Esse é um outro assunto. Somente estive envolvido nele em 2003, quando era diretor de Gás e Energia da Petrobras, pois tinha também responsabilidade pelas telecomunicações da Petrobras, que na época era a 4ª empresa de telecomunicação do Brasil em função dos milhares de quilômetros de fibra ótica que detinha em seus dutos e gasodutos de operação, com excedentes de fibras capazes de viabilizar uma linha troncal de alta velocidade de banda larga para inclusão digital no Brasil inteiro. Naquela ocasião, 2003, o presidente da Eletrobrás, Pinguelli Rosa, aceitou discutir a possibilidade de usar a rede da Eletronet. Infelizmente, tinham decretado a falência da Eletronet dias antes.
As fibras óticas implantadas pelo sistema Eletrobrás, em todo o território nacional, e as grandes linhas de transmissão se complementavam muito bem com as linhas dos gasodutos e, eventualmente, outras em vias térreas e rodoviárias, que também vinham sendo implementadas, conformando uma grande rede pública de informação.
A iniciativa foi levada ao ministro Gushiken, que a negociou com o então ministro das Comunicações, Miro Teixeira. Houve negociação com o ministro da Defesa, que queria usar a rede para comunicação de segurança das Forças Armadas. Havia interesse do Banco do Brasil e da Caixa em usar essa rede de comunicação em suas gestões e administrações. E, acima de tudo, permitir uma rede organizada de tal tipo levaria a que se incorresse em menores custos, a mais segurança e a uma base capaz de alavancar a universalização do acesso à banda larga.
O projeto foi formulado e ainda hoje segue disponível pela Petrobras, desde 2003. Foi bloqueado pelo MME e talvez pela Casa Civil. Mas foi a ministra da ocasião que o levou a este fim. De 2004 para cá, não prosperou. Havia um contencioso a resolver com os credores, a Alcatel Indústrias, que tinha financiado os equipamentos, e a Furukawa, que financiara as fibras óticas da Eletronet. E tinha outro contencioso com especuladores privados que já metiam o bedelho. O governo não resolveu o problema, sendo que havia na época uma negociação em andamento que permitiria amortizar todas as dívidas.
E quando tais investimentos foram feitos por essas empresas, estávamos na época da alta dos custos dos equipamentos, em pleno boom das fibras óticas no mercado americano. Depois, caíram muito. Assim, elas estavam dispostas, já naquela ocasião, a negociar as dívidas por valores equivalentes a 20% do investimento inicial, totalizando uns 40, 50 milhões de reais para arrematar tudo. Mas algo aconteceu no governo e o projeto não prosperou, ficou parado. De repente, em 2010, é ressuscitado como salvação nacional, como se a prioridade da inclusão digital em 2003 não fosse tão grande quanto agora, pra não dizer maior.
Então, a pergunta é: por que o projeto ficou parado? Quem o travou, quais foram os empecilhos? Só a ministra das Minas e Energia e a Casa Civil? Ou foi o lobby dos grandes grupos que hoje se manifestam e, já naquela ocasião, queriam paralisá-lo, para, quem sabe depois, convertê-lo em mais uma cavalariça de assalto aos cofres públicos? Esse imobilismo criou um prejuízo enorme a todos os órgãos do governo, que passaram esses anos pagando elevadas tarifas para transmissão de seus dados, inclusive com ausência de segurança para as Forças Armadas, que, com a Embratel, dependiam de uma empresa americana.
Acima de tudo, não houve progresso no programa de inclusão digital que era planejado pelo Sergio Amadeu na Casa Civil e outros grupos. Até porque a última mídia, aquele trecho final da rede que chega ao consumidor final, poderia ser feita conciliando a condição da rede de fibra ótica de acordo com cada tipo de moradia. E levando junto gás natural, água, esgoto e energia, o que fazia parte do plano de massificação do gás, que a Petrobras também elaborou, levou ao governo, mas que foi também sabotado pela ministra de Minas e Energia da ocasião.
