Em outubro de 2003, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA),iniciava, no Rio Grande do Sul, no Instituto de Capacitação e Pesquisa na Reforma Agrária (Iterra), um novo curso: era o Pedagogia da Terra, cuja finalidade era a formação deeducadores para atuarem nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Graças a um Convênio estabelecido entre a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), 50 jovens das áreas de Reforma Agrária, entre os milhares de camponeses e camponesas, acessaram mais um curso de nível superior.
Essa foi uma entre as centenas de parcerias estabelecidas com as mais de 50 instituições de ensino médio e superior, ao longo dos 10 anos, que ofereceram condições para que cerca de 400 mil jovens e adultos assentados tivessem se escolarizado e acessado níveismais elevados de escolaridade. Somente neste ano de 2008, estão em processo educativo formal 48 mil estudantes em 134 cursos.
O texto abaixo á parte do estudo: "Discutindo a cultura camponesa no
processo de ensino-aprendizagem em três escolas do sul do Brasil",autores: Luiz Paulo de Almeida,Maria Rosenilda Pingas,Paula Elizabete Pinto,Gelsa Knijnik.
O estudo faz parte de um conjunto que compõe o livro Teoria e prática da educação do campo cuja coordenação é de: Carmen Lucia Bezerra Machado,Christiane Senhorinha Soares Campos e Conceição Paludo. O livro é resultante do Convênio estabelecido entre a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
O campo brasileiro, os Movimentos Sociais e a diversidade cultural
"Na longa história deste nosso país e agora reforçado na conjuntura contemporânea,com a implementação das políticas neoliberais, dentre elas o agronegócio, o espaço geográfico denominado “campo” pelos trabalhadores organizados é visto como um lugar atrasado porque não se inclui no que é visto como “padrão da sociedade”. Além disso, é rotulado como monótono, sem vida e que apenas serve para produzir alimentos e matéria-prima para o lugar considerado civilizado: a cidade.
Quando os educadores não são camponeses, é essa cultura urbana que é considerada superior e, portanto, a que merece destaque na escola. Os livros didáticos reforçam essa idéia, mostrando o camponês como ingênuo, atrasado, “sem cultura”.
Isso faz com que nos acampamentos e assentamentos, muitas vezes os modos de vida camponesa, seus valores e suas crenças sejam desprezados, até mesmo pelos camponeses. A partir dos parâmetros hegemônicos, é possível compreender como os próprios agricultores se desacreditam, permanecendo num limite de reprodução apenas de seus meios de existência, envergonhados a ponto de negarem sua própria cultura ou abandonarem suas terras em busca de outra vida na cidade, que lhes é apresentada como melhor, mesmo que a maioria acabe indo parar nas favelas, vivendo uma vida desumana.
Por outro lado, há uma invasão cultural de mercado, de compra e venda, de lucro, de exploração não só dos bens materiais como também dos simbólicos. Essa invasão da sociedade capitalista também atinge o campo, principalmente o pequeno camponês que, por muitas vezes, tem seus direitos negados, entre esses a educação escolar, até o próprio reconhecimento de sua profissão e que acaba, muitas vezes, por abandonar o campo e entrar na lógica do capital.
Com esses inúmeros mecanismos de dominação, podemos perceber que já não há mais somente a apropriação da força de trabalho, das riquezas naturais e do poder econômico e político, mas também fica silenciada a cultura popular e no seu lugar se instala uma cultura da ambição, da violência, da destruição e principalmente, uma cultura do consumismo.
Com isso, os camponeses vêem negada sua forma de vida, seu jeito de se relacionar com as outras pessoas e com o mundo e passam a se enxergar como “jecas”, atrasados, sem saber qualquer.
Contudo, toda vez que se produz a negação cultural, a exclusão social e a desigualdade, se instaura a resistência. Assim, uma das maneiras de resistir, permanecendo no campo e se contrapondo à lógica do capital, é passar a fazer parte de um movimento social, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST que, por seu jeito de produzir ações e modos de resistência tem grande reconhecimento na sociedade.
Atualmente muitas pessoas estão fazendo um percurso inverso ao feito na chamada Revolução Verde, ao longo das décadas anteriores. Muitas pessoas que haviam abandonado o campo, que possuem suas raízes na agricultura, muitas pessoas jovens, por falta de espaço na sociedade, estão voltando a viver no campo e uma das alternativas encontradas por elas acaba sendo participar do MST.
Essa nova realidade faz com que hoje exista uma diversidade na composição social do MST, que passou a incorporar pessoas oriundas das periferias das grandes cidades, moradores de rua que, em sua condição de marginalizados, buscam no Movimento uma perspectiva de vida. No centro-oeste paranaense, em particular, o movimento hoje acolhe famílias brasiguaias (que retornam ao país após terem buscado alternativas de sobrevivência, há 30 ou 40 anos, no Paraguai).
Toda essa diversidade social e cultural faz com que aquilo que é comumente chamado de cultura camponesa precise ser re-significado. Assim, o conjunto do MST vai adquirindo formas diferentes de viver, hábitos, costumes, posturas, modo de trabalhar e produzir sua existência, de se relacionar com as pessoas, de educar os filhos. Isso forma os valores desse meio, que não são os mesmos dos camponeses de uma década atrás.
Porém, muitas coisas da cultura camponesa precisam ser resgatadas, como a mística vivida no cotidiano dos camponeses, que sempre foi pouca estudada ou percebida e que recarrega suas energias; e o mutirão, puxirão ou trabalho cooperado, outro símbolo forte da vida camponesa e que foi aos poucos sendo abafado pelo domínio do capital.
Outro aprendizado camponês que é preciso resgatar pode ser sintetizado pelo ditado: “Temos que ter a garantia da próxima planta”, que implica saber guardar as sementes para que não se estraguem, cuidando o período da “lua boa” para o plantio e a colheita.
Assim, fica resgatada uma grande marca da cultura camponesa: a resistência, pois carrega o fardo do seu desaparecimento por antecipação e, mesmo assim, insiste em germinar e dar sinal de vida.
Acesse o livro neste link: http://www.nead.org.br/index.php?acao=biblioteca&publicacaoID=366
Carta da Terra
"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)
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