Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

A energia no Brasil

Julio N Scussel
LEPTEN - UFSC - www.lepten.ufsc.br

No cenário mundial o Brasil é um dos países mais bem posicionados em termos de disponibilidade de energia por contar com boas fontes renováveis e não renováveis; além de tecnologia para uso de ambas, porém carece de políticas claras e estáveis a longo prazo. As incertezas criadas pelo governo deixam as empresas e investidores cautelosos, tendo como reflexo imediato a elevação de preços, além da iminência de escassez.

No cenário das renováveis, dispomos de hidrelétricas que produzem, de forma limpa e renovável, praticamente toda a eletricidade que precisamos, apoiadas pela eólica que se apresenta viável numa série de sítios Brasil afora, principalmente no litoral. Além da eólica, o solo brasileiro recebe uma das mais altas médias de radiação solar anual, o que nos torna um local propício para uso de coletores solares residenciais para aquecimento de água de banho, para uso de células foto conversoras em comunidades isoladas (sistema híbridos) e instalação de usinas concentradoras de energia solar . A diferença entre energia eólica e solar é que a primeira precisa estar sempre integrada à rede elétrica e a segunda não. Desta forma poupa-se diretamente a água dos reservatórios e alivia-se a carga nas linhas de transmissão. Ainda dentro das renováveis, somos um país que possui vastas áreas cultiváveis, clima propício e domínio das técnicas de plantio da cana-de-açúcar, bem como domínio das tecnologias de processamento e produção de etanol.

Para completar a cadeia do combustível verde, dispomos de know-how já consolidado de carros movidos a etanol e de uma ampla frota de veículos flex rodando, e agora estamos avançando fortemente em pesquisas para desenvolvimento de leveduras capazes de aproveitar o potencial do bagaço e das folhas da cana para também serem convertidas em etanol, o que dobraria o potencial de produção. Se não bastasse o quadro favorável dentro das renováveis, detemos conhecimento e tecnologia na prospecção e extração de petróleo em águas profundas, além, claro, de amplas reservas petrolíferas no litoral brasileiro. O Pré-Sal é hoje uma das maiores reservas mundiais, situada numa área de não litígio, num país pacífico, o que o torna uma cobiça internacional e uma riqueza importantíssima para o Brasil. Do exposto até agora, teríamos ótimas chances de estar navegando em águas tranquilas no quesito energia, mas não é bem assim, pois temos no meio de tudo isso questões políticas que retardam a evolução da área. As indefinições e as idas e vindas do governo inibem investimentos, atrasam cronogramas e criam incertezas dentre os investidores.

Nas hidrelétricas, Belo Monte é um exemplo de como o governo conduz o processo de forma atabalhoada. Os biocombustíveis também oferecem exemplos de como o governo conduz o processo de forma titubeante. Num passado recente, houve uma forte campanha de incentivos e um formidável aproveitamento político por parte do governo federal, mas, de repente, a descoberta do Pré-Sal eclipsou a promessa verde. Foi a deixa para que muitas usinas fossem adquiridas por grupos estrangeiros; fato que nos torna não mais somente produtores, mas também arrendatários de terras. Estamos cedendo o domínio da cadeira produtiva para sermos colonizados novamente.

Isso afeta diretamente o preços ao álcool que poderia ser menor para nós, dado que ele não deveria ser negociado a preços internacionais, porém, como concorre diretamente com a gasolina (além de aditivá-la), terá preços regidos pelo custo do barril do petróleo e naturalmente o mercado empurrará os valores para o equilíbrio. O álcool mais barato aumentaria sua procura e baixaria o consumo da gasolina, o que induziria o aumento de seu preço e rapidamente a igualdade do custo por quilômetro rodado.

A procura sempre será de cada motorista em tentar descobrir se seu carro faz algumas frações de quilômetros a mais com álcool ou com gasolina, mas na média torna-se um engodo achar que teremos economias expressivas de um em relação ao outro. Em resumo: se quem produz gasolina também produz álcool, automaticamente forçará que a competitividade entre ambos eleve ambos os preços!

 Na energia solar também os avanços foram tímidos. A área recebeu poucos incentivos e reduzido respaldo do governo; com isso a indústria chinesa já inunda o mercado nacional com coletores e sistemas compactos de baixo custo, que muitas vezes possuem qualidade questionável. Menos mal que o efeito é de economizamos energia dos reservatórios de água, mas o setor de produção de coletores e sistemas já foi fortemente prejudicado. Para a nossa região também não faltam respingos das indecisões ou de decisões governamentais desfavoráveis à política do carvão. O último episódio foi o leilão do ano passado, no qual o minério foi suprimido da matriz geradora pela denominada medida A-5 do MME.

A provável justificativa foi, ou é, uma manobra do governo para mostrar nos fóruns e debates internacionais que está preocupado com a redução de emissões de CO2, mas essa seria uma balela sem tamanho, pois houve um pesado incentivo à produção de carros a partir da crise de 2008, que vai na contramão dessa medida. Há também um interesse frenético na extração do petróleo do Pré-Sal em detrimento de incentivos à produção de álcool. Sabe-se que a cadeia produtiva do etanol gera um balanço positivo na fixação de CO2, ao contrário da queima de petróleo. Se a preocupação fosse efetivamente com o dióxido de carbono, teríamos uma política fortíssima de produção de cana-de-açúcar e oleaginosas em vez de prioridade máxima dada ao combustível fóssil. Além disso, o carvão representa uma pequena parcela do quadro energético nacional e a continuidade da extração é um incentivo às pesquisas de gaseificação e queima limpa, além do carvão representar uma reserva estratégica. Não se depende diretamente dele, mas o teríamos como apoio.

Claro que a preocupação com o meio ambiente é defensável, mas não nos limites da hipocrisia ao deixar de queimá-lo e incentivar ao mesmo tempo o consumo de petróleo. Para completar: um dia poderemos ter que importar carvão, por exemplo, e daí não deteremos o conhecimento de gaseificação e/ou queima limpa, que é o resultado natural das pesquisas que ora estão em curso. Deixar de ter o carvão na nossa matriz energética é abdicar de uma fonte ainda abundante no resto do mundo. É isolar-se da possibilidade de ter uma carta na manga em caso de emergência no futuro.

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