Uma crítica ao novo Código Florestal, para debate no blog
Amigos, publico hoje artigo do excelente jornalista Geraldo Hasse, que há muitos anos cobre assuntos ligados à agricultura e ao meio ambiente e que, na fase preliminar da carreira de ambos, foi um querido colega na antiga redação de VEJA na Avenida Marginal do Tietê, em São Paulo.
Não compartilho necessariamente de cada linha do que ele escreve, mas Hasse o faz com autoridade e seu texto se presta a debates, o que sempre procuro estimular no blog.
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Ainda faltam debates em plenário e a sanção presidencial, mas o nosso pouco respeitado Código Florestal segue em marcha batida para ser finalmente flexibilizado, como queriam os empresários rurais, que continuam agindo como se o planeta não estivesse à beira de um colapso ambiental.
Na contramão das lutas ecológicas ao redor do mundo, tudo em Brasília caminha para a consolidação de um novo código mais leniente e permissivo do que o atual, criado em 1965 e já modificado algumas vezes, a última delas em 2001.
Esse retrocesso legislativo, festejado pela senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), será um dos cartões de visita do Brasil na Rio+20, a conferência mundial de meio ambiente e desenvolvimento, marcada para junho próximo no Rio de Janeiro.
Nesse evento serão analisados os avanços e reveses ocorridos nos 20 anos depois da Eco92, a conferência em que pela primeira vez a maioria dos países traçou metas visando ao equilíbrio ecológico ameaçado pelo crescimento predatório da economia.
Compromete os recursos hídricos
Apesar do extraordinário progresso tecnológico das últimas décadas, o balanço mundial não é positivo em termos ambientais, econômicos e sociais.
Se a reforma do Código Florestal for efetivamente colocada sob os holofotes da Rio+20, vai ficar claro para todo o mundo, especialmente para os brasileiros, o quanto são retrógradas as propostas e demandas do empresariado rural quanto à preservação das áreas verdes em encostas, testas de morros e matas ciliares.
A liberalização permitida pelo novo Código Florestal compromete a preservação dos recursos hídricos em todos os ecossistemas. Os parlamentares brasileiros estão cometendo um crime contra as gerações futuras, contando, ao que parece, com a conivência do Executivo, que preserva a óptica “desenvolvimentista” de governos passados, de Lula a Juscelino, como se vê no caso exemplar da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, que avança à revelia das comunidades vizinhas.
Novidades do “Código Florestal flex”
Abaixo, uma lista dos principais novidades embutidas no projeto em fase final de debate no Congresso.
Em síntese, o Código Florestal flex:
1 – Anistia quem desmatou áreas de preservação antes de 2008
2 – Aceita o conceito de área consolidada para todo desmatamento feito até julho de 2008. O mínimo aceitável seria considerar a data da última alteração do Código Florestal, em 2001
3 – Permite pastagens em topos de morro, bordas de chapadas e outras áreas de risco.
4 – Dá a grandes proprietários acesso a fundos públicos para recuperar os desmatamentos feitos ilegalmente
5 – Iguala a agricultura familiar a propriedades com quatro módulos rurais
6 – Considera consolidadas áreas improdutivas há dez anos ou menos.
7 – Libera o desmatamento em áreas de preservação permanente (APP) para eventos internacionais e para construção de estádios, aumentando os grandes impactos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016
8 – Autoriza o plantio de árvores produtoras de frutos ou outros produtos em áreas de preservação permanente (APP), abrindo espaço para a fruticultura, a seringueira e as árvores madeireiras como o pinus e o eucalipto
9 – Exclui da categoria de APP partes dos mangues, ecossistema fundamental para a reprodução de diversos animais, favorecendo a criação de moluscos
10 – Permite compensar o desmatamento de Reserva Legal (RL) dentro do mesmo bioma ou, seja, o facilitando a vida de quem tenha duas ou mais propriedades no mesmo bioma, da mata atlântica, por exemplo. Num deles, próprio para agricultura, ele pode desmatar tudo, desde que transfira a conservação da RL para a segunda área, que pode ser em outro estado; terras compradas de agricultores familiares e que tenham reservas de vegetação podem ser usadas para essa compensação
11 – Mantém a possibilidade de que médias e grandes propriedades possam se subdividir em propriedades de quatro módulos e, com isso, fiquem livres de recompor a vegetação da Reserva Legal, que é de 80% na Amazônia
12 – Continua permitindo a recuperação da Reserva Legal com 50% de espécies exóticas. Ou seja, as grandes empresas de celulose podem considerar o monocultivo de eucalipto como parte da Reserva Legal, o que abre brecha para a entrada do eucalipto na pré-Amazônia
13 – Para se regularizar, os grandes proprietários precisarão apresentar apenas um ponto georreferenciado, ficando isentos de apresentar o perímetro exato da propriedade
14 – Possibilita que grandes proprietários recebam pagamentos por serviços ambientais para manter a sua obrigação de preservar APP e RL, o que inverte o conceito de função social da propriedade
15 – Cria a Cota de Reserva Ambiental (CRA), que transforma cada hectare de floresta em títulos que deverão, obrigatoriamente, ser registrados em bolsa de valores. Assim, as florestas serão transformadas em alvos da especulação financeira. Além disso, os títulos poderão ser comprados por desmatadores como forma de “compensação ambiental indireta”. Na prática, as CRAs podem transformar-se em salvo-conduto para a prática do livre desmatamento. Uma vez comercializada a CRA, o agricultor não poderá retirar sua floresta do sistema financeiro, a não ser que o comprador garanta a aquisição de outra área ou outra cota.
Conta a ser paga pelas gerações futuras
Os tópicos acima são uma síntese, pró-memória, de um jogo em que se atrelam os interesses ecológicos de longo prazo aos interesses empresariais imediatos.
Essa conta será paga pelas gerações futuras.
E quando forem procurados os responsáveis, espera-se que a memória popular se lembre dos nomes de Kátia Abreu, Aldo Rebelo, Luiz Henrique da Silveira e das centenas de parlamentares que sacramentaram a flexibilização do Código Florestal.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A lei que revogará o Código Florestal será mais um grande estímulo à exportação barata dos recursos naturais concentrados na carne bovina.”
José Eli da Veiga, professor de economia da USP
* Geraldo Hasse é jornalista. Texto publicado originalmente no Século Diário, com o título de Flexibilizando o Código Florestal, e no Amigos de Pelotas, com o título de “Belo Monte de Sacanagens Ambientais”.
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