por André Lima, Raul Valle e Tasso
Azevedo*
Para cumprir seu compromisso de campanha e não permitir incentivos a mais desmatamentos, redução de área de preservação e anistia a crimes ambientais, a Presidenta Dilma terá que reverter ou recuperar, no mínimo, os dispositivos identificados abaixo. No entanto, a maioria dos dispositivos são irreversíveis ou irrecuperáveis por meio de veto parcial.
A
hipótese de vetos pontuais a alguns ou mesmo a todos os dispositivos aqui
comentados, além de não resolver os problemas centrais colocados por cada
dispositivo (aprovado ou rejeitado), terá como efeito a entrada em vigor de uma
legislação despida de clareza, de objetivos, de razoabilidade, de
proporcionalidade e de justiça social. Vulnerável, pois, ao provável
questionamento de sua constitucionalidade. Além disso, deixará um vazio de
proteção em temas sensíveis como as veredas na região de cerrado e os
mangues.
Para
preencher os vazios fala-se da alternativa de uma Medida Provisória concomitante
com a mensagem de veto parcial. Porém esta não é uma solução, pois devolve à
bancada ruralista e à base rebelde na Câmara dos Deputados o poder final de
decidir novamente sobre a mesma matéria. A Câmara dos Deputados infelizmente já
demonstrou por duas vezes - em menos de um ano - não ter compromisso e
responsabilidade para com o código florestal. Partidos da base do governo como o
PSD, PR, PP, PTB, PDT capitaneados pelo PMDB, elegeram o código florestal como a
“questão de honra” para derrotar politicamente o governo por razões exóticas à
matéria.
Seja
por não atender ao interesse público nacional por uma legislação que salvaguarde
o equilíbrio ecológico, o uso sustentável dos recursos naturais e a justiça
social, seja por ferir frontalmente os princípios do desenvolvimento
sustentável, da função social da propriedade rural, da precaução, do interesse
público, da razoabilidade e proporcionalidade, da isonomia e da proibição de
retrocesso em matéria de direitos sociais, o texto aprovado na Câmara dos
Deputados merece ser vetado na íntegra pela Presidenta da República.
Ato
contínuo deve ser constituído uma força tarefa para elaborar uma proposta de
Política Florestal ampla para o Brasil a ser apresentada no Senado Federal e que
substitua o atual código florestal elevando o grau de conservação das florestas
e ampliando de forma decisiva as oportunidades para aqueles que desejam fazer
prosperar no Brasil uma atividade rural sustentável que nos dê orgulho não só do
que produzimos, mas da forma como produzimos.
Enquanto esta nova lei é criada,
é plenamente possível por meio da legislação vigente e de regulamentos (decretos
e resoluções do CONAMA) o estabelecimento de mecanismos de viabilizem a
regularização ambiental e a atividade agropecuária, principalmente dos pequenos
produtores rurais.
13 razões para o Veto
Total
1.
Supressão do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que estabelecia os
princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe garantia a essência
ambiental no caso de controvérsias judiciais ou administrativas. Sem esse
dispositivo, e considerando-se todos os demais problemas abaixo elencado neste
texto, fica explícito que o propósito da lei é simplesmente consolidar
atividades agropecuárias ilegais em áreas ambientalmente sensíveis, ou seja, uma
lei de anistia florestal. Não há como sanar a supressão desses princípios pelo
veto.
2.
Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do conceito de
áreas abandonadas e subutilizadas. Ao definir pousio como período de não
cultivo (em tese para descanso do solo) sem limite de tempo (Art. 3 inciso XI),
o projeto permitirá novos desmatamentos em áreas de preservação (encostas,
nascentes etc.) sob a alegação de que uma floresta em regeneração (por vezes há
10 anos ou mais) é, na verdade, uma área agrícola “em descanso”. Associado ao
fato de que o conceito de áreas abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto na
legislação hoje em vigor como no texto do Senado, foi deliberadamente suprimido,
teremos um duro golpe na democratização do acesso e da terra, pois áreas
mal-utilizadas, possuídas apenas para fins especulativos, serão do dia para a
noite terras “produtivas em descanso”. Essa brecha enorme para novos
desmatamentos não pode ser resolvida com veto.
3.
Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI do ART. 4º
ART). Isso significa a consolidação de ocupações ilegalmente feitas nessas
áreas como também novos desmatamentos no entorno das veredas hoje protegidas.
Pelo texto aprovado, embora as veredas continuem sendo consideradas área de
preservação, elas estarão na prática desprotegidas, pois seu entorno imediato
estará sujeito a desmatamento, assoreamento e possivelmente a contaminação com
agroquímicos. Sendo as veredas uma das principais fontes de água do Cerrado, o
prejuízo é enorme, e não é sanável pelo veto presidencial.
4.
