Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Desenvolvimento sustentável:crítica ao modelo padrão

Leonardo Boff
Os documentos oficiais da ONU e também o atual borrador para a Rio+20 encamparam o modelo padrão de desenvolvimento sustentável: deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. É o famoso tripé chamado de Triple Botton Line (a linha das três pilastras), criado em 1990 pelo britânico John Elkington, fundador da ONG SustainAbility. Esse modelo não resiste a uma crítica séria.

Desenvolvimento economicamente viável: Na linguagem política dos governos e das empresas, desenvolvimento equivale ao Produto Interno Bruto (PIB). Ai da empresa e do pais que não ostentem taxas positivas de crescimento anuais! Entram em crise ou em recessão com conseqüente diminuição do consumo e geração de desemprego: no mundo dos negócios, o negócio é ganhar dinheiro, com o menor investimento possível, com a máxima rentabilidade possível, com a concorrência mais forte possível e no menor tempo possível.

Quando falamos aqui de desenvolvimento não é qualquer um, mas o realmente existente que é aquele industrialista/capitalista/consumista. Este é antropocêntrico, contraditório e equivocado. Explico-me.

É antropocêntrico pois está centrado somente no ser humano, como se não existisse a comunidade de vida (flora e fauna e outros organismos vivos) que também precisa da biosfera e demanda igualmente sustentabilidade. É contraditório, pois, desenvolvimento e sustentabilidade obedecem a lógicas que se contrapõem. O desenvolvimento realmente existente é linear, crescente, explora a natureza e privilegia a acumulação privada. É a economia política de viés capitalista. A categoria sustentabilidade, ao contrário, provém das ciências da vida e da ecologia, cuja lógica é circular e includente. Representa a tendência dos ecossisstemas ao equilíbrio dinâmico, à interdependência e à cooperação de todos com todos. Como se depreende: são lógicas que se auto-negam: uma privilegia o indivíduo, a outra o coletivo, uma enfatiza a competição, a outra a cooperação, uma a evolução do mais apto, a outra a co-evolução de todos interconectados.

É equivocado, porque alega que a pobreza é causa da degradação ecológica. Portanto: quanto menos pobreza, mais desenvolvimento sustentável haveria e menos degradação, o que é equivocado. Analisando, porém, criticamente, as causas reais da pobreza e da degradação da natureza, vê-se que resultam, não exclusiva, mas principalmente, do tipo de desenvolvimento praticado. É ele que produz degradação, pois delapida a natureza, paga baixos salários e gera assim pobreza.

A expressão desenvolvimento sustentável representa uma armadilha do sistema imperante: assume os termos da ecologia (sustentabilidade) para esvaziá-los. Assume o ideal da economia (crescimento) mascarando, a pobreza que ele mesmo produz.

Socialmente justo: se há uma coisa que o atual desenvolvimento industrial/capitalista não pode dizer de si mesmo é que seja socialmente justo. Se assim fosse não haveria 1,4 bilhões de famintos no mundo e a maioria das nações na pobreza. Fiquemos apenas com o caso do Brasil. O Atlas Social do Brasil de 2010 (IPEA) refere que cinco mil famílias controlam 46% do PIB. O governo repassa anualmente 125 bihões de reais ao sistema financeiro para pagar com juros os empréstimos feitos e aplica apenas 40 bilhões para os programas sociais que beneficiam as grandes maiorias pobres Tudo isso denuncia a falsidade da retórica de um desenvolvimento socialmente justo, impossível dentro do atual paradigma econômico.

Ambientalmente correto: O atual tipo de desenvolvimento se faz movendo uma guerra irrefreável contra Gaia, arrancando dela tudo o que lhe for útil e objeto de lucro, especialmente, para aquelas minorias que controlam o processo. Em menos de quarenta anos, segundo o Índice Planeta Vivo da ONU (2010) a biodiversidade global sofreu uma queda de 30%. Apenas de 1998 para cá houve um salto de 35% nas emissões de gases de efeito estufa. Ao invés de falarmos nos limites do crescimento melhor faríamos falar nos limites da agressão à Terra.

