Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

REDD deve beneficiar populações pobres dependentes das florestas, diz pesquisador

Publicado em julho 25, 2011 por HC
Essan Yassim Mohammed diz que governos devem ir além da definição mais restrita de direitos de carbono, que beneficia apenas quem tem titulação definitiva das terras

Na próxima sexta-feira, 29, um grupo de trabalho vai apresentar à ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, um artigo que resume os primeiros passos para a concepção de uma política nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).

A REDD funciona por meio da remuneração de emissões evitadas de carbono. Dono da maior floresta tropical do planeta, cuja queima responde por 1,5% dos GEEs emitidos no mundo todo ano, o Brasil tem um imenso potencial para gerar receita com REDD, mas, dependendo da regulamentação adotada, pode também perpetuar injustiças ancestrais, sobretudo na Amazônia, onde as populações mais pobres dificilmente têm escrituras definitivas das terras que habitam.

Essan Yassim Mohammed, pesquisador do International Institute for Environment and Development (IIED), afirma que a REDD só pode dar certo no Brasil se for possível assegurar que essas populações se beneficiem do mecanismo. Em artigo recém-publicado com o advogado Christoph Schwarte (“A justiça do carbono: como alavancar benefícios do REDD + para os pobres”), ele defende que os “direitos sobre o carbono” (do inglês “carbon rights”) não tomem como base a titulação definitiva da terra, como vem sendo estudado, mas levem em consideração os direitos civis, sociais, econômios e culturais das populações que dependem da floresta para sua sobrevivência. Entrevista de Karina Ninni, em O Estado de S. Paulo.

Em entrevista exclusiva, ele falou ao Estado:
Estado – Vocês mencionam no artigo que transformar o carbono em uma nova forma de propriedade ou uma nova commmodity comercializável não é o suficiente para fazer o mecanismo funcionar para comunidades indígenas e tradicionais. No contexto brasileiro, que tipo de iniciativa, em termos de política pública, poderia ser implementada para fazer com que o mecanismo funcione para as comunidades mais pobres? Como podemos assegurar que a versão brasileira dos “direitos sobre o carbono” não fique limitada à ideia de posse de um pedaço de floresta?



Mohammed – Como mencionamos, a floresta que sequestra carbono provê um link contínuo para um conjunto mais amplo de direitos, incluindo uso e posse da terra, emprego, alojamento e direito de ir e vir. Por isso, uma compreensão mais ampla dos “carbon rights” também leva em consideração direitos civis, culturais, políticos, sociais e econômicos de todos aqueles que dependem da floresta. Em resumo, isso significa que os governos devem ir além da definição mais restrita de direitos de carbono, pela qual os benefícios são limitados àqueles que possuem legalmente as terras cobertas por matas, mas também assegurar que as comunidades dependentes das florestas (que não necessariamente têm títulos das terras que habitam) se beneficiem. Além disso, os governos deveriam reconhecer figuras como o direito de uso da terra, por exemplo, tradicional forma que muitas comunidades da floresta têm para regulamentar o uso de seus recursos.



Estado – O modelo que vem sendo discutido no Brasil inclui duas categorias de crédito: UREDDs (unidades genéricas) e CREDDs (unidades certificadas). Esta última só seria concedida mediante comprovação e registro da posse de terras que não sejam motivo de disputa. Mas a maioria das pessoas que vivem em comunidades no interior da Amazônia não têm títulos definitivos das terras que habitam, embora possam, ás vezes, comprovar posse. Você crê que uma definição mais ampla de “direitos sobre o carbono” poderia ajudar essas pessoas a garantir seu dierito à terra?



Mohammed – Absolutamente sim! O argumento todo que defendemos é que os créditos de carbono – ou os benefícios a eles associados – não deveriam se basear na titulação da terra. Para que o REDD funcione no Brasil – e em outros lugares do mundo – é urgente que se adote uma definição menos estreita de “carbon rights”, permitindo que comunidades rurais se beneficiem do esquema. Outra questão que se pode colocar é “por que é importante fazer o REDD funcionar para os pobres onde estes se beneficiam mais proporcionalmente?” A resposta é simples. Há duas razões: a primeira é que temos a obrigação moral de de assegurar que os pobres se beneficiem ou, ao menos, não sejam negativamente afetados; a segunda é que o esqueme precisa manter legitimidade internacional (investidores) e local (comunidades). Se a intervenção (REDD) é percebida como ilegítima, ela pode ser facilmente boicotada pelos investidores e as comunidades locais, o que teria como consequência uma vida curta para o mecanismo.