Desproteção às áreas úmidas brasileiras. Com a mudança na forma de cálculo
das áreas de preservação ao longo dos rios (art.4o), o projeto deixa
desprotegidos, segundo cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA), 400 mil km2 de várzeas e igapós. Isso permitirá que esses ecossistemas
riquíssimos possam ser ocupados por atividades agropecuárias intensivas,
afetando não só a biodiversidade como a sobrevivência de centenas de milhares de
famílias que delas fazem uso sustentável.
5.
Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP - O novo
texto (no §6º do Art4o) autoriza novos desmatamentos indiscriminadamente em APP
para implantação de projetos de aquicultura em propriedades com até 15 mólulos
fiscais (na Amazônia, propriedades com até 1500ha – na Mata Atlântica
propriedades com mais de mil hectares) e altera a definição das áreas de topo de
morro reduzindo significativamente a sua área de aplicação (art.4º, IX). Em
nenhum dos dois casos o Veto pode reverter o estrago que a nova Lei irá causar,
ampliando as áreas de desmatamento em áreas sensíveis.
6.
Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e ocupação nos
manguezais ao separar os Apicuns e Salgados do conceito de manguezal e ao
delegar o poder de ampliar e legalizar ocupações nesses espaços aos Zoneamentos
Estaduais, sem qualquer restrição objetiva (§§ 5º e 6º do art. 12). Os estados
terão amplos poderes para legalizar e liberar novas ocupações nessas áreas.
Resultado – enorme risco de significativa perda de área de manguezais que são
cruciais para conservação da biodiversiadade e produção marinha na zona
costeira. Não tem com resgatar pelo Veto as condições objetivas para ocupação
parcial desses espaços tão pouco o conceito de manguezal que inclui apicuns e
salgados.< /p>
7.
Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para desmatamentos
futuros, ao não estabelecer, no art. 14, um limite temporal para que o
Zoneamento Ecológico Econômico autorize a redução de 80% para 50% do imóvel. A
lei atual já traz essa deficiência, que incentiva que desmatamentos ilegais
sejam feitos na expectativa de que zoneamentos futuros venham legaliza-los, e o
projeto não resolve o problema.
8.
Dispensa de recomposição de APPs. O texto revisado pela Câmara ressuscita a
emenda 164 (aprovada na primeira votação na Câmara dos Deputados, contra a
orientação do governo) que consolida todas as ocupações agropecuárias existentes
às margens dos rios, algo que a ciência brasileira vem reiteradamente dizendo
ser um equívoco gigantesco. Apesar de prever a obrigatoriedade de recomposição
mínima de 15 metros para rios inferiores a 10 metros de largura, fica em aberto
a obrigatoriedade de recomposição de APPs de rios maiores, o que gera não só um
possível paradoxo (só partes dos rios seriam protegidas), como abre uma lacuna
jurídica imensa, a qual só poderá ser resolvida por via judicial, aumentando a
tão indesejada inseguranç a jurídica. O fim da obrigação de recuperação do
dano ambiental promovida pelo projeto condenará mais de 70% das bacias
hidrográficas da Mata Atlântica, as quais já tem mais de 85% de sua vegetação
nativa desmatada. Ademais, embora a alegação seja legalizar áreas que já
estavam “em produção” antes de supostas mudanças nos limites legais, o
projeto anistia todos os desmatamentos feitos até 2008, quando a última
modificação legal foi em 1986. Mistura-se, portanto, os que agiram de acordo com
a lei da época com os que deliberadamente desmataram áreas protegidas apostando
na impunidade (que o projeto visa garantir). Cria-se, assim, uma situação
anti-isonômica, tanto por não fazer qualquer distinção entre pequenos e grandes
proprietários em situação irregular, como por beneficiar aqueles que desmataram
ilegalmente em detrimento dos proprietários que o fizeram de forma legal ou
mantiveram suas APPs conservadas. É flagrante, portanto, a falta de
razoabilidade e proporcionalidade da norma contida no artigo 62, e um
retrocesso monumental na proteção de nossas fontes de água.
9.
Consolidação de pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de
morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art. 64) o que representa um
grave problema ambiental principalmente na região sudeste do País pela
instabilidade das áreas (áreas de risco), inadequação e improdutividade dessas
atividades nesses espaços. No entanto, o veto pontual a esse dispositivo
inviabilizará atividades menos impactantes com espécies arbóreas perenes (café,
maçã dentre outras) em pequenas propriedades rurais, hipóteses em que houve
algum consenso no debate no Senado. O Veto parcial resolve o problema ambiental
das encostas no entanto não resolve o problema dos pequenos
produtores.
10.
