Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Mercado livre pleiteia energia mais flexível /// DCI

Fabíola Binas

SÃO PAULO - A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), representante da indústria, do comércio e do setor de serviços, trabalha para que o segmento de energia dê condições a estes consumidores de garantir no mercado livre a possibilidade de negociação do preço, e das condições de reajuste, entre outros pleitos, junto aos fornecedores.

Carlos Faria, atual presidente da Anace, esteve no programa "Panorama do Brasil", em que contou aos jornalistas Roberto Müller, que comanda o programa, Crislaine Coscarelli, editora de Indústria do DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil, quais são as perspectivas do mercado livre de energia no País.

Roberto Müller: A Anace representa os consumidores de energia, exceto aqueles conhecidos como eletrointensivos, sendo os demais o setor de serviços, o comércio e a indústria. É difícil começar a falar de energia no Brasil e resistir a perguntar sobre o apagão, já que nós estamos todos traumatizados com um novo susto. As explicações ainda são nebulosas, e o País está crescendo, bem como os investimentos. Então pergunto: há riscos, com a aceleração da demanda, caso o Brasil comece a crescer 7% ou 8% ao ano, de que a necessidade não seja atendida?

Carlos Faria: Não, esse risco não existe. Como você colocou, os investimentos voltaram, e isso é o trabalho que o governo vem fazendo no sentido de atender a essa demanda e à demanda futura. Então, as obras voltaram, principalmente com as usinas que estão sendo construídas no rio Madeira, e até a própria retomada do projeto nuclear, com a Angra 3, além das outras formas de energia que o governo hoje está buscando para atender essa demanda. Então, hoje nós não temos o risco dessa falta de energia ou de não atender à demanda. Existem alguns pontos que precisam ser considerados, como de que forma nós vamos atender essa demanda, porque isso significa custo e a indústria, principalmente, precisa ter custo competitivo no mercado. É com esse tipo de decisão que nós vamos afetar o nosso consumidor. Se nós investirmos na construção de térmicas, certamente o nosso custo será maior; mas se investirmos na energia hidráulica ou na eólica nós teremos um custo mais baixo.

Roberto Müller: E a energia nuclear?

Carlos Faria: No caso da energia nuclear também há um custo competitivo, e hoje existem no mundo países que têm, em sua maioria, a energia vinda do sistema nuclear. É uma energia limpa, então você não tem problemas de contaminação do meio ambiente, e ela pode ser construída em um tempo relativamente pequeno se você comparar com a construção de uma grande hidroelétrica. O Brasil tem a matéria-prima, que é o urânio, sendo um grande produtor de urânio, tem a tecnologia, tem o aprendizado das usinas que estão em operação - e já existe dentro do plano do governo o planejamento para construir mais quatro usinas até 2030. Então essa é uma energia que nós vamos ter de considerar daqui para a frente. Existe o problema do rejeito final: nós precisamos considerar a questão ambiental e guardar isso da melhor forma.

Milton Paes: Se formos analisar o Brasil, de uma forma geral, ele é um país privilegiado em relação a outros países da Europa, aos Estados Unidos, principalmente do ponto de vista da matéria-prima. O Brasil é um país rico em rios, um grande produtor de urânio, e também tem ventos, ou seja, temos tudo, na verdade, para essa matriz energética ser bem contemplada de várias formas. Na questão da energia eólica havia um problema sério, que era o custo dessa energia. Recentemente nós tivemos um leilão em que esses valores foram mais competitivos, e consequentemente o custo se tornou razoável. Levando em consideração todos esses recursos que nós temos no País, levando em conta também a questão do Pré-sal, que é importante e pode ser utilizada como uma forma de energia também, qual a perspectiva futura que você vê para o Brasil, diante de tudo isso?

Carlos Faria: Você coloca um ponto importante, e, voltando um pouco à colocação inicial, que é a questão do apagão. Na Terra hoje você tem necessidade energia, e a gente percebe muito isso quando ocorre um acidente como esse: quando todo mundo fica no escuro, a gente percebe a importância da energia. Você tem então a possibilidade de ter energia de fontes renováveis, que são todas essas que você falou, e as fontes fósseis. O Brasil vive hoje uma condição privilegiada, porque, do ponto de vista da geração de energia renovável, cerca de 75% da nossa geração vêm de fontes hidroelétricas, não é? Os nossos rios são perenes, tem vazão diferente ao longo do ano, mas estão lá, sempre, gerando energia. A energia eólica, que você acabou de mencionar, os ventos são favoráveis no período seco, quando nós temos menos vazão nos rios. Existe uma outra energia, que hoje também é importante para compor a matriz energética, que é a biomassa, a bioeletricidade que também contribui exatamente no período de seca. Quando nós temos o bagaço da cana e a palha da cana? Exatamente no período seco, quando você então pode economizar ou guardar a água.

