Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

ONG expõe preocupação com falhas dos sistemas subnacionais de REDD


27/09/2012 - Autor: Fernanda B. Müller - Fonte: Instituto CarbonoBrasil

Analisando a parceria entre Chiapas (México) e a Califórnia, um novo relatório do Greenpeace alerta que a criação de esquemas subnacionais de REDD pode exacerbar conflitos sociais e não acarretar em reduções de emissões de gases do efeito estufa



A nona economia do mundo, o estado norte-americano da Califórnia, vai iniciar em 2013 o segundo maior esquema de comércio de emissões do mundo, atrás apenas do mercado de carbono da União Europeia (EU ETS). Empresas que são grandes emissoras passarão a ter metas de corte na liberação de gases do efeito estufa, e assim como sob o Protocolo de Quioto, elas poderão utilizar créditos de compensação para suprir até 8% das suas necessidades.
Poucas modalidades de projetos já foram eleitas como aceitáveis para compensação sob o esquema californiano, sendo que as iniciativas de redução das emissões por desmatamento e degradação, conservação, manejo florestal sustentável, manutenção e aumento dos estoques de carbono florestal em países em desenvolvimento (REDD+) ainda estão sob análise.
Diversas denúncias de que a inclusão do REDD+ não teria o resultado esperado em termos de corte de emissões e apoio aos povos tradicionais e locais já foram veiculadas na mídia internacional. Agora, um relatório do Greenpeace tem despertado discussões fervorosas.

Iniciativas estaduais vs. nacionais
"O sucesso do REDD+ depende da sua capacidade de resultar em reduções reais, adicionais e permanentes no desmatamento e na degradação florestal de forma que proteja a biodiversidade e respeite integralmente os direitos dos povos indígenas e comunidades locais. Porém, a atual preocupação com esquemas subnacionais de REDD+ arrisca gastar recursos finitos com um mecanismo que não terá benefícios reais para o clima, florestas ou pessoas, e pode tornar a situação ainda pior", alerta o Greenpeace.

Intitulado 'Outsourcing Hot Air', o documento analisa o caso da Força Tarefa dos Governos sobre Clima e Florestas (Governors’ Climate and Forests Task Force - GCFTF), uma parceria entre 17 governos estaduais do México, Brasil (Acre), Nigéria, Peru, Indonésia e Estados Unidos (Veja o relatório em inglês ou espanhol.

O grupo, que planeja justamente o desenvolvimento de esquemas subnacionais de REDD+, está em reunião até sexta-feira (28), em Chiapas (México), para a sua sessão anual.
Já o enquadramento para sistemas nacionais de REDD+ está sendo discutido no âmbito das Nações Unidas, e uma abordagem por fases foi aprovada, na qual devem ser desenvolvidas questões de governança, titularidade da terra e salvaguardas para biodiversidade e sociais.

Segundo o Greenpeace, as políticas do GCFTF são inconsistentes com as discussões da ONU.
“Por exemplo, as propostas sendo consideradas não exigem o monitoramento nacional. As fases vitais de preparação necessárias para garantir (entre outros) que as ações de REDD+ respeitem os direitos humanos e não os violem estão notavelmente ausentes da legislação da Califórnia”, denuncia a ONG.

A crítica do Greenpeace é que os membros da Força Tarefa têm a “oportunidade e a responsabilidade” de lidar com as principais causas da destruição das florestas, porém que o grupo está mais focado na criação de créditos de carbono para compensar as emissões de grandes poluidores californianos do que no “incentivo e adoção efetivos” de políticas de proteção florestal.

Conflitos sociais no México
Para exemplificar suas críticas, a ONG analisa o programa de REDD+ em implementação no estado mexicano de Chiapas, que já tem um acordo com a Califórnia para potencialmente gerar créditos de carbono provenientes da proteção das florestas.

A região, que abriga a Floresta de Lacandona, tem uma história rica que data do período da ocupação Maia.
Ainda hoje, há muita indefinição sobre a posse da terra, o que resulta em projetos de REDD que acabam espoliando os povos tradicionais dos recursos que dependem, denuncia o relatório. Além dos projetos independentes, o programa oficial de Chiapas para o REDD+ está em vigor desde janeiro de 2011.

