Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Programa remunera Acre por resultados contra desmatamento

 

Maura Campanili
 
Karl-Heinz Stecher, coordenador do programa REDD Early Movers (REM) e economista para a área de mudanças climáticas do KfW
As ações pioneiras do Estado do Acre no combate ao desmatamento, através da implantação de um Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa), sistema esse aprovado por lei em outubro do ano 2010, foram reconhecidas internacionalmente. O governo alemão incluiu o Acre em seu programa REDD Early Movers (REM). Segundo Karl-Heinz Stecher, coordenador do programa REM e economista para a área de mudanças climáticas do KfW, o estado brasileiro foi escolhido pelos resultados que conseguiu tanto na redução do desmatamento quanto na implantação de políticas públicas que podem ter um efeito multiplicador tanto no Brasil como internacionalmente.


Clima e Floresta - O que é o Programa REDD Early Movers (REM) e por que o KfW resolveu investir nele?
Karl-Heinz Stecher - O programa REM foi desenvolvido depois da COP 15, em Copenhague, quando percebemos que as negociações do clima não iam chegar a um resultado tão cedo. Ficou claro, na ocasião, que o mecanismo de Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação florestal (REDD), que havia se transformado numa grande expectativa para viabilizar enormes reduções de emissões - se falava até de 30% do que era necessário para ficar no patamar de aquecimento não superior a 2º C - ficou refém da lentidão das negociações no âmbito da convenção do clima. O quê fazer numa situação destas? Como contribuir para enfrentar o desânimo crescente? Como evitar que os que tinham investido muita criatividade, empenho e dinheiro para preparar-se para REDD não desanimassem de vez ou fossem desautorizados por seus superiores, governadores e presidentes por falta de recursos? O REM pretende dar uma modesta contribuição para um financiamento ponte (interino) de REDD. O programa dispõe, na sua fase inicial, de aproximadamente R$ 120 milhões no nível global. São recursos do governo alemão, disponibilizados através do Ministério de Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) . Esperamos que esses recursos cresçam durante os próximos anos. Ficamos muito animados com o grande interesse no programa, tanto por potenciais early movers, quanto por outras agências de cooperação. REM é essencialmente um programa de pagamentos sobre resultados na redução de emissões. Para a Alemanha, o programa REM é importante porque tem grande potencial multiplicador e catalisador para iniciativas que pretendem evitar o desmatamento.
 
Clima e Floresta - Por que o estado do Acre foi escolhido para receber estes recursos? Qual o seu montante e como e para que será pago?
Stecher - O estado do Acre foi escolhido por ser considerado um early mover. Talvez seja o early mover mais autêntico do mundo. Ainda lembro quando recebi a noticia da morte de Chico Mendes. Estava na cidade de São Paulo e foram comoventes as informações que chegavam do Acre. Eu, que não tinha a menor noção do que era a Amazônia brasileira, fiquei profundamente impressionado com a força da notícia da morte, que mexeu com a opinião pública de então. Foi um longo caminho desde a luta dos seringueiros até a lei estadual do Sisa. Muita luta e suor de muita gente: povos da floresta, movimentos sociais, pesquisadores, partidos políticos, secretários de meio ambiente, ONGs e institutos especializados, como o IPAM e muitos outros. O que conta, porém, não é o esforço, mas o resultado. O desmatamento no Acre, que ainda foi muito forte alguns anos atrás, começou a ceder. Os últimos governos estaduais têm tido um papel decisivo. O desmatamento não cedeu porque alguém encontrou uma fórmula mágica. Foi um conjunto de políticas públicas: o planejamento econômico-ecológico; o cadastro de propriedades rurais; a capacitação para lidar com sistemas sustentáveis de produção; créditos e impostos mais focalizados para apoiar a agricultura familiar sustentável; como também incentivos ambientais específicos. O montante do projeto REM-Sisa é de aproximadamente R$ 45 milhões. Os recursos serão pagos pelos resultados do desmatamento evitado dos anos 2012 a 2015. O desmatamento será medido pelo Prodes/Inpe e as reduções de emissões validadas pelo comitê científico do Sisa. Cabe lembrar que não haverá nesta transação nenhum tipo de “offsetting” e nem a comercialização de créditos no mercado voluntário de carbono.
 
