Implementação de legislação voltada para a gestão de resíduos sólidos é tema de entrevista com Samyra Crespo, secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
Vanessa Brito
O Brasil está no caminho certo em termos de gestão de resíduos sólidos. A Lei 12.305 ou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada no final de 2010 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é uma das legislações mais abrangentes e transformadoras que o país já teve. Ela se encontra em plena implementação e já está gerando acordos setoriais para logística reversa, a elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos e planos locais, que estão sendo desenvolvidos por estados, municípios e consórcios, com apoio técnico e financeiro do governo federal.
A aprovação da PNRS pelo Congresso Nacional levou cerca de 20 anos. Agora é chegado o momento de discuti-la com os diversos segmentos da sociedade e mercado para implementá-la. Essa legislação distribui responsabilidades para empresas, instituições, governos e cidadãos. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos deverá incorporar 240 mil catadores em cooperativas até 2014 e o total de 600 mil até 2030. Eles serão preparados e capacitados, inclusive, para atuar em outros elos da cadeia de reciclagem, além da coleta e separação de resíduos.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) vem trabalhando na implementação do Plano de Produção e Consumo Sustentáveis, desde 2009, priorizando o aumento da reciclagem no país com envolvimento de consumidores e do setor produtivo. O ministério também está desenvolvendo estudos e instrumentos para a criação do mercado de produtos recicláveis, como também a desoneração dos produtos fabricados a partir de materiais reciclados. O governo federal deverá criar linhas de crédito específicas para o setor de reciclagem.
Empresas brasileiras de todos os portes já estão trilhando o caminho da sustentabilidade, segundo pesquisas. A PNRS e a Política Nacional de Mudanças Climáticas apontam mudanças importantes nos processos de produção e consumo. O MMA também está implementando o Plano de Produção e Consumo Sustentáveis por meio da Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental (Siac).
O tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas (MPE) poderá ser considerado nos planos municipais de gestão de resíduos. A IV Conferência Nacional de Meio Ambiente, a ser realizada no período de 24 a 27 de outubro do próximo ano, será o momento ideal para sugerir a inclusão de condições específicas para os pequenos negócios na política ambiental brasileira.
Informações e avaliações citadas acima são de Samyra Crespo, secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do MMA. Ela é a nova entrevistada do site do Centro Sebrae de Sustentabilidade.
Perfil
Samyra Crespo é paulista e trabalha na área ambiental há 22 anos. É doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e durante sua carreira profissional sempre compartilhou as funções de pesquisadora titular do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e diretora do Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Instituto de Estudos da Religião (Iser), organização não governamental que é referência nos temas Agenda 21 e responsabilidade social.
É autora de vários livros, entre eles a pesquisa “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável”. Samyra Crespo obteve reconhecimento na área de pesquisa ambiental, trabalhando como conselheira de grandes organizações da área como Greenpeace, Rede de Informações do Terceiro Setor (Rits), Associação Brasileira de Desenvolvimento de Lideranças (ABDL) e Instituto Akatu. Desde agosto de 2008, ocupa o cargo de Secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental(Siac) do MMA.
CSS: Como está procedendo a etapa de implementação da PNRS?
Samyra : O MMA por intermédio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU) está coordenando a implementação da PNRS. Algumas medidas já estão sendo implementadas tais como alguns Acordos Setoriais para a logística reversa; e a elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que foi objeto de seis audiências públicas nas cinco regiões do Brasil. Esse plano prevê um conjunto de ações para vertebrar a PNRS, das quais se destaca a incorporação de 600 mil catadores organizados em cooperativas para a reciclagem dos resíduos, gerando emprego, cidadania e renda àquelas famílias. Os Planos Locais estão sendo elaborados pelos estados e municípios com o apoio de financiamento do governo federal.
CSS: Por que foram necessários 20 anos para a PNRS ser aprovada?