Ausência de mecanismos que induzam a regularização ambiental e privilegiem o
produtor que preserva em relação ao que degrada os recursos naturais. O
projeto revisado pela Câmara suprimiu o art. 78 do Senado, que vedava o acesso
ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não inscritos no Cadastro
Ambiental Rural - CAR após 5 anos da publicação da Lei. Retirou também a regra
que vedava o direcionamento de subsídios econômicos a produtores que tenham
efetuado desmatamentos ilegais posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não
haverá instrumentos que induzam a adesão aos Programas de Regularização
Ambiental, como fica institucionalizado o incentivo perverso, que premia quem
descumpre deliberadamente a lei. Propriedades com novos desmatamentos ile gais
poderão aderir ao CAR e demandar incentivos para recomposição futura. Somando-se
ao fato de que foi retirada a obrigatoriedade de publicidade dos dados do CAR,
este perde muito de seu sentido. Um dos únicos aspectos positivos de todo
projeto foi mutilado. Essa lacuna não é sanável pelo veto. A lei perde um dos
poucos ganhos potenciais para a governança ambiental.
11.
Permite que imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem recuperar sua reserva
legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção quase generalizada. Embora
os defensores do projeto argumentem que esse dispositivo é para permitir a
sobrevivência de pequenos agricultores, que não poderiam abrir mão de áreas
produtivas para manter a reserva, o texto não traz essa flexibilização apenas
aos agricultores familiares, como seria lógico e foi defendido ao longo do
processo legislativo por organizações socioambientalistas e camponesas. Com
isso, permite que mesmo proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF
- e, portanto, tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência - possam
se isentar da recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que imóveis maiores
do que esse tamanho, mas com matrículas desmembradas, se beneficiem dessa
isenção. Essa isenção fará com que mais de 90% dos imóveis do país sejam
dispensados de recuperar suas reservas legais e jogaria uma pá de cal no
objetivo de recuperação da Mata Atlântica, pois, segundo dados do Ipea, 67% do
passivo de reserva legal está em áreas com até 4 módulos.
12.
Cria abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a necessidade de
recuperação da RL (art.69). A pretexto de deixar claro que aqueles que
respeitaram a área de reserva legal de acordo com as regras vigentes à época
estão regulares, ou seja, não precisam recuperar áreas caso ela tenha sido
aumentada posteriormente (como ocorreu em áreas de floresta na Amazônia, em
1996), o projeto diz simplesmente que não será necessário nenhuma recuperação, e
permite que a comprovação da legalidade da ocupação sejam com “descrição de
fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados
agropecuários da atividade”. Ou seja, com simples declarações o proprietári o
poderá se ver livre da RL, sem ter que comprovar com autorizações emitidas ou
imagens de satélite que a área efetivamente havia sido legalmente
desmatada.
13.
Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas nativas e transporte
de madeira no País. O texto do PL aprovado permite manejo da reserva legal
para exploração florestal sem aprovação de plano de manejo (que equivale ao
licenciamento obrigatório para áreas que não estão em reserva legal), desmonta o
sistema de controle de origem de produtos florestais (DOF – Documento de Origem
Florestal) ao permitir que vários sistemas coexistam sem integração. A Câmara
rejeitou o parágrafo 5º do art. 36 do Senado o que significa a dispensa de
obrigação de integração dos sistemas estaduais com o sistema federal (DOF). Como
a competência por autorização para exploração florestal é dos estados (no caso
de propriedades privadas rur ais e unidades de conservação estaduais) o governo
federal perde completamente a governança sobre o tráfico de madeira extraída
ilegalmente (inclusive dentro de Unidades de conservação federais e terras
indígenas) e de outros produtos florestais no País. Essa lacuna não é sanável
pelo veto presidencial.
Há
ainda outros pontos problemáticos no texto aprovado confirmado pela Câmara cujo
veto é fundamental e que demonstram a inconsistência do texto legal, que se não
for vetado por completo resultará numa colcha de retalhos.
A todos
estes pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL como é o caso da
definição injustificável da data de 22 de julho de 2008 como marco zero para
consolidação e anistia de todas irregularidades cometidas contra o código
florestal em vigor desde 1965. Mesmo que fosse levado em conta a última
alteração em regras de proteção do código florestal esta data não poderia ser
posterior a 2001, isso sendo muito generoso, pois a última alteração em regras
de APP foi realizada em 1989.
Por
essas razões não vemos alternativa sensata à Presidente da República se não o
Veto integral ao PL 1876/99.
* Em 02
de maio de 2012, por André Lima – Advogado, mestre em Política e Gestão
Ambiental pela UnB, Assessor de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (IPAM), Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica
e Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade, Raul Valle –
Advogado, mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo e Coordenador Adjunto do Instituto Socioambiental e Tasso
Azevedo – Eng. Florestal, Consultor e Empreendedor Sociambiental, Ex-Diretor
Geral do Serviço Florestal Brasileiro.
visite: www.IPAM.org.br | Twitter: IPAM_Amazonia | Facebook: http://on.fb.me/IPAMamazonia
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