Em conclusão, o modelo padrão de desenvolvimento que se quer sustentável, é retórico. Aqui e acolá se verificam avanços na produção de baixo carbono, na utilização de energias alternativas, no reflorestamento de regiões degradadas e na criação de melhores sumidouros de dejetos. Mas reparemos bem: tudo é realizado desde que não se afetem os lucros, nem se enfraqueça a competição. Aqui a utilização da expressão “desenvolvimento sustentável”possui uma significação política importante: representa uma maneira hábil de desviar a atenção para a mudança necessária de paradigma econômico se quisermos uma real sustentabilidade. Dentro do atual, a sustentabilidade é ou localizada ou inexistente.

Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

Boaventura de Sousa Santos: Acesso à água desencadeará as grandes guerras do século

Publicado em janeiro 30, 2012 por HC
Se as guerras do século XX foram motivadas pela exploração do petróleo, os conflitos do século XXI estarão centrados no controle dos hídricos, previu o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Quem controla a água controla a vida”, disse.

A reportagem é de Micael Vier B. e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 27-01-2012.

Boaventura apresentou palestra em São Leopoldo, hoje, no Fórum Social Temático 2012, evento preparatório para a Cúpula dos Povos da Rio + 20. Ele fez um apelo para que o tema da água motive a agregação dos movimentos sociais, reunindo em torno dele povoados rurais e urbanos, movimentos de mulheres e indígenas.

Ao sinalizar dois grandes paradigmas em torno da temática, o sociólogo disse que enquanto comunidades consideram a água um bem comum vinculado à sua história, identidade e espiritualidade, a tese defendida pelo Banco Mundial submeteu a exploração da água às leis do mercado.

As dimensões do problema revelam que 17% da população mundial não possuem acesso à água potável, enquanto 40% dos moradores do planeta não têm saneamento básico. Mesmo Manaus, cidade cercada com a maior quantidade de água doce no mundo, apresenta problemas de coleta e tratamento de esgoto.

Em países do continente africano, afirmou Boaventura, o problema aflige diretamente a população feminina, na medida em que muitas mulheres chegam a consumir seis horas diárias na busca por alguns litros de água. “Essas pessoas realizam um esforço extraordinário para garantir a sustentabilidade de suas famílias”, enfatizou.

Dados oferecidos na palestra indicam que entre 40 a 90 milhões de pessoas foram deslocadas de suas propriedades no último século em decorrência de grandes projetos de mineração e barragem, a exemplo do que ocorre atualmente no Estado do Pará com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Como alternativa, Boaventura enalteceu o surgimento de um novo conceito de segurança humana, pautado pela democratização da água, pelo respeito ao valor atribuído a ela pelas diferentes culturas e por um processo de implementação do que denominou de uma “cultura da água”, a começar nas escolas.

Segundo o sociólogo, daqui a dez anos a humanidade estará travando esse mesmo diálogo em torno do ar, que já começa a ser explorado enquanto mercadoria, embora seja, assim como a água, uma falsa mercadoria na medida em que não é produzido pelo homem, mas a ele concedido de forma gratuita.

(Ecodebate, 30/01/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Redução de emissões de gases por degradação florestal poderá ser recompensada

Está pronto para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) projeto que cria sistema de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e incentiva o manejo sustentável e o aumento dos estoques de carbono, conhecido como REDD+. A iniciativa visa estabelecer valor econômico para a floresta em pé e criar regras que viabilizem a remuneração do proprietário que mantém área florestada.

Para o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), autor do projeto (PLS 212/2011), a implantação do sistema de REDD+ contribuirá para que as florestas brasileiras sejam vistas como ativos econômicos. A medida, prevê ele, será um estímulo para a preservação e recuperação de áreas florestadas nas propriedades rurais, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para minimizar os efeitos das mudanças climáticas.

