Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Impulso silencioso na luta contra as alterações climáticas

17 Janeiro2011 12:11

Achim Steiner

 O processo de negociações de um novo tratado global sobre as alterações globais tem sido marcado, nos últimos dois anos, por muitos altos e baixos.

Muitas pessoas consideram mesmo que está a terminar a oportunidade para chegar a um acordo.

Mas desistir não é uma opção. A última ronda de negociações, que decorreu no passado mês de Dezembro em Cancún, no México, colocou, novamente, as negociações no caminho adequado, apesar de a um ritmo e dimensão que vai sem dúvida deixar muitos observadores frustrados.

O presidente mexicano, Felipe Calderón, e a secretária executiva das Nações Unidas para as alterações climáticas merecem o reconhecimento pelos avanços alcançados em áreas importantes como a reflorestação, um novo Fundo Verde de apoio às nações em desenvolvimento e a confirmação das promessas de redução de emissões feitas em Dezembro de 2009 na conferência de Copenhaga.

Mas, tal como ficou claro pelos modelos climáticos do Programa Ambiental das Nações Unidas apresentados antes da Cimeira de Cancún, existe uma diferença significativa entre o que tem sido prometido pelos países em termos de redução de emissões e o que é necessário para evitar que a temperatura global suba mais do que 2º C, para não falar da meta de 1,5º C necessária para proteger muitas ilhas de baixa altitude.

Apesar de alguns ganhos, essa diferença - que de acordo com o cenário mais optimista, equivale às emissões de carbono de todos os automóveis, autocarros e camiões do mundo - continua a existir no período pós Cancún. De facto, ninguém deveria subestimar a dimensão do desafio que vamos enfrentar na África do Sul, anfitriã das próximas negociações, para alcançar um novo acordo vinculativo que permita reduzir esta diferença e garantir o financiamento necessário para colocar o Fundo Verde em funcionamento.

No entanto, enquanto a cimeira de Cancún lutava para chegar a uma conclusão, outra cimeira não oficial, que decorria muito próximo, também chegava ao fim. Esta cimeira paralela juntou chefes de Estado, governos regionais e locais, empresários e sociedade civil e analisou em que medida e a que velocidade alguns sectores da sociedade vão fazer a transição para um futuro de baixo carbono e criar as economias verdes com tecnologias limpas do século XXI.

As políticas reflectem este "momentum": de acordo com algumas estimativas, o presidente mexicano está a transformar o seu país com o mercado eólico de mais rápido crescimento. Além disso, o México vai abandonar, progressivamente, as velhas e ineficientes lâmpadas até 2014. O país acabou de retirar do mercado 850 mil frigoríficos ineficientes para os trocar por modelos modernos energeticamente eficientes e deverá fazer o mesmo com milhões de outros modelos nos próximos anos. Os lares mexicanos que instalarem sistemas de poupanças de energia, como aquecedores a energia solar, vão ter direito a hipotecas verdes com taxas de juro mais baixas.

O México não é o único país a adoptar uma estratégia nacional de transição para uma economia verde de baixo carbono e eficiente em termos de recursos. O Uruguai, por exemplo, anunciou uma estratégia para gerar metade da sua electricidade a partir de fontes de energia renovável até 2015.

Sessenta governos regionais e locais, responsáveis por 15% das emissões globais de gases com efeito de estufa, também estão a tomar medidas. O Québec e São Paulo, para citar apenas dois exemplos, querem reduzir as emissões em 20% até 2020 face aos níveis de 1990.

Grandes empresas, de bancos a companhias aéreas, também estão a contribuir. A retalhista norte-americana Wal-Mart, por exemplo, prevê reduzir as emissões equivalentes a 3,8 milhões de automóveis, implementando medidas de eficiência energética nas suas lojas chinesas.

De facto, o mundo está a assistir a uma extraordinária mobilização de projectos e políticas a nível nacional que estão a mudar as economias pela via da redução das emissões de carbono. No Quénia, a criação de uma nova tarifa está a permitir a expansão de fontes de energia eólica e geotermal. A Indonésia está não só a tentar resolver a desflorestação, como, a partir do próximo mês, vai começar a abandonar com os subsídios aos combustíveis fósseis para os automóveis privados. Muitos países e empresas estão a dar passos importantes, assinalando, assim, que não estão reféns do calendário lento das negociações oficiais.

Tudo isto pode levar muitas pessoas a questionar se precisamos mesmo de longas negociações internacionais e cimeiras climáticas das Nações Unidas. Mas a verdade é que a situação actual foi em grande parte catalisada pelas metas, calendários e mecanismos existentes nos tratados das Nações Unidas e, em particular, pelo "momentum" gerado pela, muitas vezes criticada, Cimeira de Copenhaga, em 2009.

Este "momentum" poderá continuar a crescer caso seja alcançado um novo tratado global que não só traga certezas aos mercados do carbono e desencadeie rápidos investimentos em tecnologias limpas, mas também garanta que os países mais vulneráveis não são marginalizados. O actual desafio é unir estes objectivos para que se reforcem mutuamente.

Só assim o mundo terá a oportunidade de lutar contra a subida da temperatura global, e evitar que esta suba mais do que 2º C ao longo deste século, intensificar a capacidade de resistência contra as alterações climáticas e transformar, verdadeiramente, as estruturas de energia do passado - e depois as perspectivas de desenvolvimento para seis mil milhões de pessoas no futuro.

Achim Steiner é vice secretário-geral das Nações Unidas e director executive do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP).

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