Milton Paes: A água pode ser estocada, não é?

Carlos Faria: Além dessa vantagem. Então, só para você ter uma ideia, se você produzir 1 megawatt de energia com bagaço de cana, você consegue reservar, ou guardar no reservatório aproximadamente 4% do seu nível de água, justamente em um período em que não se tem água no rio. Então, essa matriz, a matriz renovável, dá um conforto muito grande para o Brasil. Isso acaba também na questão fóssil, que também não tem como evitar: nós temos as térmicas, elas estão aí e elas são a reserva de nosso sistema de geração hidroelétrica. Então, com o Pré-sal, nós vamos ter inclusive a possibilidade de administrar essa abundância de energia. Nós temos uma posição privilegiada na questão da geração de energia.

Crislaine Coscarelli: Mas quando o senhor cita as térmicas, elas são essenciais porque temos hidroelétricas gigantes em construção, o projeto da Belo Monte que está em andamento, sendo as térmicas a solução que o governo tem hoje nas mãos, mas também são muito caras. Como fica o mercado, principalmente o mercado livre, em relação aos preços e aos custos para a indústria, para o comércio e para a área de serviços?

Carlos Faria: Você tocou em um ponto importantíssimo, e este é o grande risco de todos nós, consumidores -não só os consumidores livres, mas também os consumidores cativos, os residenciais-, que é o despacho das usinas térmicas. Você tem hoje, dentro da matriz, usinas que são despachadas regularmente dentro da necessidade de você atender à demanda do mercado. Mas existe um termo que nós colocamos, o despacho das usinas térmicas fora da ordem de mérito, que é quando o governo, o Ministério de Minas e Energia, entende que, para preservar a água dos reservatórios, ele manda que as usinas termoelétricas entrem em operação. Só para te dar um exemplo, nós tivemos essa situação no ano de 2008 e isto custou na nossa conta R$ 2,5 bilhões de geração térmica fora da ordem de mérito nesse ano que mencionei. No ano passado, como os reservatórios estavam em uma condição melhor, a geração térmica fora da ordem de mérito chegou R$ 300 milhões de reais. Você pode dizer "bom, até economizamos", mas mesmo assim é muito dinheiro. E é isso que nós, enquanto associação, buscamos: a transparência do governo de como é feito esse processo de despacho dessas usinas, pois isso afeta enormemente o custo da energia. E quando você fala, então, da indústria, você pode estar tirando um produto do Brasil, e isso ocorre hoje: indústrias brasileiras estão abrindo unidades fabris em outros países porque nosso custo de energia está prejudicando o negócio.

Crislaine Coscarelli: O que funciona, então? O governo avisar "olha este ano nós tivemos um custo maior", então já se alertam as empresas, deixa-se isso claro?

Carlos Faria: A visão que eu tenho é que você precisa de um ajuste. O governo trata isso como um comitê, não tendo a participação do consumidor final, dos grandes consumidores e das associações. Isso é uma coisa que precisa ser discutida em um comitê maior e precisa ser anunciada também de uma forma mais tradicional. Assim: "Olha nós estamos prevendo isso: olhando a condição meteorológica, não vamos ter chuvas suficientes, vamos gerar isto". Como a gente recebe hoje as informações sobre o mercado financeiro, não é? Quando avisam sobre a manutenção ou diminuição das taxas de juros, sobre as tendências de alta ou de queda? Isso precisa ser feito também com a energia. Não é diferente.

Roberto Müller: Existe a energia livre e a não-livre. Por que existem as duas? Por que não poderia ser tudo livre, se, aparentemente, a energia livre é mais barata?

Carlos Faria: De fato, a grande vantagem do mercado livre é a possibilidade de o consumidor negociar o preço e as condições de reajuste da energia com seu fornecedor, seu gerador. À medida que nós evoluímos no mercado brasileiro de energia, foram criados patamares para a entrada dos consumidores. Hoje nós estamos em um patamar onde pode ser consumidor do mercado livre todo aquele consumidor que tenha um consumo de 3 megawatts e uma tensão acima de 69 mil volts. Ou, ainda, em uma condição especial, um consumidor que consome meio megawatt, mas aí ele precisa procurar uma fonte incentivada, a exemplo da energia eólica ou a bioeletricidade para ele se abastecer. Então estas são as condições: todos os demais consumidores hoje fora desses dois perfis são do mercado cativo. Só para dar um exemplo, nós poderíamos ter todo mundo no mercado livre. Existem países em que nós, os consumidores residenciais, ou os consumidores residenciais desses patamares, conseguem comprar sua energia.