O país ainda não conta com um ordenamento legal para regulamentar o mercado de serviços ambientais, ou seja, a remuneração pela proteção de ecossistemas responsáveis pela manutenção da vida no planeta e das condições necessárias à produção agropecuária. Caso o sistema REDD+ seja transformado em lei, comunidades tradicionais ou mesmo agricultores individuais que preservam matas nativas poderão entrar nesse mercado e ter acesso a uma nova fonte de renda.

Para viabilizar o mecanismo, o projeto prevê que seja instituída a Unidade de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (UREDD), correspondente a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente que deixou de ser emitida com a manutenção da floresta. As UREDDs poderão ser usadas na obtenção de financiamentos ou convertidas em títulos que poderão ser negociados em bolsas de valores do país ou no exterior.

O texto estabelece que seja criada uma Comissão Nacional para REDD+, que terá, entre outras, a função de regulamentar a UREDD e a emissão de títulos. Também prevê que o sistema seja financiado com recursos dos fundos sobre Mudança do Clima, Amazônico, de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Florestal, além de recursos provenientes de acordos internacionais, doações e de orçamentos públicos.

Código Florestal
Durante a tramitação do projeto de reforma do Código Florestal (PLC 30/2011) no Senado, Eduardo Braga chegou a apresentar emenda para incluir o sistema de REDD+ na nova lei, mas a sugestão foi rejeitada. O texto aprovado pelos senadores incluiu outros incentivos econômicos e financeiros para preservação e recuperação de áreas florestadas, como a concessão de crédito agrícola com juros menores e prazos de pagamento maiores, entre outros.

Nos debates sobre o novo código, tanto Eduardo Braga como Jorge Viana (PT-AC), que dividiu com Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) a relatoria da matéria, argumentaram reiteradas vezes que as florestas devem ser vistas como ativos e não como ônus ou impedimento ao desenvolvimento do Brasil.

Na justificação do PLS 212/2011, Eduardo Braga afirma que a formalização de um sistema de REDD+ no país é essencial para consolidar o controle do desmatamento nos biomas, por meio de incentivos à preservação. O relator do projeto na CCJ, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), elogiou a iniciativa e apresentou voto favorável. Além da Comissão de Justiça, a proposta será analisada pelas comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Meio Ambiente (CMA), esta última em decisão terminativa

Decisão terminativa é aquela tomada por uma comissão, com valor de uma decisão do Senado. Quando tramita terminativamente, o projeto não vai a Plenário: dependendo do tipo de matéria e do resultado da votação, ele é enviado diretamente à Câmara dos Deputados, encaminhado à sanção, promulgado ou arquivado. Ele somente será votado pelo Plenário do Senado se recurso com esse objetivo, assinado por pelo menos nove senadores, for apresentado à Mesa. Após a votação do parecer da comissão, o prazo para a interposição de recurso para a apreciação da matéria no Plenário do Senado é de cinco dias úteis.

Fonte: Agência Senado

O florescente mercado das ‘desordens psicológicas’

Publicado em janeiro 25, 2012 por HC

Surgido há 50 anos, o uso de antipsicóticos, a despeito de seus pobres resultados, tornou-se maciço na medicina psiquiátrica norte-americana. Na população geral, 1.100 pessoas (850 adultos e 250 crianças) se unem todos os dias à lista dos destinatários da ajuda financeira federal por motivo de problema mental severo

por Olivier Appaix, , no Le Monde Diplomatique Brasil
Criada em 2008, em Denver (Colorado), a empresa de exames médicos de imagem CereScan pretende diagnosticar os problemas mentais por meio de imagens do cérebro. Um documentário exibido no canal Public Broadcasting Service (PBS)1 mostra seu funcionamento. Sentado entre os pais, um menino de 11 anos espera, silencioso, o resultado da IRM2 de seu cérebro. A assistente social pergunta se ele está nervoso. Não, ele responde. Ela mostra então as imagens à família: “Vocês estão vendo? Aqui está vermelho, e aqui, alaranjado. Mas deveria estar verde e azul”. Tal cor sinaliza depressão; outra, os problemas bipolares ou as formas patológicas da angústia.