O ‘Pacto para o Respeito e Conservação da Mãe Terra’, assinado pelo governo e comunidades da região Lacandona, tem direcionado cerca de US$ 150/mês para 1678 proprietários em troca da conservação das florestas.
O programa ainda não é usado para compensar emissões, segundo o relatório, mas já causa muita polêmica. Muitos proprietários dizem não receber a compensação e outros denunciam que os pagamentos são iguais independente do estado de conservação/degradação das terras.
Entretanto, o problema está exatamente onde não é clara a posse da terra e também na ausência de consulta aos povos locais. O relatório ressalta que há dúvidas quanto à duração do programa, objetivos específicos, fases e atividades dos projetos, orçamento, níveis de referência, zona de implementação e esforços de monitoramento.

Um relatório de 2012 mostra que os níveis de incerteza para as taxas de desmatamento em Chiapas chegam a 44%.
O Greenpeace reconhece que Chiapas tem estado na liderança em se tratando de questões ambientais, mas lamenta que, como demonstrado no relatório, projetos subnacionais de REDD+ sejam “fundamentalmente falhos”.
“O Greenpeace é contra a inclusão de compensações florestais subnacionais no novo esquema de comércio de emissões da Califórnia, sejam elas provenientes de Chiapas ou qualquer outro local”, disse Roman Czebiniak, conselheiro sênior do Greenpeace, ao Mongabay.

Propostas
O Greenpeace embarcou em uma campanha ao redor do globo pelo desmatamento zero. Inclusive, no Brasil, a ONG está em campanha para conseguir 1,4 milhão de assinaturas e entrar com uma proposta de lei de iniciativa popular para o Desmatamento Zero, assim como aconteceu com a Ficha Limpa.

Algumas recomendações são feitas no relatório para o GCFTF:
A adoção de políticas para o desmatamento zero e de uma “abordagem comum” que salvaguarde a biodiversidade e os direitos dos povos indígenas e comunidades locais para todas as atividades florestais, incluindo o REDD;

Iniciar esforços de conservação participativos e processos de planejamento do uso da terra;
Identificar e acabar com subsídios governamentais perversos que apoiem o desmatamento e a degradação, redirecionando para a proteção das florestas;
Esclarecer a titularidade e mapear os direitos de uso da terra (incluindo todas as concessões de uso), disponibilizando gratuita e publicamente;

Criar sistemas nacionais independentes para o monitoramento do desmatamento em tempo real, gratuitos e de acesso público;

Exigir coletivamente que os grandes industriais que impactam as florestas tornem suas cadeias de fornecimento integralmente transparentes e livres do desmatamento e degradação;

Instituir mecanismos transparentes e equitativos para a divisão de benefícios;

Apoiar um fundo florestal global projetado para oferecer benefícios múltiplos em termos de carbono, biodiversidade e dos direitos dos povos locais.

Críticas ao relatório
Dan Nepstad, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) criticou (Veja em português) o relatório do Greenpeace dizendo que pode frear, ou até reverter, os avanços conseguidos até agora por estados e províncias na redução do desmatamento e da degradação.
“O relatório critica um novo sistema de compensação de emissões que está nos estágios iniciais de desenvolvimento e a anos de sua implementação... Projetos como o da floresta Lacandon Maya não se qualificariam para compensações a menos que houvesse um impacto mensurável e verificável nas reduções de emissões”, defendeu.

Quanto à interação dos esquemas subnacionais com o enquadramento nacional em construção na ONU, ele explica:
“É no contexto de “Grupos de Trabalho em Compensação por REDD” (ROW, na sigla em inglês), envolvendo representantes da Califórnia, Chiapas e representantes do governo do Acre, junto com especialistas de diversas áreas, que possíveis moldes para esse sistema estão sendo desenvolvidos e estarão em breve disponíveis para a avaliação pública. Esses moldes serão compatíveis com as decisões da REDD+ tomadas dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês)”, completou Nepstad.

Mariana Pavan, coordenadora do GCFTF para o Brasil e especialista em REDD do IDESAM, comentou ao Mongabay que o relatório parece não compreender a Força Tarefa.
“Primeiramente, o GCFTF é uma plataforma de apoio aos estados em seus esforços para avançar nas regulamentações jurisdicionais do REDD+ como um todo e estes sistemas estão buscando uma gama de fontes de financiamento, tanto relacionadas ao mercado como fora dele. Em segundo, considerando as regras de REDD+ que estão mais avançadas no Brasil (Acre, Amazonas e Mato Grosso), todas estão intimamente relacionadas a políticas de controle do desmatamento e de desenvolvimento sustentável, e algumas das metas que o Greeenpeace cita no final são metas dos próprios estados”, comentou Pavan.

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Informação & Conhecimento