Clima e Floresta - Este é o primeiro programa do gênero no mundo? Por que é importante um apoio como esse para um governo subnacional?
Stecher - O REM não está trabalhando com projetos locais. O que interessa é, em plena conformidade com os esforços no âmbito da convenção do clima e o fortalecimento de políticas nacionais de REDD. Isto é importante para não repetir os erros do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), de perder de vista o empenho setorial e ficar sem condições de controlar a fuga de carbono. Quer dizer, o deslocamento do desmatamento de um lugar para outro. Mas aparecem outros problemas: se abre uma grande distância entre os incentivos em nível nacional e o que é necessário em nível local para controlar os impulsores do desmatamento. Nesse sentido, o enfoque subnacional é muito promissor, porque permite – ainda mais num país federativo e de dimensões imensas como o Brasil – evitar a maior parte da fuga de carbono e estar mais perto dos atores locais para atacar os indutores do desmatamento. Em termos de repartição de benefícios, não tem como ultrapassar os estados. Seria um exercício muito abstrato, porque são os estados que retêm competências diversas que impactam o combate ao desmatamento. Ao mesmo tempo, qualquer atividade em nível estadual precisa ser estreitamente vinculada à política do governo federal, no que se refere as metodologias de medição da redução de emissões, ao monitoramento e à estrutura dos incentivos, como também às metas de redução do desmatamento em geral.
 
Clima e Floresta - O IPAM participou do desenho do programa REM no Estado do Acre. Por que esta participação foi importante?
Stecher - O IPAM participou de vários momentos em debates e na execução de estudos específicos. Para o KfW, foi importante ter um parceiro que reunia várias competências numa só equipe: ser co-impulsor e promotor da agenda REDD em nível internacional, ter experiência de implementação de políticas de combate ao desmatamento em nível local e ter um conhecimento profundo dos mecanismos políticos vigentes na área florestal do Brasil. Tanto o rigor científico para montar uma contabilidade de carbono robusta como a capacidade de conceituar e operacionalizar propostas, como o stock and flow, para conseguir um sistema justo de repartição de benefícios. Essas capacidades foram essenciais para fazer frente aos múltiplos desafios que surgem no contexto de uma iniciativa inovadora como a cooperação Sisa-REM.
 
Clima e Floresta - Quais são os resultados esperados pelo KfW para o financiamento feito para o Acre e que tipo de projeto deverá ser beneficiado com os recursos?
Stecher - O REM remunera resultados na redução do desmatamento. O primeiro pagamento foi referente ao ano 2012. Futuros pagamentos serão sempre condicionados aos resultados dos anos subsequentes até 2015. Já a repartição de benefícios começará por dois programas do governo do estado direcionados às Cadeias Produtivas Sustentáveis e à Economia de Baixo Carbono. Novos programas poderão ser desenvolvidos futuramente. Além da redução de emissões, outros resultados esperados são os efeitos positivos sobre a biodiversidade. Os impactos socias dos programas serão medidos a partir de estudos específicos. No nível estrutural, o projeto visa a consolidação e ampliação do Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais de Acre (Sisa) como mecanismo inovador de financiamento de serviços ambientais.
 
Clima e Floresta - Como será realizada a avaliação e o impacto desse financiamento para o Sisa?
Stecher - Como já falei, se trata de um programa de pagamentos sobre resultados. Se não houver resultados em termos de redução de emissões, não haverá pagamentos nos próximos anos. Segundo, vamos acompanhar se a consolidação e ampliação do Sisa em termos operativos e de impacto está sendo atingida. E, finalmente, vamos monitorar os impactos sociais e ecológicos dos programas de repartição de benefícios. Isto vai acontecer a partir dos próprios órgãos do Sisa, como a Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento do Sisa (Ceva), que é composta de membros de três conselhos diferentes (Conselho de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Conselho de Florestas e Conselho de Desenvolvimento Rural Florestal Sustentável) e garantirá a transparência e o controle social dos programas e subprogramas a serem financiados através do Sisa. Também serão feitos estudos específicos para medir o impacto.
 
Clima e Floresta - O Brasil tem como meta reduzir o desmatamento em até 80% até 2020. Como o senhor imagina o impacto desse financiamento e dos programas de REDD para o Brasil ou outros países detentores de florestas tropicais?
Stecher - O REM está desenhado como programa global para financiamento ponte de REDD. Queremos apoiar o avanço da fase um do preparar-se (readiness), para o concreto das fases dois (implementação piloto de early actions) e três (redução de emissões verificadas a partir de critérios e medidas aprovadas internacionalmente), no esquema definido no âmbito da COP de Copenhague. O Brasil é o país que tem dado mais ânimo a agenda REDD, por ter conseguido reduzir significativamente o desmatamento da Amazônia, de 27.000 km², em 2004, para 4.656 km², em 2012. A atuação dos estados da federação é complementar à atuação do governo federal. Consideramos que sistemas como o Sisa podem fazer uma verdadeira diferença. Ficamos felizes quando a experiência do Acre inspira outros estados, como recentemente foi o caso com a aprovação da lei que cria o Sistema Estadual de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) no Estado de Mato Grosso, sistema muito similar ao Sisa do Acre. É exatamente este o objetivo do REM: recompensar os esforços dos pioneiros para que outros sigam o seu exemplo, tanto nacional como internacionalmente.

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