- Publicado em Terça, 18 Setembro 2012 17:41
Existem vários instrumentos econômicos e incentivos não monetários aplicáveis a sistemas de pagamento por serviços ambientais. Reconhecer essa diversidade abre caminho para soluções criativas, mais baratas e adequadas às realidades locais
Em mais de dez anos de atuação em sistemas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), o Instituto Vitae Civilis tem preferido o uso da expressão alternativa "Compensação Por Serviços Ambientais" (CSA). A sigla PSA se tornou consensual e disseminada, portanto também recorremos a ela com frequência por uma questão de padronização. Mas a diferença entre os dois termos é maior do que uma simples formalidade.
O conceito de CSA visa a fortalecer a noção de que existem múltiplas formas de incentivar a conservação da natureza. O pagamento em dinheiro, efetuado diretamente para o protetor-recebedor, é apenas um dos instrumentos econômicos disponíveis e não necessariamente o mais apropriado em todas as circunstâncias.
Acreditamos que ter em mente a diversidade de incentivos possíveis aumenta as chances de sucesso de projetos de PSA, sobretudo porque permite ao gestor aplicar a contrapartida mais adequada aos contextos locais.
Essa mentalidade também pode levar à redução de custos, pois favorece a busca de soluções criativas para uso dos recursos na administração pública. São exemplos: isenções fiscais, redirecionamento de subsídios, acesso privilegiado a crédito e a recursos produtivos, capacitação e assistência técnica para os prestadores de serviços ambientais, entre outras possibilidades.
Primeiramente, é preciso estabelecer que o PSA não se materializa apenas em projetos e programas que levam esse nome. A essência está no conceito, ou seja, no reconhecimento do valor de serviços ambientais e no uso de incentivos para preservação ou regeneração de sistemas naturais. O importante não é o pagamento, como a sigla pode sugerir, mas a busca da melhor forma de estimular comportamentos desejáveis.
Há inúmeros exemplos da aplicação desse tipo de pensamento em políticas públicas. No Brasil, desde o final da década de 1980, alguns estados vêm implementando o ICMS ecológico, mecanismo que aumenta os repasses de recursos oriundos do tributo estadual para os municípios que possuem unidades de conservação. Na região metropolitana de Curitiba, o projeto Condomínio da Biodiversidade oferece assistência técnica a proprietários de terra que desejam empregar medidas de conservação ou transformar remanescentes de floresta nativa em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Nenhum dos dois casos implica pagamento direto e individualizado aos prestadores de serviço ambiental, mas a motivação é a mesma.
Embora a recompensa em dinheiro também possa promover bons resultados, sua aplicação inspira cuidados. O primeiro risco diz respeito à definição do valor. Se for baixo demais, a contrapartida pode não ser suficiente para engajar os beneficiários, especialmente quando comparada aos ganhos potenciais de usos concorrentes da terra. Se, ao contrário, a quantia oferecida for muito atraente, teme-se desmotivar outras atividades produtivas. Qualquer que seja o valor, nos casos em que o prêmio se destina à restauração da natureza, aventa-se também a hipótese de que aproveitadores sejam instados a destruir o patrimônio ambiental apenas para recuperá-lo depois, mediante recompensa.
Para prevenir esse risco em particular, os programas de PSA devem dedicar atenção especial ao público que já protege recursos naturais. Incentivos para recuperação de áreas degradadas são desejáveis desde que estejam contemplados também os proprietários de áreas naturais conservadas e, de preferência, com estes tendo mais vantagens sobre os demais. Ademais, essa abordagem é fundamental para evitar que o pagamento enfraqueça motivações éticas e culturais quando alguns são remunerados por condutas que outros já adotam de graça, por convicção.
Esse é o temor de muitos autores que criticam o benefício monetário aplicado de maneira exclusiva. O pesquisador Luis Serra-Barragán, do departamento de Economia da Universidade de Warwick (Reino Unido), vale-se da Teoria dos Jogos para argumentar que as pessoas são tão mais propensas a colaborar pelo bem comum quanto maior for a percepção de que os outros também o fazem. Em tese, se o indivíduo percebe que o comportamento de seus pares é movido apenas por interesse material e individual, sua disposição em agir altruisticamente em prol do coletivo diminui.