A CereScan satisfaz as demandas crescentes de uma sociedade que parece suportar cada vez menos os sinais de desvio. A empresa afirma que um em cada sete norte-americanos com idade entre 18 e 54 anos sofre de uma “‘desordem’ ou ‘problema’ patológico ligado à angústia”, ou seja, 19 milhões de pessoas.3 Um mercado para o qual ela vê um futuro brilhante: CereScan prevê abrir vinte novos centros nos Estados Unidos. Antes de partir para a conquista dos cérebros do resto do mundo?

As normas que definem o comportamento esperado não são claramente estabelecidas, mas os critérios de diagnóstico dos desvios ou transtornos considerados patológicos − como o “déficit de atenção” − são, esses sim, muito precisamente enunciados e classificados pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM, na sigla em inglês). Referência absoluta dos profissionais nos Estados Unidos, e cada vez mais em outros lugares do mundo, esse manual permite identificar os “transtornos patológicos” em idades cada vez menores. Nos Estados Unidos, desde o começo dos anos 2000, 1 milhão de crianças foram diagnosticadas com transtorno bipolar. Abaixo dos 16 mil em 1992, o número de autistas entre 6 e 22 anos passou para 293 mil em 2008, ou para 338 mil se incluirmos as crianças de 3 a 6 anos – uma categoria de idade que passou a figurar nas estatísticas em 2000.

Na população geral, 1.100 pessoas (850 adultos e 250 crianças) se unem todos os dias à lista dos destinatários da ajuda financeira federal por motivo de problema mental severo. O pente fica cada vez mais fino. E, no entanto, os testes clínicos realizados nos adultos se revelam bem pouco conclusivos quanto aos benefícios a longo prazo da resposta farmacoterapêutica às doenças mentais. Se, em algumas semanas, reações positivas podem aparecer (geralmente equivalentes, no entanto, àquelas provocadas pelos placebos), os efeitos por um período mais longo incluem alterações irreversíveis do cérebro e discinesias tardias.4

A resposta farmacoterapêutica às doenças mentais apareceu nos anos 1950, a partir dos trabalhos de um médico francês, Henri Laborit, sobre o paludismo, a tuberculose e a doença do sono. No último, ele constata a “quietude eufórica” provocada pela prometazina. Em 1951, ele qualifica de “lobotomia medicinal” a intervenção cirúrgica que destrói as conexões do córtex pré-frontal5 inventada pelo neurologista português Egas Moniz, Prêmio Nobel de Medicina em 1949. A utilização do primeiro antipsicótico (nomeado mais tarde de Largactil) se espalhou rapidamente pelos asilos psiquiátricos, depois atravessou o Atlântico, assim como a lobotomia. Introduziu-se então a ideia de que os transtornos mentais resultam de um desequilíbrio químico do cérebro. Por isso, os efeitos “miraculosos” do lítio e das fórmulas que o sucederam, do Prozac (colocado no mercado em 1988) ao Zoloft, passando pelo Zyprexa, são então exaltados pela mídia em geral ao grande público.

A aparição dos antipsicóticos dá aos psiquiatras, e depois ao pessoal de enfermagem e assistência social, um status de prescritores de medicamentos dos quais eles estavam amplamente desprovidos, marginalizando a resposta psicoterapêutica e as outras numerosas soluções possíveis: exercício, melhor nutrição, socialização etc. A partir de então, tem início a escalada farmacológica. O campo da patologia é compreendido e densificado com o DSM, e a resposta farmacêutica se intensifica, com a bênção das autoridades sanitárias.