Portanto, esse projeto vem de longe. As perguntas que ficam no ar são: por que foi abandonado? Que vontades se impuserem para que o interesse público não prevalecesse na ocasião? E o que motiva agora os mesmos atores a tentar ressuscitá-lo no meio desse clima sombrio de especulação e negociata que, aparentemente, vem sendo revelado pela imprensa?
CC: Dessa forma, você não veria no episódio um propósito verdadeiro de retomar de alguma maneira a Telebrás e, conseqüentemente, a própria atuação do Estado no setor?
IS: Não chega a ser nem isso exatamente, pois o projeto deveria ter sido encaminhado mesmo. O que questiono, como disse, é o motivo que leva o governo a levar adiante somente agora um projeto, quando teve uma oportunidade de ouro nas mãos em 2003/04. Que interesses o impediram de fazê-lo antes? Que interesses o motivam a fazê-lo agora? Essas perguntas estão no ar e deveriam ser respondidas.
Que a inclusão digital, não só com a rede da Eletronet, mas também com a rede da Petrobras, poderia caminhar, poderia. Tudo que faltou foi apenas coordenação do governo para reconhecer e viabilizar esse enorme benefício.
Por que o governo não quis fazer a inclusão digital antes? Por que não teve competência, não se interessou? Qual o motivador básico das ações do governo? Nesse episódio, parece-me que há aquele mesmo denominador comum, onde os beneficiados representam a conciliação de interesses entre grandes empresas, articuladores, especuladores, que se valem do espaço público para privatizar os lucros, inclusive mantendo como estrutura de apoio as estatais.
Tão grave quanto privatizar tudo, como no governo anterior, é manter estruturas e custos nas mãos das estatais, fazendo-as assumir riscos, privatizando benefícios e lucros e subordinando-as ao interesse privilegiado de alguns grupos. Qualitativamente é até mais perverso fazer da segunda forma, pois ficamos com a impressão de que o interesse público está sendo preservado. Porém, basta ver os lucros do setor elétrico e o que aconteceu com a política de inclusão digital, abandonada por sete anos devido a barganhas não resolvidas. E basta ver o que acontece na discussão do modelo para o setor de petróleo e gás e o caminho que tem tomado, muito mais grave do que tudo que falamos até agora.
CC: Há poucas semanas, foi divulgada pela imprensa a notícia sobre os novos propósitos do governo de montar uma ‘superelétrica’, a ser comandada pela Camargo Corrêa, com recursos do BNDES e também dos sempre presentes Fundos de Pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa). Qual a sua opinião sobre esse propósito?
IS: Esse é um exemplo concreto do que aconteceu no Brasil e foi consolidado com a ajuda do BNDES, dos fundos de pensão e com orientação do governo.
Se olharmos a verdadeira partilha do espaço produtivo brasileiro, na base de produção, caminhamos na seguinte direção:
- esse grupo econômico (Camargo Corrêa) está progressivamente tomando conta de toda a distribuição elétrica brasileira, que era majoritariamente pública e foi privatizada a partir de FHC, consolidando-se agora ao criar um grande monopólio privado na distribuição elétrica;
- na petroquímica, consolida-se a hegemonia do grupo Odebrecht, tendo a Petrobras como muleta de apoio, via Braskem, que também entra no petróleo;
- no setor do petróleo, o grande favorecido é o apadrinhado direto do governo chamado Eike Baptista, que em menos de três anos já amealhou 10% das reservas brasileiras de petróleo, o correspondente ao trabalho de cinco décadas da Petrobras, e que foram expropriadas com apoio e conivência do governo federal;
- já o sistema de telecomunicações, das tarifas mais altas do mundo, está nas mãos do grupo Andrade Gutierrez, inteiramente consolidado com apoio dos fundos de pensão e do BNDES.
Portanto, essa é a partilha do espaço econômico brasileiro, que acreditávamos ser democrático e popular.
Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania
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