por Mauricio de Almeida Voivodic - Engenheiro Florestal e coordenador de projetos do Imaflora
segunda, 19 de julho de 2010 às 00:00
Após 150 dias de consulta pública foi divulgado um relatório que gera uma importante etapa do processo de discussão e elaboração de salvaguardas socioambientais para desenvolvimento e execução de programas e projetos de REDD+ na Amazônia Brasileira.
O documento é resultado de um amplo processo de construção que se iniciou com a elaboração de uma primeira versão. Foi feito por pessoas com conhecimento no assunto e envolvidos com o tema, tais como membros de movimentos sociais, da agricultura familiar, setor privado, ONGs ambientalistas e instituições de pesquisa.
A metodologia usada, além da consulta via internet, utilizou cinco reuniões de trabalho para discussão e consulta do documento com as lideranças de povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares, abrangendo toda a Amazônia Brasileira, além do setor privado.
Durante esse período, foram recebidos 559 comentários de mais de 180 pessoas. Todos foram registrados em um banco de dados, revisados e respondidos pelo Comitê Multissetorial, responsável pela elaboração e revisão do documento.
Um dos idealizadores do documento, Mauricio de Almeida Voivodic, engenheiro florestal e coordenador de projetos do Imaflora, concedeu entrevista ao Celulose Online e falou sobre Princípios e Critérios Socioambientais de REDD+.
Celulose Online: Qual sua posição sobre o Brasil em relação ao mundo, diante dos projetos REDD?
Mauricio de Almeida Voivodic: Em primeiro lugar, não podemos esquecer que REDD é um conceito criado no âmbito das negociações internacionais de mudanças climáticas, que estabelece a necessidade de reduzir, rapidamente, as emissões globais provenientes de desmatamento e degradação de florestas tropicais. Os mecanismos necessários para isso, seja através da convenção do clima ou através do mercado, estão ainda em uma fase de discussão e elaboração. No momento, ainda não existe nenhum mecanismo formal, em funcionamento, de pagamento por desmatamento evitado.
Nesta fase que nos encontramos, de discussão e formatação de mecanismos de REDD, o Brasil ocupa uma posição de destaque, tanto nas negociações formais da convenção do clima, quanto através das contribuições dadas pelas organizações da sociedade civil. Este tema é muito importante para o Brasil, já que temos a maior área de floresta tropical do mundo e, ao mesmo tempo, a maior taxa anual de desmatamento. Os demais países que participam desta discussão sabem disso e acompanham o que o Brasil tem feito sobre o tema. O Fundo Amazônia, por exemplo, é tido como uma referência internacional de um fundo para conservação de florestas tropicais. Por isso o Brasil tem demonstrado tanta força em influenciar o debate internacional sobre mecanismos de REDD.
Celulose Online: Em quais regiões do Brasil acontecem projetos REDD e qual a quantidade de projetos existentes?
Mauricio de Almeida Voivodic : O Brasil tem cumprido um papel importante nesta fase de experimentação e aprendizado a partir de atividades demonstrativas de REDD. No final do ano passado, as ONGs TNC e Idesam publicaram um estudo que apontava a existência de sete projetos de REDD em fase avançada de implementação no Brasil e outros cinco em fase de elaboração. Na grande maioria, estes projetos se localizam na região da Amazônia, mas não há nada ainda que impeça que projetos de REDD sejam implementados em outros biomas, como Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga.
Celulose Online: O governo brasileiro tem dado respaldo a estes projetos?
Mauricio de Almeida Voivodic: Atualmente, não existe nenhuma regulamentação legal para a questão de REDD no Brasil. Assim, todos estes projetos são iniciativas da sociedade civil que não contam com a participação direta do Governo brasileiro. O Governo, por sua vez, através da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do MMA, está acompanhando de perto estas iniciativas e não tem se colocado, em nenhum momento, contrário a elas. Recentemente esta Secretaria anunciou que irá iniciar um processo amplo de discussão para a formulação de um Regime Nacional de REDD. Isso será um grande avanço, pois definirá a base legal para projetos de REDD no Brasil, definindo as salvaguardas socioambientais e os procedimentos metodológicos a serem seguidos por estes projetos. Isso irá dar maior respaldo e credibilidade, inclusive internacionalmente, para as iniciativas de REDD do Brasil.
Celulose Online: De onde vem os fundos para estes projetos?