Os laboratórios se tornaram mestres na arte da comunicação, e na maior parte das vezes não revelam tudo o que sabem sobre os efeitos dos remédios. A mensagem dirigida aos pais, às crianças ou aos jovens afetados por um episódio de transtorno mental se resume ao seguinte: “Você precisa de medicamentos como o diabético necessita de insulina”. Tendo se beneficiado por anos da generosidade da indústria farmacêutica, da qual ele era um dos mais fiéis promotores, o doutor Daniel Carlat atualmente denuncia sua influência:6 “Dizem aos pacientes que eles têm um desequilíbrio químico no cérebro, porque é preciso tornar medicinalmente plausível a seus olhos o fato de que estão doentes. Mas sabemos que isso não foi provado”.7

Críticos são deixados de fora
Os estudos longitudinais (que não são feitos pelos laboratórios) mostram que os efeitos dos antipsicóticos param com o tempo, que as crises reaparecem, frequentemente mais fortes, e que os sintomas se agravam, ainda mais que nos pacientes tratados com placebos. Os profissionais concluem, com base nisso, que as doses são… insuficientes, ou a terapia é inapropriada; passam então para algo mais forte. Os transtornos se agravam e a deficiência se aprofunda. Milhões de pessoas nos Estados Unidos sucumbem a essa engrenagem infernal, que se assemelha com frequência às “lobotomias medicinais” descritas por Laborit desde 1951.

Diante dessas incômodas constatações, laboratórios e pesquisadores não hesitam às vezes em deturpar os testes clínicos ou a apresentação de seus resultados, ou até mesmo a mentir por omissão. Uma equipe da Universidade do Texas publicou assim falsos resultados sobre o medicamento Paxil, administrado em adolescentes, omitindo o grande aumento do risco de suicídio dos pacientes estudados. Os profissionais seguiram a linha, louvando a tolerância do medicamento pelos adolescentes. GlaxoSmithKline, o fabricante, tinha inclusive reconhecido num documento interno que seu remédio não valia mais que um placebo. Acusada judicialmente de promoção fraudulenta, a empresa preferiu pagar uma indenização: um processo implicaria o risco de macular consideravelmente sua imagem e seus lucros.8 Uma prática corrente nessa indústria, que nisso lembra a do tabaco.

Alguns pesquisadores demonstraram a ineficiência dos antipsicóticos ou até mesmo sua contribuição para o aumento das taxas de suicídio das pessoas tratadas; eles foram marginalizados.9 Em grande parte financiados pelos laboratórios, os departamentos universitários de psiquiatria vivem um conflito de interesses patente e correm o risco de sofrer com o descrédito lançado sobre os medicamentos e seus fabricantes. Assim, entre 2000 e 2007, o chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Emory (Atlanta) recebeu – sem declarar – mais de US$ 2,8 milhões como consultor para companhias farmacêuticas, em retribuição a centenas de conferências. Um antigo diretor do Instituto Americano de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês) recebeu US$ 1,3 milhão da GlaxoSmithKline entre 2000 e 2008 para promover os “estabilizadores de humor”. Ele também era apresentador de um programa de rádio muito popular numa emissora de rádio pública (NPR). Interrogado sobre essas práticas, ele respondeu ao New York Times que “todo mundo [na sua área] faz isso”.10 Se a declaração das fontes de financiamento e dos valores recebidos é obrigatória, pelo menos no caso dos cientistas, as fraudes são numerosas.

Sem remédios, resultados melhores
Os laboratórios, e junto com eles um bom número de médicos, encorajam um consumo cada vez mais intenso, prolongado e diversificado de psicotrópicos e outros antipsicóticos. A Novartis foi condenada a pagar uma multa de US$ 422,5 milhões por ter levado, entre 2000 e 2004, ao consumo de Trileptal (um remédio contra a epilepsia) para o tratamento de transtorno bipolar e dores nervosas – indicações não aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA). São corriqueiras as conferências em que médicos que prescrevem muito certo medicamento são generosamente pagos para discorrer a seu respeito diante de uma plateia de colegas também paga para escutar. O custo astronômico desse marketing, em última análise, repercute no custo dos medicamentes e, portanto, no bolso dos doentes.

