09.01.2011
Helena Geraldes
Oitocentas empresas mundiais estão a redefinir a sua estratégia até 2020, apostando na sustentabilidade, no que é visto como um factor de diferenciação para os consumidores, segundo um estudo das Nações Unidas.
Os últimos tempos não têm sido fáceis para as grandes empresas, desde instituições bancárias a companhias petrolíferas, passando por fabricantes de automóveis. Primeiro a crise económica e depois episódios como a maré negra no golfo do México têm arrasado a confiança de consumidores nas grandes marcas.
“A confiança é o recurso mais escasso para as empresas”, sublinhou Bruno Berthon, director dos Serviços de Sustentabilidade da Accenture, na 10.ª conferência anual BCSD Portugal, que decorreu em Setembro de 2010 no Centro de Congressos do Estoril.
Na última década, várias empresas têm identificado uma nova oportunidade de negócio que lhes permite poupar recursos, dar cartas na inovação tecnológica e recuperar a confiança dos consumidores: a sustentabilidade. Querem ganhar esta “corrida” num horizonte que vai dos cinco aos 20 anos. “Acabaram-se os imperativos morais para ser amigo do Ambiente. Hoje, a sustentabilidade passou a ser um factor de diferenciação para os consumidores”, acrescentou Berthon.
Nunca como agora foi tão grande a crença das multinacionais nos benefícios da sustentabilidade, asseguram os autores do estudo "A nova era da sustentabilidade", da plataforma das Nações Unidas Global Compact – que reúne empresas comprometidas com dez princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, ambiente e anticorrupção – e a Accenture, divulgado no final de Junho. Dos 800 presidentes dos conselhos de administração (CEO) inquiridos no estudo, de 25 sectores de actividade em mais de cem países, 93 por cento afirmou que a sustentabilidade será fundamental para o futuro sucesso das suas empresas. Há três anos, essa percentagem era de apenas 51 por cento. Alfredo Sáenz, CEO do Santander, chama ao momento “a tempestade perfeita para a indústria”. Na verdade, 80 por cento dos CEO considera que a crise aumentou a importância da sustentabilidade no topo da agenda das empresas. Apenas 12 por cento reconheceu que reduziu o investimento em produtos mais “verdes”.
No mapa mundial, as regiões onde as empresas citam a sustentabilidade como muito importante para o seu sucesso futuro são a América Latina (78 por cento) e África (60 por cento). Na Europa, a percentagem é de 48 por cento.
Tendência já está lançada
Bruno Berthon viajou por dezenas de países e entrevistou, cara a cara, dezenas de CEO para lhes perguntar o que pensam da sustentabilidade. “Nas entrevistas todos começaram por dizer que a sustentabilidade é muito importante”, contou o especialista francês. É claro que nem todas as empresas estão a fazer aquilo que dizem querer fazer. Mas Bruno Berthon disse, em entrevista ao PÚBLICO, que está optimista. “Ainda estamos na turbulenta fase da ‘adolescência’, estamos só no começo. Mas a verdade é que as empresas decidiram não esperar pelas orientações dos governos sobre como fazer as coisas. A falta de vontade política tem sido uma decepção. As empresas estão a reagir de forma pragmática e pró-activa, definindo os seus próprios padrões”, contou. “Hoje, os CEO estão a ligar a sustentabilidade ao valor da sua empresa, inovam, têm programas energéticos, dão formação aos seus funcionários e começam a avaliar a realidade do seu compromisso.”
Ainda que “todas as empresas tenham a possibilidade de ser, mais ou menos, sustentáveis”, Berthon referiu, como exemplo, o caso da Siemens. “Em 2009, o portfólio de produtos e serviços ‘verdes’ desta empresa gerou receitas de 23 mil milhões de euros, ou seja, cerca de um terço das receitas anuais totais”. Segundo o estudo da ONU, em 2009, a Siemens ajudou os seus clientes a reduzir cerca de 210 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o equivalente ao total das emissões de Berlim, Londres, Munique, Nova Iorque e Tóquio.
Nesse mesmo ano, a Royal Phillips Electronics atingiu 31 por cento de receitas de produtos “verdes”, representando 7,2 mil milhões de euros. Em 2015 espera que essa percentagem suba para os 50 por cento.
Mas este movimento sustentável só é possível, lembrou Berthon, porque os consumidores mudaram. “Aquilo que era um subsegmento, o dos consumidores ecologistas obsessivos, acabou. Hoje, qualquer consumidor procura marcas com impactos positivos no Ambiente, na saúde e na sociedade”.
A mudança de mentalidades dos CEO explica-se ainda pelos efeitos de “políticas globais fortes, pelo discurso de pessoas tidas como líderes, como Al Gore ou Barack Obama, pelos preços da energia, por uma consciência global crescente”, comentou. “Vamos falar com os CEO e os governos para saber onde estão as lacunas e o que estão a fazer para as colmatar. Ainda há muito que está por fazer. É preciso inventar um novo futuro”, disse.
Carta da Terra
"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)
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