Entrevista: Eduardo Giannetti defende que se contabilize um PIB verde
Economista de formação e professor do Instituto de Estudos e Pesquisas (Inesp), o mineiro Eduardo Giannetti, 52 anos, está convencido de que o modo convencional como os países medem sua economia está totalmente anacrônico. Não só a forma com que “contabilizamos a economia”, mas o sistema de preços vigentes também deixa a desejar no tocante aos impactos ambientais. Defensor de um PIB verde e observador atento da Conferência do Clima (COP-15), Giannetti, autor de livros premiados, resume, em bom português, por que as decisões importantes foram adiadas para a COP-16: “É que o ideal para cada país é que todos façam esforço, menos ele”. Entrevista de Liana Melo, no O Globo.
O GLOBO: O senhor virou um crítico feroz do PIB. Por quê?
EDUARDO GIANNETTI: Tanto o sistema de preço como a forma com que contabilizamos os fatos em economia deixam a desejar no tocante ao impacto ambiental. Se uma comunidade tem acesso a água potável com a mesma facilidade com que consome o ar que respira, isso não entra nas contas nacionais. A água ainda é considerada um bem livre, como o ar que respiramos.
O GLOBO: Como assim?
GIANNETTI: Vamos supor que uma comunidade, ao se desenvolver, polui todas as fontes de água potável e passa, por isso, a ser obrigada a engarrafar água e distribuí-la. O PIB desSe país vai aumentar, no lugar de diminuir. Tudo porque algo que não era transacionado pelo mercado e que não passava pelo sistema de preços passou a ser contabilizado. Por essa lógica econômica, quando todos nós tivermos que carregar nosso tubinho de oxigênio para respirar, a sociedade, pelo registro puramente monetário, vai ter ficado mais rica. Este método de medição ficou anacrônico.
O GLOBO: O senhor poderia dar um exemplo desse anacronismo do PIB, no caso brasileiro?
GIANNETTI: Se derrubamos nossa floresta para vender madeira no mercado internacional, o PIB brasileiro vai dar um salto fantástico. Só que, ao optarmos por esse caminho, estamos empobrecendo as gerações futuras de uma forma irreparável, porque alguma coisa que era um patrimônio e tinha um valor permanente foi usada no presente para gerar um riqueza passageira. É mais ou menos como vender a prata da família para janta fora.
O GLOBO: O senhor também considera o sistema de preços caduco?
GIANNETTI: Claro, ele padece de alguns defeitos gravíssimos. O sistema de preços não registra o impacto ambiental das ações humanas. Basta compararmos o custo de geração de energia em uma usina eólica com uma termoelétrica: US$ 0,17 contra US$ 0,03 o quilowatt/hora. Nesse custo monetário não está embutido o valor real da poluição provocada por uma termoelétrica, daí porque a comparação é inadequada.
O GLOBO: Então a tonelada de gás carbônico gerada deveria ser precificada?
GIANNETTI: É preciso mudar o sistema de preços, porque ele só capta o custo monetário das atividades econômicas. O impacto ambiental não é contabilizado. O sistema de preços capta apenas uma parcela do custo, que é a monetária.
O GLOBO: No lugar de precificar o custo do CO2, embutir um imposto no preço final do produto não seria uma alternativa?
GIANNETTI: Estou convencido de que só teremos uma mudança estrutural nas decisões de investimento e nas de consumo à medida que o impacto ambiental for incorporado aos produtos, na forma de preço e não de imposto voluntário. As pessoas se declaram preocupadas com o aquecimento global, mas quando se fala em pagar voluntariamente, ninguém quer pagar a conta. Quando compramos uma passagem aérea, pagamos um valor monetário pelos fatores de produção embutidos: equipamento, serviço, combustível. Mas não pagamos o custo não monetário das emissões de CO2 equivalente geradas pela viagem.
O GLOBO: Um dos motivos de a COP-15 não ter avançado é porque ninguém quer pagar a conta?
GIANNETTI: Exatamente isso. O ideal para cada país é que todos façam esforço, menos ele. O grande complicador é a ação coletiva internacional, que se resume a como distribuir os custos da redução de CO2 equivalente entre os países.
O GLOBO: O Protocolo de Kioto expira em 2012, e o resultado não é dos mais alvissareiros. Por quê?
GIANNETTI – O Protocolo de Kioto revelou-se um acordo com uma série de problemas. Alguns dos países signatários, como a Espanha, não fizeram nada. Os espanhóis aumentaram suas emissões de CO2 equivalente após a assinatura do acordo, enquanto os Estados Unidos, que nem sequer são signatários, avançaram mais que a Espanha. Ficou claro que precisamos ter mecanismos para garantir o cumprimento do acordo e evitar que alguns países exportem suas indústrias sujas para os países em desenvolvimento.
O GLOBO: Dono da maior floresta tropical do mundo, o senhor considera que o Brasil tem uma posição relevante nas negociações internacionais sobre clima?
GIANNETTI – Os três grandes atores são a China, os Estados Unidos e a União Europeia. Os três juntos representam mais de 60% das emissões globais. O Brasil responde por 4,5%. A grande peculiaridade do Brasil é sua matriz energética, que é limpa, mas, em compensação, estamos destruindo nossa floresta. Já está comprovado que investir na prevenção do desmatamento é mais barato do que mitigar os impactos provovacos pelo desmatamento.
O GLOBO: Somos o maior exportador de carne do mundo, e a pecuária é apontada como um das grandes responsáveis por parte significativa do desmatamento. É possível fechar essa conta?
GIANNETTI – A emissão de gases-estufa do rebanho mundial supera a da frota automobilística. A Organização para a Agricultura e a Alimentação, órgão das Nações Unidas, a FAO, já previu que o consumo mundial de carne vai dobrar de 229 milhões de toneladas, em 2001, para 465 milhões em 2050. E o de leite vai subir de 580 milhão de toneladas para 1 bilhão nos próximos 40 anos. O meio ambiente não vai aceitar esse desaforo. A única forma de fechar essa conta é fazer como a Nova Zelândia, que está investindo em novas tecnologias. A situação do país é muito parecida com a do Brasil, porque também tem um rebanho grande e exporta para a União Europeia.
O GLOBO: O senhor acha que o governo está atento às questões ambientais?
GIANNETTI: Tendo a crer que a gravidade ambiental ainda não foi incorporada no processo decisório. As decisões são compartimentadas. Fica o Ministério do Meio Ambiente restringindo de um lado e a área econômica tentando atropelar. No lugar de ter uma postura integrada, há setores do governo remando para lados opostos.
O GLOBO: O senhor se considera uma pessoa pessimista?
GIANNETTI: O que me preocupa no Brasil é a combinação da nossa história com a nossa geografia. Geograficamente, fomos premiados com um patrimônio ambiental único. Só que nossa história é pautada pelo imediatismo. Faz parte da nossa formação histórico-cultural essa incapacidade de agir no presente tendo em vista o futuro e o longo prazo. Um dia de sol no planeta, pelo que ele tem de luz e calor, vale mais do que todas as reservas de petróleo no mundo. Esse dia de sol nos é dado gratuitamente e a economia não computa esse bem. Os sinais econômicos são cegos para essa realidade.
EcoDebate, 19/01/2010
Carta da Terra
"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)
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