Samyra: Os tempos do Congresso Nacional não são aqueles que muitas vezes desejamos. Precisamos entender que os assuntos movem interesses diversos e é legítimo que esses interesses se manifestem no debate, dessa forma o parlamento torna-se uma caixa de ressonância desse conjunto de opiniões. O importante é que agora temos uma legislação moderna e precisamos implementá-la o quanto antes e é neste sentido que o governo federal está trabalhando.
CSS: Sociedade, mercado e governos estão aptos para atuar de acordo com a PNRS?
Samyra: Como foi dito na pergunta anterior, o tempo de debate conceitual foi realizado no parlamento. Agora é hora de implementar a política e é este o caminho que estamos percorrendo, dialogando com os segmentos da nossa sociedade sobre a implementação da Lei, que dispõe de um conjunto de metas e mecanismos que devem ser adotados.
CSS: Qual será o papel das cooperativas de recicladores na nova cadeia de valor?
Samyra: O Plano Nacional de Resíduos Sólidos tem como meta incorporar 600 mil catadores em cooperativas até o ano de 2030, sendo que desse total 240 mil até o ano de 2014. Esses números indicam a importância que se está atribuindo aos catadores nesse processo de implementação da PNRS. Eles serão agentes efetivos para a coleta seletiva e também serão preparados e capacitados para atuarem em outras áreas da cadeia da reciclagem.
CSS: O MMA é favorável à desoneração dos empreendimentos integrantes dos novos setores e segmentos que estão surgindo, tais como reciclagem, separação e reaproveitamento de resíduos, desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, etc?
Samyra: Toda ação que resulte em proteção e conservação do meio ambiente é precipuamente apoiada pelo MMA, visando o alinhamento das políticas e estratégias governamentais.
Desde 2009, o MMA vem trabalhando na implementação do Plano de Produção e Consumo Sustentáveis. Um dos temas prioritários do Plano é o aumento da reciclagem de resíduos sólidos, por meio do qual se pretende incentivar a reciclagem no país tanto por parte do consumidor como por parte do setor produtivo. E para alcançar a meta de aumento da reciclagem indicada no Plano, as ações visam estimular, por meio de instrumentos diversos, a criação de mercado para recicláveis; como também o desenvolvimento de estudos e instrumentos de desoneração da cadeia para produtos, que contenham materiais reciclados na sua composição, dentre outras ações de Educação Ambiental e sensibilização, que considerem a importância da reciclagem.
A própria Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, inclui a criação de instrumentos econômicos tais como incentivos fiscais para indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos.
Em novembro de 2009, foi criado no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) um comitê interministerial, do qual o MMA faz parte para discutir a desoneração tributária de matéria-prima e produtos à base de reciclados.
O MMA já vem atuando nesse sentido. Foram firmados acordos para a isenção do IPI de produtos recicláveis, considerando que a desoneração desse segmento é um dos fortes instrumentos de incentivo ao uso desses materiais, ao tempo em que há empresários desse ramo econômico reclamando, pois diversos segmentos integrados por empresas poluidoras contam com desoneração tributária, enquanto as recicladoras ainda não.
CSS: O governo federal vai criar linhas de crédito específicas para desenvolver a indústria de reciclagem no país?
Samyra: Sim.
CSS: Os conceitos de produção e consumo responsáveis permeiam toda a PNRS. Podemos considerar que consumidores e empresários brasileiros já estão trilhando esse caminho?
Samyra: Sim, segundo a pesquisa “O Consumidor Brasileiro e a Sustentabilidade: Atitudes e Comportamentos frente ao Consumo Consciente, Percepções e Expectativas sobre a Responsabilidade Social Empresarial” do Instituto Akatu, de 2010, apenas 5% da população assimilaram o conceito e praticam comportamentos representativos de consumo consciente. Vinte e três por cento estão engajados, mas praticam poucas ações, enquanto cerca de metade de toda a população ainda se encontra distante desses valores e comportamentos.