Roberto Müller: Até o consumidor residencial?

Carlos Faria: Sim, você pode entrar na internet, olhar que consumo você está tendo na sua casa e nesse exato momento você decide quanto você quer comprar para aquela oferta que está no computador. Este é o famoso smart consumer, o consumidor inteligente. Isto é real e existe, mas, obviamente, para isso, você precisa ter um investimento em infraestrutura, você passa a ter de colocar medidores na sua casa que possam dar essa oportunidade. Mas você também não precisa ir muito longe. Poderíamos ter hoje no mercado brasileiro, o consumidor que compra sua energia e decide quando quer usar sua energia pagando o preço, pois a tarifa pode ser variável; então, se eu vou ligar o chuveiro, eu prefiro tomar um banho a partir das nove horas, que é quando a energia é mais barata, do que tomar um banho às 18 horas, que é quando eu tenho um pico de consumo de energia. Então estas são possibilidades que existem no mundo, não é ficção científica, e nós gostaríamos de ver isso implantado por aqui.

Milton Paes: O Brasil vem se desenvolvendo mais, a cada ano que passa, sob o ponto de vista de comunicações, de tecnologia. Será que vamos conseguir vivenciar essa realidade no setor de energia - e aí eu estou voltado especificamente para o consumidor residencial? Hoje o governo cria a possibilidade da questão da banda larga nas comunicações. Será que isso é um sinal de que no futuro haverá essa possibilidade em relação à questão da energia também?

Carlos Faria: Eu diria que já existem estudos e trabalhos que estão sendo feitos exatamente para nós chegarmos a essa condição, em que se possa ter o consumidor inteligente e dar a ele a opção de comprar a energia pelo menos pagando uma tarifa variável se não estiver consumindo na hora de pico. A questão de você poder comprar energia de vários fornecedores, ou operadores, esta é um pouco mais complicada do ponto de vista de investimento que nós temos de fazer para poder ter essa energia presente, mas é possível para um futuro próximo. Não é algo que esteja fora de cogitação.

Crislaine Coscarelli: Que tipo de incentivo o mercado livre poderia ter do governo para uma participação melhor, com o que dispomos hoje de tecnologia, conforme o funcionamento do mercado?

Carlos Faria: Do ponto de vista do crescimento do mercado livre -e esta é uma das bandeiras que não só a Anace, mas as demais associações têm-, incentivo seria você dar a chance ao consumidor livre de poder vender seu excedente de energia. O consumidor, para ser livre, precisa declarar quanto ele consome. Nós sabemos que uma indústria tem uma flutuação, você tem questões mercadológicas que obrigam você a reduzir a sua produção. Hoje o consumidor livre é obrigado a ficar com essa energia toda, ele não pode rever isso, e, quando ele vende, ele vai vender isso ao preço do mercado, que não representa a realidade do custo desta energia. No momento em que você dá a chance de ele vender este excesso de energia, você está trazendo a oportunidade de trazer mais consumidores para o mercado livre. Existe uma questão importante que é a das concessões de geração de energia que vão vencer. Essas concessões, se elas vão ser prorrogadas, o consumidor livre precisa ter acesso a essa energia, pois essa é uma energia que já está amortizada, foi paga por todos nós e ele precisa ter acesso a ela. Então, essas são reivindicações que as associações estão fazendo em um documento gerado em Florianópolis no ano passado e e que deixa muito claro o que quer o mercado livre e quanto ele pode trazer de benefício para a matriz de energia elétrica.

Crislaine Coscarelli: Seria uma certa flexibilização, então, do mercado, onde mais players poderiam participar, fornecendo a energia, o que baratearia o custo?

Carlos Faria: Exatamente. Este é um ponto importante para você poder crescer mercado.

Roberto Müller: Na sua opinião, em relação a essa questão delicada do fim das concessões, das fornecedoras de energia, o que vai acontecer, ou que deveria acontecer? Fazem-se novas licitações ou prorrogam-se as licenças em vigor?

Carlos Faria: Diante do curto espaço de tempo que nós temos entre hoje e o vencimento dessas concessões, nós defendemos a prorrogação das concessões atuais. Por quê? Simplesmente porque você precisa contar com essa energia e quem está gerando energia hoje precisa estar investindo em equipamento, em manutenção e novas máquinas, e se você avisa hoje que nós vamos fazer novas licitações, acaba-se inibindo, no mínimo, a manutenção dessas usinas geradoras - e aí você acaba caindo naquele ponto em que você tocou, que é a questão do apagão, que nos aflige. Nós tivemos um problema como o apagão, que certamente, também está ligado à manutenção de equipamentos. Embora não tenhamos hoje uma definição clara do governo, um dos itens certamente foi a questão da manutenção.

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