Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

O que são ‘serviços ambientais’, ‘pagamento por serviços ambientais’ e ‘comércio em serviços ambientais’?

Publicado em maio 17, 2012 por

´Serviço ambiental´, também chamado de ´serviço ecossistêmico´, inclui o substantivo ´serviço´, um termo bastante utilizado na economia capitalista de mercado, na qual atuam empresas e profissionais que prestam os mais variados serviços e cobram por isso. Portanto, o ´serviço ambiental´ sugere que tem, por um lado, algo ou alguém que o presta ou providencia e, por outro lado, alguém que o recebe e o utiliza. Essa lógica parece se aplicar também no caso do ´serviço ambiental´ e seu ´comércio´.
Entretanto, há algo particular no caso do ´serviço ambiental´. Ele não é ´prestado´ por uma pessoa ou empresa, é simplesmente ´ofertado´ pela natureza e de forma gratuita. Os defensores dos ´serviços ambientais´ dão como exemplo áreas de floresta que, devido à sua vegetação densa, conseguem ´armazenar´ e ´produzir´ o ´serviço ambiental´ água que, por sua vez, garante o abastecimento de uma aldeia indígena que vive nessa floresta e de um pequeno vilarejo nas proximidades. Parece que a ´natureza´ está, neste caso, sendo transformada em uma espécie de ´fábrica de água´! Como veremos depois, há muitos interesses corporativos vinculados a esse processo.

A bióloga americana Gretchen Daily, uma defensora da ideia de ´serviços ambientais´, formulou sua concepção sobre o tema da seguinte forma: “as condições e os processos através dos quais ecossistemas naturais e as espécies que fazem parte deles sustentam e realizam a vida humana”. Ela argumenta que ´serviços ambientais´ garantem a biodiversidade de ecossistemas e resultam em ´bens´ como madeira, alimentos, plantas medicinais que, por sua vez, são transformados em produtos importantes para a vida humana (3) .

Outros autores (4), da Europa e dos EUA, falam em ‘funções ambientais´, não apenas pensando nos ´serviços prestados´ para o ser humano, mas em ´funções´ essenciais para manter a vida no planeta, tais como:
- funções de regulação: trata-se de funções que regulam processos ecológicos e sistemas que dão suporte à vida no planeta. São essas funções que fornecem muitos serviços benéficos direta ou indiretamente para o ser humano, como água e ar limpos, solo fértil e o controle biológico de pragas;
- funções chamadas de ´habitat´: relaciona-se com a função dos ecossistemas naturais de garantir um refúgio e condições para a reprodução de plantas e animais silvestres, o que contribui para a conservação da diversidade biológica e genética;
- funções produtivas: o processo de crescimento, inclusive absorção de carbono (CO2) e nutrientes do solo e produção de biomassa. Isso resulta em muitos alimentos, matérias primas para todo tipo de uso e fontes de energia para comunidades;
- funções de informação e outras que incluem oportunidades de reflexão, enriquecimento espiritual e lazer.

Fala-se de ´Pagamento por Serviços Ambientais´ quando alguém paga uma determinada quantia de dinheiro, um preço, por um determinado ´serviço ambiental´ prestado. É óbvio que a natureza, no exemplo da floresta que ´armazena´ e ´produz´ água, não tem conta bancária para receber dinheiro por ter ´prestado´ esse ´serviço´. É aí que os defensores da ideia afirmam que é preciso ter alguém ou alguma instituição para receber o pagamento, mas sempre com a condição de ser o ´dono´ daquela floresta, e também alguém disposto a comprar o referido serviço, a partir do qual começa o ´comércio em serviços ambientais´.

Apesar de haver muitos outros ecossistemas além de florestas, como, o cerrado, o pasto natural e os mares, as florestas são, sem dúvida, o principal ecossistema em questão quando se trata de projetos de ´pagamento e comércio em serviços ambientais´, segundo afirmam os defensores da ideia. Isso ocorre devido à sua enorme riqueza em termos de biodiversidade e, portanto, à grande quantidade de ´serviços prestados´, como a conservação de água e a absorção e armazenamento de carbono, dentre outros aspectos.

Dentro dessas florestas, há centenas de milhões de pessoas, os povos da floresta, que dependem totalmente das mesmas para sua sobrevivência física e cultural. Uma moradora da comunidade de Katobo, que vive na floresta no Leste da República Democrática do Congo, território de Walikali, relata o significado da floresta para ela: “Somos felizes com nossa floresta. Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal e isso nos permite viver bem. É por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. E nós, as mulheres, precisamos da floresta em especial porque é onde encontramos tudo que precisamos para alimentar nossas famílias. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não é dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas e tudo mais que precisamos.”(5)

No entanto, a ideia dos ´serviços ambientais´ é bem diferente da visão expressa nesse depoimento. O ´comércio em serviços ambientais´, por ser um negócio entre um vendedor e um comprador, é um mecanismo de mercado em que a natureza é transformada em ´unidades quantificadas, em ´bens´ comerciáveis, também chamados de ´certificados´, ´títulos´ ou ´ativos´. E mais, supõe-se ainda a ideia de lucrar com esse ´comércio´ e de poder destruir os ´serviços ambientais´ em um lugar sempre se for acompanhado por uma ´proteção´, ´recuperação´ ou ´melhoria´ em outro. Portanto, o ´comércio em serviços ambientais´ é algo radicalmente diferente da forma como os povos sempre vinham valorizando a floresta.

Portanto, vale verificar como a ideia sobre os tais ´serviços ambientais´ surgiu.
1 – Por mercantilização da natureza, falamos do processo de realizar transações comerciais e negócios com os bens da natureza, seja pela extração de elementos concretos, como a madeira, ou engarrafamento de água mineral; seja pela comercialização de componentes mais abstratos da natureza, como a biodiversidade, a fertilidade do solo, o carbono, a beleza da paisagem, o abrigo de uma floresta para as espécies, etc.

2 – Por financeirização da natureza, nos referimos ao processo pelo qual o capital especulativo se apropria de bens e componentes da natureza, comercializando-os através de certificados, de títulos, de ativos, etc., buscando, com a especulação financeira, a obtenção do maior lucro possível.

3 – Daily, G, 1997. Introduction: What Are Ecosystem Services? in Daily, G. (edt), Nature’s Services. Societal Dependence on Natural Ecosystems, Island Press, Washington DC. Informações do Glossary elaborado para o curso sobre Ecological Economics and Political Ecology do projeto EJOLT, coordenado pela Universidade Autonoma de Barcelona

4 – de Groot, R., 1994. Environmental functions and the economic value of natural ecosystems. In: A.M. Jansson, (Editor), Investing in Natural Capital: The Ecological Economics Approach to Sustainability, Island Press, pp. 151–168.; de Groot, R., M. Wilson, R. Boumans, 2002. A typology for the classification, description and valuation of ecosystem functions, goods and services, Ecological Economics, 41, 393-408. Informações do Glossary elaborado para o curso sobre Ecological Economics and Political Ecology do projeto EJOLT, coordenado pela Universidade Autonoma de Barcelona

5 – WRM, “Forests. Much more than a lot of trees”. Video, www.wrm.org.uy, 2011
Informe publicado no Boletim número 175 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais http://www.wrm.org.uy

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