Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Vamos ter de pintar nossos telhados de branco? E em 180 dias?

É o que ocorrerá aos paulistanos se for aprovado projeto de lei que tramita na Câmara Municipal. Para o CBCS, a medida não resolveria o problema das ilhas de calor.

Pintar de branco os telhados das edificações dos centros urbanos está sendo apontado como forma de diminuir a temperatura nas ilhas de calor.

A solução carece de mais embasamento científico e ainda não foi adotada em nenhum país ou cidade de forma generalizada. No entanto, tramita na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que, se aprovado, não só vai obrigar todo paulistano a pintar seu telhado de branco como a fazer isso em 180 dias a contar da data de publicação da lei.

Trata-se do Projeto de Lei 01-0615/2009, que propõe integrar ao conteúdo do Código de Obras e Edificações (Lei n.º 11.228/1992) as seguintes determinações:

• Todos os telhados e coberturas das edificações deverão ser da cor branca;

• As edificações terão 180 dias para se adaptar (ou seja, pintar o telhado de branco), a contar da data de publicação da lei;

• As despesas com a adaptação correrão por conta dos proprietários, sem incentivo do poder público.

Esta solução vale o custo e o aborrecimento que vai causar aos cidadãos desta cidade? O telhado branco de fato resolve o problema das ilhas de calor? Para o Conselho Brasileiro da Construção Sustentável (CBCS), não.

Solução inócua
Em seu documento Posicionamento sobre Tetos Frios, o CBCS não recomenda nenhuma política pública que torne obrigatória a solução proposta pelo PL 01-0615/2009, de pintar de branco todos os telhados da cidade de São Paulo, seja nas edificações novas, seja nas já existentes. O conselho acredita que não se deve privilegiar uma cor ou uma alternativa técnica em detrimento de outras.

A entidade recomenda o uso de toda e qualquer solução que possa reduzir a carga térmica e combater as ilhas de calor, tais como: telhados frios, tetos verdes, isolamento térmico de telhado, arborização urbana, pavimentos frios etc. E que o uso de qualquer técnica seja promovido no mercado brasileiro por seus reais benefícios.

O CBCS avalia também que a adoção de qualquer alternativa precisa ser feita a partir de pesquisas sistemáticas capazes de gerar normalização que proteja a sociedade de soluções inadequadas, seja pelo baixo desempenho, pela curta durabilidade ou pelo elevado impacto ambiental, entre outros aspectos.

Organização criada em 2007 para articular lideranças empresariais, pesquisadores, consultores, profissionais atuantes e formadores de opinião e induzir o setor da construção a utilizar práticas mais sustentáveis, o CBCS se debruçou sobre o referido PL, estudou o assunto e pesquisou alternativas para chegar a essa conclusão.

Vale ressaltar que é louvável a preocupação com a questão climática na capital paulista, notadamente com o fenômeno das “ilhas de calor”, locais que apresentam temperaturas mais altas na cidade, em razão da grande concentração de asfalto e concreto. A diferença de temperatura entre o centro da capital e as áreas periféricas chega a ser de 10 graus Celsius, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que realizou mapeamento térmico da cidade com apoio do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

Esse fenômeno aumenta o desconforto térmico das pessoas, pois, mesmo à noite, a temperatura não baixa. Com isso, sobem também os custos de climatização de residências e edifícios comerciais, aumentando ainda mais o consumo de energia.

É preciso enfrentar essa situação, mas obrigar a adotar uma única alternativa – no caso, pintar o telhado de branco – não resolve e o CBCS enumera as seguintes razões:

• Descaracterização de conjuntos históricos;

• Ofuscamento e desconforto visual para ocupantes de edifícios vizinhos, aviões e helicópteros;

• Rápida perda da capacidade reflexiva da superfície pintada com tintas convencionais, pelas características do clima brasileiro. No verão, há muito calor e muita chuva; a tinta acaba sendo levada pelas águas e a pintura precisa ser refeita constantemente, causando impactos ambientais que reduzem os benefícios, bem como a colonização por fungos e outros microorganismos com pigmentos escuros.

• Falta de referenciais, no Brasil, a respeito do desempenho e da durabilidade dos produtos nas várias condições climáticas do país. As certificadoras internacionais exigem três anos de envelhecimento natural no clima da região em que o produto será utilizado.

• Alto risco nas operações de limpeza e manutenção dos telhados, que precisam ser periódicas. Ao contrário de outros países, no Brasil a quase totalidade dos telhados é inclinada, sem acesso adequado e com telhas de cerâmica ou fibrocimento, que podem quebrar sob o peso de uma pessoa caminhando.

Diante disso, o CBCS propõe as seguintes alternativas:

• O uso de materiais “frios”, capazes de refletir parte significativa da radiação sobre os telhados, fachadas e pavimentos em climas quentes, é uma alternativa para melhorar o conforto térmico nas edificações e diminuir o consumo de energia. Telhas de alumínio ou galvanizadas, películas com barreiras de radiação, isolantes térmicos e dispositivos de sombreamento reduzem o calor nas edificações, embora não tragam benefícios urbanos.

• O “telhado verde”, ou seja, o uso de vegetação em telhados, fachadas e ruas, reduz o calor e traz ganhos para a cidade. Produz sombra e evaporação, tornando o ar mais úmido, retém água da chuva, contribuindo para diminuir as enchentes, e aumenta a biodiversidade.

• O estabelecimento de políticas públicas que promovam a arborização urbana trariam enormes benefícios no curto e no longo prazo. Enfrentar as conseqüências do aquecimento global exige proatividade. Mas esta de maneira alguma deve ser confundida com precipitação ou pressa. Qualquer nova tecnologia ou solução precisa estar calcada em estudos e pesquisas exaustivos. Caso contrário, em vez de resolver, trará mais prejuízos ambientais, sociais e econômicos.
Por Paulo Itacarambi e Cristina Spera (Instituto Ethos)

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