Estado – Há uma grande discussão sobre a aplicabilidade do mecanismo em áreas protegidas (unidades de conservação). No Brasil, temos diversas que poderiam ser candidatas a receber benefícios de REDD. Na maioria, essas áreas são cercadas por populações que têm um importante papel: frear os vetores do desmatamento. São as chamadas áreas tampão. Como podemos fazer com que essas comunidades se beneficiem do mecanismo?



Mohammed – Há alguns estudos dando conta de que as áreas protegidas contêm no mínimo 15% do carbono terrestre. Entretanto, não está claro ainda se o mecanismo de REDD é aplicável a áreas protegidas. Discute-se muito se as áreas protegidas atenderiam aos requisitos de adicionalidade, pois se a floresta já é protegida sob o regime estatal, por que alguém iria pagar para reduzir emissões provenientes desse local (que, teoricamente, não emite)? Mas há muitos que argumentam a favor da inclusão de áreas protegidas no esquema de REDD porque elas estocam uma quantidade significativa de carbono que, de outra forma, já teria sido emitido. Talvez cada país deva reconhecer os benefícios de estoque de carbono que as áreas protegidas prestam e assegurar que não haja impacto negativo sobre as pessoas que dependem dos bens e serviços ambientais. A REDD poderia compensar potencialmente as comuidades locais (dentro e nos arredores das áreas protegidas) e satisfazer o princípio do “do-no-harm” (não causar danos).



Estado – Vocês afirmam que será necessário estabelecer uma autoridade para regulamentar o comércio de créditos provenientes de projetos de REDD, algo como um banco central. E defendem que esse organismo deve ter poderes de intervir no mercado. Esta é uma opinião popular entre os acadêmicos que se debruçam sobre o tema? Você acredita que será uma ideia popular entre governos, ONGs, e proprietários de terras?



Mohammed – Na maioria dos mecanismos de salvaguarda utilizados em programas que instituem políticas e medidas de REDD em nível nacional (em oposição a iniciativas regionais), há uma exigência de avaliar os impactos sociais, antes e depois da implementação . A exigência existe tanto para informar sobre o desenvolvimento e a implementação da estratégia de REDD + utilizada quanto para cumprir com as políticas da agência multilateral responsável. Contudo, embora exista essa exigência, não há orientações metodológicas nacionalmente apropriadas sobre como realizar essas avaliações. Isso é do interesse de todos nós que estamos envolvidos em desenhar e implementar o esquema de REDD e eu acredito piamente que é algo que está sendo buscado por muitos países como parte do processo de preparação da REDD.



Estado – Uma das sugestões que vocês fazem no artigo é que o esquema de comercialização dos créditos provenientes de projetos de REDD poderia se utilizar de um sistema de pagamento descendente para cada unidade adicional de terra, na tentativa de diminuir o benefício à medida em que o tamanho da propriedade aumenta. Isso não afastaria os grandes proprietários? Qual a vantagem de proteger mais para ganhar menos?



Mohammed – Bem, há uma relação que pode não ser verdade para todas as partes do mundo, mas que é aplicável a muitos países em desenvolvimento: o fato da produtividade ser inversamente proporcional ao tamanho da terra. Isso significa que, quanto maior a propriedade, menos produtiva ela é. Por outro lado, grandes proprietários de terras poderiam se beneficiar da economia de escala que pode reduzir significativamente os custos de transação envolvidos em sua participação no esquema de REDD. Neste caso, os pequenos proprietários podem ter de arcar com custos de transação relativamente altos e, como resultado, podem não achar o esquema atraente. Assim, seria muito provável que grandes proprietários de terras fossem incentivados a participar do esquema, enquanto pequenos ficariam de fora. Neste caso, uma discriminação positiva sistemática em favor dos pequenos proprietários é necessária. O pagamento descendente pra cada unidade adicional de terra é um dos “approaches” que podem ser usados para tornar o esquema “pró-pobres”. As vantagens de tal estratégia são: a distribuição dos custos de transação entre grandes e pequenos produtores e o incentivo aos pequenos produtores para que tomem parte no esquema e se beneficiem dele. Isso não quer dizer que os grandes proporetários não vão participar do esquema. Mas sim que seus benefícios marginais (irrealisticamente altos) serão reduzidos para um nível em que eles ainda possam perceber sua participação no esquema como modestamente rentável. Portanto, a taxa de pagamento em declínio deve ser cuidadosamente estimada.

EcoDebate, 25/07/2011
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