Como fixar as fronteiras do que é considerado patológico? A modalidade da resposta ilustra os excessos de um sistema de saúde que leva ao superconsumo de medicamentos e até mesmo ao diagnóstico exagerado, com a multiplicação das categorias de “transtornos”. O sistema encoraja, ainda por cima, um cuidado menos personalizado (o objetivo são os “números”, principalmente nos sistemas de pagamento imediato), a utilização de testes de diagnósticos pesados e uma resposta química automática. No entanto, são cada vez mais numerosos os estudos longitudinais a estabelecer a superioridade do tratamento de doenças mentais sem produtos farmacêuticos, incluindo a esquizofrenia – exceto em casos muito minoritários e por tempo limitado.11 A longo prazo, o exercício, a socialização e o trabalho tornam a vida das pessoas afetadas por transtornos mentais bem mais suportável. A ruptura do vínculo social, a discriminação no seio da família ou da comunidade são as primeiras causas da loucura. Estudos transculturais realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) dos anos 1970 a 1990 sobre a esquizofrenia e a depressão em todo o mundo mostraram que as pessoas não submetidas a uma farmacoterapia seriam beneficiadas com um “melhor estado de saúde geral” a médio e longo prazo.12

Mas os antipsicóticos contribuíram em grande escala para o crescimento espantoso das vendas e dos lucros das companhias farmacêuticas. Esse setor é um dos mais rentáveis dos Estados Unidos nos últimos cinquenta anos. As legislações atuais são favoráveis a eles. Durante a discussão do projeto de lei da reforma do sistema de saúde em 2009, US$ 544 milhões foram gastos para garantir, junto aos legisladores, os interesses dos planos de saúde, das empresas farmacêuticas e dos fornecedores de tratamentos. Os que ganham muito veem com maus olhos, historicamente, a intervenção do poder público em seu território. A saúde mental representa o primeiro lugar nos gastos com a saúde, com US$ 170 bilhões em 2009. Um número que deve aumentar para US$ 280 bilhões em 2015.13

Paradoxalmente, se a farmacoterapia dos transtornos mentais se massifica, centenas de milhares de pessoas sofrendo desses problemas não são beneficiadas por nenhum tipo de assistência: as que não têm cobertura médica (16% da população) – a reforma iniciada por Barack Obama só vai começar de fato em 2014 – e aquelas que estão encarceradas. Estima-se que meio milhão de detentos tenham necessidade de ajuda, ainda mais porque o aprisionamento e as condições de encarceramento agravam os transtornos. Mas as instituições carcerárias não estão preparadas para isso de jeito nenhum. Uma vez em liberdade, esses presos se voltam ao uso de drogas como forma de terapia e, num círculo vicioso, caem de novo na delinquência.

Olivier Appaix é economista da saúde.

