Segunda, 21 de dezembro de 2009, 19h45
Em alusão ao monstro mitológico (imagem), o historiador Niall Ferguson chamou de Chimerica a aliança entre EUA e China
Na derrota para os Estados Unidos e a China na questão do acordo climático internacional em Copenhague, os países pobres, os emergentes e os da Europa viram de perto o novo poder das relações internacionais: a aliança ocasional Estados Unidos-China. Uma combinação inédita que, na sua faceta econômica, foi denominada há alguns anos, pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo, sistema sino-americano. Em livro publicado em 2008, o historiador Niall Ferguson a chamou de Chimerica, em alusão ao monstro mitológico.
O aumento sem precedentes do consumo e do crédito nos Estados Unidos até 2008, identificado como a causa mais abrangente da crise das hipotecas subprime, só foi possível no contexto das relações econômicas e financeiras entre Estados Unidos e China. Em 2007, os EUA precisaram tomar emprestados do resto do mundo cerca de US$ 800 bilhões para cobrir o déficit do Tesouro. A China, em situação oposta, obteve um superávit de US$ 262 bilhões em conta-corrente, equivalentes a mais de um quarto do déficit americano. Na verdade, a China tornou-se banqueira dos Estados Unidos. Uma situação inimaginável, por exemplo, no período da guerra fria.
Um conjunto de fenômenos explica a situação totalmente atípica de um país financiar outro muito mais rico do que ele. Até recentemente, boa parte dos empregos da China estavam em empresas que exportavam para os Estados Unidos. A disponibilidade quase ilimitada de produtos muito baratos produzidos por esses trabalhadores esclarece porque a onda de consumo dos americanos foi intensa e duradoura. Um aspecto curioso é que muitas dessas exportadoras pertencem a empresários dos Estados Unidos, que transferiram unidades produtivas para a China para baratear os seus custos. De quebra, exportaram empregos também, isto é, abriram na China vagas que, em uma situação típica, teriam criado nas suas unidades nos EUA.
A venda de títulos do governo americano ao Banco do Povo chinês contribuiu decisivamente para a manutenção de taxas de juros baixas nos Estados Unidos, proporcionando, portanto, excelentes condições de financiamento do consumo.
Bem vindo ao maravilhoso país dual China-Estados Unidos, diz o historiador inglês Niall Ferguson, que o chama de Chimerica, uma fusão dos nomes China e América. O nome é também uma alusão à figura mitológica da quimera. O monstro lendário do mundo antigo, parte leão, parte bode e parte dragão, simboliza as deformações e as ameaças da Chimerica para a economia mundial contemporânea. A dualidade que garantiu o crescimento global por um período longo proporcionou também condições para a explosão da crise atual.
O peso econômico de Chimerica é considerável. Detém um décimo da superfície terrestre, um quarto da sua população, um terço do PIB global e representou, nos últimos anos, mais da metade do crescimento mundial. As importações da China mantiveram, nos Estados Unidos, a inflação e os salários baixos. A poupança chinesa permitiu conservar as taxas de juros americanas baixas. O resultado foi o barateamento dos empréstimos e a lucratividade das empresas.
Toda essa virtuosidade continha, no entanto, uma armadilha. Quanto mais a China queria emprestar aos Estados Unidos, mais este país desejava tomar emprestado. A relação Estados Unidos-China contribuiu para criar condições favoráveis, portanto, para o surto de empréstimos bancários e de emissões de títulos e a multiplicação de derivativos - ativos que derivam o seu valor de outros ativos - e de hedge funds a partir do ano 2000, aponta Ferguson. Também foi a razão do inchaço do mercado de hipotecas, oferecidas até para quem não tinha emprego, bens e renda para pagá-las. Com um desfecho catastrófico: no final de 2008, mais de sete milhões de americanos tinham devolvido as suas residências e o número de famílias com casa própria regredira ao patamar de oito anos atrás, início do primeiro governo Bush.
O aumento sem precedentes do consumo e do crédito nos Estados Unidos até 2008, identificado como a causa mais abrangente da crise das hipotecas subprime, só foi possível no contexto das relações econômicas e financeiras entre Estados Unidos e China. Em 2007, os EUA precisaram tomar emprestados do resto do mundo cerca de US$ 800 bilhões para cobrir o déficit do Tesouro. A China, em situação oposta, obteve um superávit de US$ 262 bilhões em conta-corrente, equivalentes a mais de um quarto do déficit americano. Na verdade, a China tornou-se banqueira dos Estados Unidos. Uma situação inimaginável, por exemplo, no período da guerra fria.
Um conjunto de fenômenos explica a situação totalmente atípica de um país financiar outro muito mais rico do que ele. Até recentemente, boa parte dos empregos da China estavam em empresas que exportavam para os Estados Unidos. A disponibilidade quase ilimitada de produtos muito baratos produzidos por esses trabalhadores esclarece porque a onda de consumo dos americanos foi intensa e duradoura. Um aspecto curioso é que muitas dessas exportadoras pertencem a empresários dos Estados Unidos, que transferiram unidades produtivas para a China para baratear os seus custos. De quebra, exportaram empregos também, isto é, abriram na China vagas que, em uma situação típica, teriam criado nas suas unidades nos EUA.
A venda de títulos do governo americano ao Banco do Povo chinês contribuiu decisivamente para a manutenção de taxas de juros baixas nos Estados Unidos, proporcionando, portanto, excelentes condições de financiamento do consumo.
Bem vindo ao maravilhoso país dual China-Estados Unidos, diz o historiador inglês Niall Ferguson, que o chama de Chimerica, uma fusão dos nomes China e América. O nome é também uma alusão à figura mitológica da quimera. O monstro lendário do mundo antigo, parte leão, parte bode e parte dragão, simboliza as deformações e as ameaças da Chimerica para a economia mundial contemporânea. A dualidade que garantiu o crescimento global por um período longo proporcionou também condições para a explosão da crise atual.
O peso econômico de Chimerica é considerável. Detém um décimo da superfície terrestre, um quarto da sua população, um terço do PIB global e representou, nos últimos anos, mais da metade do crescimento mundial. As importações da China mantiveram, nos Estados Unidos, a inflação e os salários baixos. A poupança chinesa permitiu conservar as taxas de juros americanas baixas. O resultado foi o barateamento dos empréstimos e a lucratividade das empresas.
Toda essa virtuosidade continha, no entanto, uma armadilha. Quanto mais a China queria emprestar aos Estados Unidos, mais este país desejava tomar emprestado. A relação Estados Unidos-China contribuiu para criar condições favoráveis, portanto, para o surto de empréstimos bancários e de emissões de títulos e a multiplicação de derivativos - ativos que derivam o seu valor de outros ativos - e de hedge funds a partir do ano 2000, aponta Ferguson. Também foi a razão do inchaço do mercado de hipotecas, oferecidas até para quem não tinha emprego, bens e renda para pagá-las. Com um desfecho catastrófico: no final de 2008, mais de sete milhões de americanos tinham devolvido as suas residências e o número de famílias com casa própria regredira ao patamar de oito anos atrás, início do primeiro governo Bush.
¹ Por exemplo, uma opção de compra de ações do Google é um derivativo que obtem o seu valor das ações do Google que podem ser compradas no vencimento do contrato de opção de compra, se esta opção for exercida.
Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp.
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