Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Simone Ramounoulou: mestra da sustentabilidade

por Liane Alves (Da revista Vida Simples)
Simone Ramounoulou é uma daquelas profissionais cujo currículo já dá a estatura de sua atuação como instrutora de temas relativos ao meio ambiente e ao desenvolvimento da consciência como um todo. Consultora em vários projetos internacionais, é diretora-executiva no Brasil da World Business Academy, que congrega empresários e executivos do mundo todo, do Institute of Noetic Sciences, mais centrado nas possibilidades da mente e da consciência, do Clube de Budapeste e dos Encontros da Rede Global de Educação para a Paz – Construindo uma Cultura Planetária, um programa feito em parceria com a Unesco.

Brasileira, simpática e firme em suas posições, Simone é filha de pai francês e mãe italiana. Estudou em Genebra na primeira escola de cultura global ligada à ONU e seu trabalho hoje é justamente ministrar cursos e implantar programas na área de educação e conscientização da realidade ambiental do planeta. Seu trabalho é desenvolvido na William Harmann House do Brasil, que fica no Espaço Antakarana, em São Paulo, do qual ela é uma das cofundadoras. Atualmente, ela é também coordenadora-geral do programa sueco The Natural Step (O Passo Natural), que ensina como o mundo pode se tornar mais viável por meio de uma mudança natural que ocorre passo a passo.

Sustentabilidade: será que é possível trocar esse conceito em miúdos?

Vou contar, com as minhas próprias palavras, uma historinha narrada sobre o médico oncologista sueco Karl Henrik Robèrt, que criou o programa de sustentabilidade The Natural Step, implantado pelo governo da Suécia nos anos 1990. Ele fala que, certo dia, algumas fadinhas estavam procurando um cantinho para morar na floresta. Depois de voarem por todos os lugares, elas descobriram uma linda caixa, toda azul, que parecia ser um lugar excelente para se abrigarem. Para seu espanto, dentro da caixa o ar era puro, os rios, límpidos e a natureza, de uma beleza indescritível. Felizes, entraram em sua nova moradia e fecharam a tampa. Decidiram, então, cortar algumas árvores para fazer suas casinhas, móveis e até palitos para seus dentes. Começaram também a produzir lixo, um lixo de fadinhas, a sujar os rios, a contaminar as águas dos oceanos. Elas também se multiplicaram rapidamente, e cada vez mais a caixa ficava mais suja e poluída: o ar não era mais puro, o clima mudou, os alimentos estavam cheios de produtos químicos e as fadas ficavam doentes por causa disso. Em pouco tempo, seu novo lar estava num estado lamentável. Até que uma fadinha disse: “Não dá mais para continuar desse jeito, vamos todos morrer! A gente vai ter de mudar!” Esse é o primeiro passo da sustentabilidade: a perfeita consciência de que não dá mais para continuar desse jeito.

Em que parte estamos desse processo?

Durante os últimos anos foram feitos diálogos profundos com a sociedade, cientistas, políticos, empresários, e desse conjunto de informações saíram vários programas de sustentabilidade, várias diretrizes. Agora não é preciso mais dialogar tanto, está na hora de fazer, e fazer bem feito, para que as ações realmente deem resultado. Já se falou muito em novas maneiras de ser, em novas maneiras de entender. De conversar ou de atuar. Nesta casa mesmo trouxemos muitas figuras de renome internacional que falaram sobre essas mudanças necessárias, prementes. Agora está na hora de arregaçar as mangas, aplicar uma nova maneira de trabalhar em conjunto, proposta nesses diálogos, e partir para a ação. O momento crucial do diálogo já passou. Está na hora de implementar concretamente as mudanças. Os quatro programas ensinados aqui no Antakarana neste momento são para que as pessoas possam agir praticamente, tanto em sua vida individual como em sua vida comunitária. Agora o diálogo e a interação são apenas necessários para se criarem novas ferramentas de ação.

E como se encaixa um programa como The Natural Step nessa mudança?

É interessante esse nome, “O Passo Natural”, pois ele nos diz que não dá para se forçar uma barra, é preciso que o processo todo seja mesmo natural. O passado nos trouxe o presente que é este aqui e agora. Não se pode excluir o passado de um governo, de uma organização, de uma escola, de uma família ou até mesmo de um indivíduo.

Mas como criar uma nova realidade em que esses novos valores sejam uma exigência, não só um modismo?

Com a consciência de que não é possível mais manter o modelo antigo. Aí cada passo da mudança se torna natural. A crise financeira mundial, por exemplo, já é um sintoma de que se a gente quiser continuar com esse modelo antigo, insistir no que vínhamos fazendo sem mudar, vamos nos arrebentar. Essa crise pode ser superada, mas, se não há um cenário de mudanças concretas, outras surgirão. Porque é o sistema que está entrando em colapso. The Natural Step leva em conta o modelo presente, levanta a história desse governo, organização – seja uma empresa, seja uma família ou indivíduo, já que pode ser aplicado em todos os níveis – e orienta a fazer o planejamento estratégico para que essa realidade seja mudada. Ele foi idealizado por um oncologista que ficava encantado diante da mudança das pessoas diante de um caso de câncer na família: elas tornavam- se mais solidárias, mais interessadas no bem-estar do outro. Ele pensou que, se as famílias mudavam naturalmente diante daquele quadro terrível, as pessoas também poderiam mudar com base na conscientização da nossa situação ambiental, isto é, se elas soubessem exatamente o que estava acontecendo e tivessem mecanismos a seu alcance para poder cooperar.

Qual a mudança fundamental que a sustentabilidade nos traz?

Existe uma crise atual de valores, antes de tudo. A sustentabilidade se apoia no tripé dinheiro, meio ambiente e ser humano. São esses os seus valores. O modelo antigo, ainda adotado hoje, só visa ao dinheiro, ao lucro, ao capital. Mas as coisas começam a mudar. Algumas empresas, por exemplo, estão abrindo espaço para contemplar as exigências do meio ambiente e dos seres humanos na mesma proporção com que se preocupam com os lucros. E essa mudança de valores deve ser feita de forma real, verdadeira, para que não fique só na maquiagem, no marketing ou na autoenganação. Mas esse processo real pode ser feito passo a passo, gradualmente, naturalmente.

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