Por: Maurício Thuswohl, especial para a Rede Brasil Atual
Publicado em 07/11/2010, 14:45Rio de Janeiro – A onda de otimismo ambiental que tomou conta dos negociadores internacionais após o acordo firmado ao final da 10ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (COP-10), encerrada no fim de outubro em Nagoya (Japão), não deve ser suficiente para impedir mais um fracasso na próxima conferência da ONU sobre o clima. Esta opinião é compartilhada por importantes militantes socioambientalistas que acompanham as discussões climáticas no Brasil e no exterior.
A 16ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP-16) acontecerá de 29 de novembro a 10 de dezembro em Cancun (México) e tem como árdua tarefa reverter o fracasso da conferência anterior, realizada em Copenhague (Dinamarca). Segundo Gaines Campbell, que é conselheiro da ONG brasileira Vitae Civilis e um dos coordenadores da rede Climate Action Network, a conferência terá pela frente dois patamares de decisão: “A mais importante decisão diz respeito ao nível de ambição das promessas, quer sejam obrigatórias ou voluntárias, de redução das emissões dos gases de efeito estufa. Outra decisão diz respeito à questão do financiamento para o combate ao aquecimento global”.
Campbell avalia que as promessas incluídas pelos países do Anexo 1 no acordo de Copenhague “não são suficientes para cobrir o desvio existente entre essas promessas e o que a ciência demanda para manter o aquecimento global abaixo dos dois graus centígrados”. Estimativas cientificas apontam, segundo ele, para um desvio entre 7 e 13 gigatoneladas de CO2 até 2020: “Isso é muito, e se não for coberto esse desvio, as conseqüências do aquecimento global e das mudanças climáticas serão nefastas e catastróficas”, diz.
As possibilidades de avanço em Cancun, na visão de Campbell, são praticamente inexistentes: “Os países desenvolvidos não querem abrir mão do seu estilo de vida, do seu desenvolvimento econômico e não estão dispostos a fazer os sacrifícios que seriam necessários para assumir o nível de redução que a ciência demanda. Por outro lado, os países em desenvolvimento não querem abrir mão do seu direito ao desenvolvimento e também não querem assumir que o seu desenvolvimento tem que mudar para um modelo não-predatório baseado em uma economia de baixo carbono”, lamenta.
O impasse também deve persistir em relação ao financiamento das ações de combate ao aquecimento global e de prevenção e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas: “Ninguém vai pôr dinheiro na mesa se não souber o que vão fazer os outros. Os países desenvolvidos não vão se comprometer com o financiamento de ações de mitigação ou de projetos de adaptação e transferência de tecnologia enquanto não for definido o nível de compromisso que os países em desenvolvimento irão assumir. Estes, por sua vez, não querem se comprometer com mais nada enquanto não aparecer dinheiro na mesa”, diz Campbell.
“Expectativas modestas”
Secretário-executivo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), Ivan Marcelo Neves afirma “torcer por um bom resultado em Cancun”, mas reconhece que “as expectativas são modestas, sem grandes ambições”.
Segundo Ivan, a vigilância do movimento socioambientalista será fundamental para que se mantenha a esperança por avanços, ainda que pontuais, na COP-16: “Temos que ficar atentos às decisões que irão ser tomadas neste encontro. A sociedade organizada precisa exercer um controle social maior sobre os participantes de cada governo e nós do FBOMS iremos somar para que o Brasil haja sempre como protagonista neste tema e possa liderar juntos aos outros países a busca da melhor decisão para o futuro do planeta terra”.
O ambientalista pede uma mudança de atitude dos governos face às negociações climáticas: “A questão pura e simplesmente desenvolvimentista e econômica não pode ser a tônica geral da COP-16, pois temos que ter um olhar sistêmico sobre causa e efeito das decisões que cada país irá tomar daqui pra frente para não colocarmos em risco o futuro deste planeta pela ação humana predatória e excludente no uso do patrimônio natural”, diz.
Um dos articuladores do manifesto em apoio à Dilma Rousseff elaborado por lideranças do movimento socioambientalista brasileiro que apoiaram Marina Silva nas eleições presidenciais, Pedro Aranha afirma esperar “ter mais surpresas positivas” em Cancun após o surpreendente acordo de Nagoya, mas admite que isso é difícil: “Após a última crise econômica, os países desenvolvidos não estão investindo em tecnologias limpas nem em seus próprios territórios”, diz.
EUA
Na opinião de Gaines Campbell, que é estadunidense, a derrota do Partido Democrata nas eleições intermediárias dos Estados Unidos torna ainda mais improvável a obtenção de um acordo já na COP-16 para a segunda etapa do Protocolo de Kyoto (a primeira etapa termina no último dia de 2012): “A situação dos Estados Unidos, com a derrota do presidente Barack Obama nas eleições, está pior agora do que na semana passada”, avalia.
Segundo Campbell, “os EUA vêm para a mesa em Cancun sem nada”. Sua certeza, diz, se baseia nos fatos: “O governo não consegue nem garantir os 17% de redução das emissões, meta com a qual o Obama tinha se comprometido no ano passado. Os países em desenvolvimento não querem aceitar que se faça um novo período de compromisso para Kyoto sem os EUA. Os EUA não querem que se faça alguma coisa sem incluir os países do Basic (Brasil, Índia, China e África do Sul). Este é um imbróglio que se mantém e não evoluiu muito desde a COP anterior”, afirma.
O que sobra para acontecer em Cancun, segundo o ambientalista, é “chegar a um acordo mínimo que não comprometa o futuro”, o que qualifica como “uma ambição muito baixa”. Nesse caso, o objetivo é não dinamitar as negociações “para que não se prejudique uma solução no futuro, que pode ser na COP-17 na África do Sul ou mais pra frente ainda”. Campbell acredita que, de forma pontual, pode se avançar em temas como REDD (compensação por desmatamento evitado), transferência de tecnologia, criação de novos fundos e arquitetura de processos financeiros.
Campbell resume seu pessimismo em relação à próxima conferência sobre o clima: “Não creio que em Cancun tenhamos a mesma perspectiva do que na COP sobre biodiversidade de Nagoya. Quando se fala de combate ao aquecimento global, tem muito mais interesses em jogo, tem muito mais dinheiro envolvido, tem muito mais emoção e um nível de desconfiança muito grande entre o Norte e o Sul. Então, não creio que teremos uma noite iluminada no final da conferência que vá desbloquear essa discussão”.
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