Em PSA, argumenta o autor, esse risco se materializa na medida em que as restrições orçamentárias impõem necessariamente que nem todos os beneficiários elegíveis serão contemplados, pelo menos num primeiro momento. Assim, quem não recebe o pagamento poderia enventualmente perder a motivação de conservar por conta própria.
Naturalmente, todos os contratos firmados a título de PSA têm prazo definido. O que acontece depois que os contratos se cumprem? Sem o pagamento, os provedores de serviços ambientais voltarão a adotar práticas predatórias?
Mais uma vez, a resposta resvala na diversidade de compensações. É possível, por exemplo, planejar incentivos mais contudentes para a etapa de instalação do projeto e outros mais amenos para a fase manutenção dos resultados, desde que haja um processo de aprendizado no decorrer do percurso. Mesmo o projeto mais limitado em termos de recursos, planejamento e prazos é uma oportunidade para demonstrar que as boas práticas de uso da terra são benéficas ao proprietário e disso dependerá a continuidade dos resultados, ainda que o pagamento cesse. Mas essa possibilidade só se revela quando o PSA abre uma porta de diálogo entre pagador e recebedor.
A trajetória do pioneiro estado do Espírito Santo ajuda a ilustrar essa curva de aprendizagem. O programa estadual de PSA, com foco na conservação de recursos hídricos, começou premiando os proprietários de terra que tinham remanescentes florestais estratégicos ao longo dos cursos d'água. Depois, o programa passou a contemplar também a recuperação de áreas degradadas, mas o repasse limita-se a cobrir os custos de restauro, evitando, assim, que os beneficiários de melhor desempenho ambiental sintam-se injustiçados.
Mais recentemente, o estado passou a investir em capacitação. Um software especialmente desenvolvido para o programa PSA cria planos personalizados de agroecologia, revelando ao agricultor qual será o seu ganho de renda e produtividade se adotadas as melhores práticas, e em quanto tempo. Hoje, essa é a principal aposta dos gestores capixabas para os objetivos de longo prazo. Às vezes, o conhecimento é um tipo de capital tão ou mais eficiente que o financeiro para influenciar comportamentos de forma contínua.
Nossa principal recomendação para dirimir todas essas preocupações é conhecer profundamente a realidade sobre a qual se pretende intervir. No atual estágio de amadurecimento das políticas de PSA em municípios e estados brasileiros, há bons diagnósticos ambientais, porém essa mesma qualidade raramente se verifica no campo social. Estudar o contexto socioeconômico e, acima de tudo, planejar regras e ações de maneira participativa permite entender as reais demandas das comunidades, que não necessariamente serão monetárias.
Foi o que aconteceu na bacia do Rio Los Negros, na Bolívia, onde agricultores à jusante do rio vinham sofrendo com a escassez de água devido ao intenso desmatamento dos vizinhos na cabeceira. O planejamento participativo revelou que os responsáveis pelo desmatamento tinham interesse em apicultura. Assim, o município e os usuários da parte baixa do rio aceitaram oferecer caixas de abelha e insumos em troca da regeneração florestal.
Ainda que a compensação em dinheiro seja preferível, incentivos não monetários como capacitação ou assistência técnica podem ajudar a complementar o benefício, reduzindo os custos do projeto sem comprometer a adesão voluntária. E mesmo instrumentos exclusivamente econômicos podem ser desenhados de maneira mais criativa quando o modelo mental não está limitado à alternativa tradicional de pagamento.
O município mineiro de Montes Claros fez uso da boa e velha isenção fiscal para implantar um programa de PSA ao mesmo tempo tempo em que fortalece a economia local. Os proprietários que se dispõem a destinar parte de suas terras à conservação recebem mudas, assistência técnica e cédulas de "ecocrédito" no valor de R$ 110 por hectare/ano. As cédulas são aceitas como dinheiro em diversos segmentos de comércio. Os comerciantes, por sua vez, usam o ecocrédito para pagar impostos municipais, como IPTU e ISS.
Em suma, são infinitas as possibilidades de arranjo quando se reconhece que PSA não é um fim em si mesmo, mas um meio para promover a boa gestão ambiental do território. A lógica da compensação amplia a gama de opções e motiva a pergunta norteadora: que tipo de incentivo é mais adequado para alterar comportamentos na minha realidade local? O resultado é sempre mais confiável quando a própria sociedade é convidada a responder.
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