Mauricio de Almeida Voivodic : Atualmente estes projetos têm operado através de parcerias com empresas privadas, brasileiras ou não, que investem de forma voluntária nestes projetos, visando obter o direito de comercialização dos créditos de carbono gerados através da conservação da floresta.
Atualmente, estes créditos de carbono ainda não são utilizados em mercados compensatórios, onde a empresa demonstraria legalmente que está compensando as suas emissões. Estas empresas vêm, provavelmente, utilizando este investimento em suas campanhas de marketing e relatórios anuais de sustentabilidade. Entretanto, REDD é um compromisso de longo prazo e, portanto, estas empresas estão se adiantando a um possível mercado formal de créditos de carbono, que permita no futuro a utilização destes créditos como offset de suas emissões.
Celulose Online: O que esse tipo de iniciativa representa para a região amazônica?
Mauricio de Almeida Voivodic : REDD, assim como toda a preocupação mundial com a questão de mudanças climáticas, representa a maior oportunidade que já tivemos para acabar definitivamente com o desmatamento na Amazônia. O mundo inteiro está preocupado com esta questão e tem grande interesse que o desmatamento caia drasticamente nos próximos dez anos, inclusive demonstrando disposição em pagar por isso, valorizando a floresta em pé. O Brasil precisa aproveitar esta oportunidade e transformá-la em alternativa de desenvolvimento para a Amazônia, um desenvolvimento que amplie as condições de vida da população de lá, sem que seja necessário continuar desmatamento a floresta. O problema é que as propostas de desenvolvimento para a região, que temos no atual governo, assim como aquelas que temos escutado nas campanhas dos dois principais candidatos a presidência, não parecem reconhecer esta oportunidade e isso pode resultar em um grande retrocesso para o Brasil na área ambiental, inclusive com um forte constrangimento internacional. As propostas atuais de desmanche do código florestal são o maior exemplo.
Celulose Online: As nações indígenas podem ser prejudicadas?
Mauricio de Almeida Voivodic : Os povos indígenas podem, ao mesmo tempo, ser os maiores beneficiados e os maiores prejudicados com toda esta evolução no debate sobre REDD. Na ausência atual de uma regulamentação legal, os riscos são ainda muito grandes e os resultados vão depender de que forma os mecanismos de REDD serão configurados. No pior cenário – que é ainda bastante possível – os territórios indígenas não serão passíveis de se beneficiar dos mecanismos de REDD, pois possuem uma baixa taxa histórica de desmatamento. Se este conceito de adicionalidade, importado inadequadamente do Protocolo de Quioto para os projetos de REDD, prevalecer, então REDD se transformará em um mecanismo perverso de exclusão social, que irá beneficiar unicamente os grandes produtores rurais que têm um grande histórico de desmatamento. Além disso, na ausência de uma regulamentação, empresas oportunistas vêm fazendo propostas indecentes para lideranças indígenas no Brasil, visando receber os direitos sobre os créditos de carbono de seus territórios, desrespeitando completamente os direitos dos povos indígenas, especialmente o direito ao consentimento livre, prévio e informado.
Celulose Online: A floresta vai ser preservada. O que representa estes projetos para a floresta?
Mauricio de Almeida Voivodic : Se forem bem implementados, os projetos de REDD representarão uma alternativa econômica viável para se conservar a floresta em pé, mantendo e valorizando toda a sócio-biodiversidade existente.
Celulose Online: Qual a importância dos Principios e Critérios Socioambientais de REDD+ publicados pelo Imaflora?
Mauricio de Almeida Voivodic : Os Princípios e Critérios Socioambientais de REDD+ são o resultado de um amplo processo de discussão com a sociedade civil brasileira sobre o que queremos para as ações de REDD no Brasil, de modo que os riscos socioambientais sejam reduzidos e os benefícios sejam amplificados. Mesmo na ausência de leis e regulamentações sobre REDD, a sociedade brasileira se antecipou e conduziu um amplo debate sobre o tema, oferecendo aos governos subsídios para a elaboração das políticas públicas. Este processo contou com a participação de diversas organizações da sociedade civil, incluindo organizações ambientalistas, movimentos sociais e povos indígenas da Amazônia, e do setor privado, na discussão e elaboração dos Princípios e Critérios Socioambientais de REDD+. Este documento representa o conjunto das preocupações e interesses da sociedade brasileira em relação às ações de REDD que serão implementadas no Brasil.
Por Valter Jossi Wagner
Acesse o documento "Principios e Crítérios Socioambientais de REDD+"
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