Uma outra pesquisa do MMA, de 2012, porém, indica que houve evolução da consciência ambiental do brasileiro entre 1992 e 2012. Atualmente cerca de 34% da população sabem o que é consumo sustentável e 85% estariam dispostos a adotar comportamentos como a redução do uso de sacolas plásticas. Desta pesquisa é possível aferir que grande parte dos brasileiros está consumindo ou está disposta a consumir de uma forma mais consciente, considerando os impactos socioambientais de suas escolhas.
Aliado a isso, os consumidores estão mais atentos ao cumprimento das responsabilidades socioambientais pelas empresas. E o setor produtivo já percebeu isso. Pesquisas demonstram que grande parte dos empresários acredita que a preocupação com o meio ambiente pode trazer ganhos financeiros e que a ausência de ações sustentáveis põe em risco a imagem da companhia. Uma pesquisa da CNI (2012) revela que mais da metade das empresas entrevistadas têm o tema discutido pelos altos escalões e acreditam que os esforços destinados ao tema devem crescer nos próximos anos por parte do setor industrial.
Entre os empresários de pequeno porte engajados em ações de sustentabilidade (cerca de 46% dos entrevistados pelo Sebrae em 2012), 79% acreditam nas práticas de proteção ao meio ambiente como uma forma de atrair clientes e 69% admitem que as ações passam uma boa imagem da empresa. Apesar disso, mais da metade dos empresários entrevistados disseram não utilizar materiais recicláveis nos processos produtivos, 83,4% não fazem captação de água da chuva e 50,9% não reciclam o lixo eletrônico.
Com relação ao atual padrão de produção e consumo, medidas como a PNRS e a Política Nacional sobre Mudanças do Clima, entre outras, apontam importantes mudanças nesse cenário. A fim de contribuir para a efetivação de mudanças expressivas e mensuráveis no padrão de produção e consumo, está sendo implementado o Plano de Produção e Consumo Sustentáveis pelo MMA, por intermédio da SAIC, o qual tem a missão precípua de fomentar políticas, programas e ações de produção e consumo sustentáveis no país. Algumas associações empresariais e representantes do setor produtivo já têm mantido presença ativa e articulada nesse processo, acompanhando e enriquecendo com suas experiências e reflexões, bem como consumidores que vêm se mostrando mais sensíveis como outros apoiadores de ações pela sustentabilidade.
CSS: Prefeituras têm papel fundamental na PNRS. A municipalidade está sendo apoiada pelo governo federal para planejar e executar o plano de gestão de resíduos sólidos nas cidades?
Samyra: O governo tem oferecido apoio técnico e financeiro para que os estados e municípios se organizem para a implementação da Lei, quer seja mediante a organização/instituição de consórcios municipais ou os municípios individualmente.
CSS : Como avalia o fato de apenas 10% dos municípios brasileiros terem apresentado o estudo exigido pela PNRS, que condiciona o pleito de recursos federais para serviços de limpeza urbana, cujo prazo se esgotou em 2 de agosto passado?
Samyra: O Brasil tem mais de 5,5 mil municípios e uma grande parte com menos de dez mil habitantes. Muitas vezes esses municípios não dispõem de capacitação técnica para desenvolver seus projetos, por esta razão se tem incentivado a criação de consórcios, com vistas a tratar de forma integrada a gestão dos projetos. Espera-se avançar nesses números. O importante é que estamos no caminho certo.
CSS: As leis municipais de resíduos sólidos vão impactar diretamente a vida das micro e pequenas empresas. Os pequenos negócios poderão ter tratamento especial para se adequarem à PNRS e à legislação respectiva municipal?
Samyra: Os planos municipais devem considerar essas variações em cada território pelas suas particularidades. Vamos promover a IVª Conferência Nacional de Meio Ambiente para que a sociedade possa dar a sua contribuição na implementação das políticas de meio ambiente. Com certeza esse será um bom momento para que todos se manifestem sobre a melhor maneira de gerir os resíduos em cada município.
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