Ilustração: Daniel Kondo
1 The medicated child, documentário do programa Frontline, Boston, jan. 2008.
2 Sigla de imagem por ressonância magnética. Nos Estados Unidos, uma IRM do cérebro custa de US$ 1.500 a mais de US$ 3.000 por um procedimento que dura de quarenta a sessenta minutos.
3 “Anxiety disorder”, 2009. Disponível em: www.brainmattersinc.com
4 A discinesia se caracteriza por movimentos incontroláveis do rosto, principalmente da mandíbula, e a protrusão repetitiva da língua.
5 A lobotomia tratava os pacientes que sofriam de certas doenças mentais como a esquizofrenia. Hoje em dia é proibida na maior parte dos países.
6 Daniel Carlat, Unhinged, the trouble with psychiatry. A doctor’s revelations about a profession in crisis [Desequilibrado, o problema da psiquiatria. Revelações de um doutor sobre uma profissão em crise], Free Press, Nova York, 2010.
7 Entrevista de Daniel Carlat em Fresh Air, National Public Radio, 13 jul. 2010.
8 “When drug companies hide data” [Quando farmacêuticas escondem dados], New York Times, 6 jun. 2004. A mesma empresa acaba de pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma série de processos
relativos a seus produtos, entre eles o Paxil. Cf. New York Times, 3 nov. 2011.
9 Robert Whitaker, Anatomy of an epidemic. Magic bullets, psychiatric drugs, and the astoniing rise of mental illness in America [Anatomia de uma epidemia. Balas mágicas, drogas psiquiátricas e o impressionante crescimento de doenças mentais nos Estados Unidos], Crown, Nova York, 2010, p.304-307.
10 New York Times, 22 nov. 2008.
11 Robert Whitaker, op. cit.
12 Estudos citados por Whitaker. O estado de saúde segundo a OMS inclui a saúde física, mental e social.
13 Centers for Medicare and Medicaid Services (www.cms.gov).
EcoDebate, 25/01/2012
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Honestidade, Ética, Sustentabilidade, Futebol.... são os portugueses.

(...contribuição do caro colega Germano Badi, do CRA-SP)

Dias antes do jogo entre Benfica e Sporting (1-0), o maior clássico do futebol português, a Coca-Cola decidiu pôr à prova a honestidade dos torcedores.

No estádio da Luz, perto das bilheterias, foi deixada uma carteira no chão com um cartão de sócio do (rival) Sporting e um ingresso para o jogo que ocorreria no sábado seguinte. O objetivo era saber se as pessoas iriam devolver a carteira ou ficar com ela.

95% das pessoas devolveram a carteira, atitude que foi filmada por várias câmeras ocultas.

Para recompensar a honestidade daqueles que não se deixaram tentar, a Coca-Cola ofereceu um ingresso para o jogo.

No sábado, antes do apito inicial, o vídeo foi exibido nos telões gigantes do estádio da Luz, perante os aplausos de mais de 60 mil pessoas.

Numa altura em que os portugueses se preparam para enfrentar inúmeras medidas de austeridade, a Coca-Cola quis divulgar uma mensagem diferente:

"Há razões para acreditar num mundo melhor."

http://www.youtube.com/watch?v=xxFbpmDMD0E

RADIO CULTURA // CONTROLE REMOTO

Perspectivas ambientais para 2012

Washington Novaes, jornalista, é supervisor geral do Repórter Eco.

Muitos desafios estão pela frente no Brasil no ano que se inicia.
O primeiro está na definição de caminhos eficientes para que o país reduza suas emissões de poluentes que contribuem para mudanças climáticas. Já estamos entre os cinco maiores emissores no mundo, com mais de 10 toneladas anuais por habitante. E cientistas temem que facilidades abertas pelo novo Código Florestal possam intensificar essas emissões, já que o desmatamento, queimadas e mais ocupação de áreas pela agropecuária são responsáveis aqui por quase 60 por cento das emissões.
Na mesma direção, será preciso cuidar para que o esforço de aumentar a produção de alimentos se faça de forma racional, sem comprometer recursos. O mundo se preocupa em produzir mais alimentos para atender a uma população que em 40 anos chegará pelo menos a 9 bilhões de pessoas. Mas já estamos consumindo mais recursos do que o planeta pode repor, aumentando a desertificação e os problemas com a água, esgotando recursos minerais.
Outro desafio está na concepção e execução de planos diretores para as nossas grandes cidades, que se afogam em problemas de transporte, poluição, violência, falta de saneamento, desperdício de água. Não é possível continuar concedendo incentivos fiscais para mais veículos que entopem as ruas e poluem. Eles já são 40 milhões. Não dá para continuar impermeabilizando o solo e agravando as inundações. Não faz sentido continuar desperdiçando, em redes sem conservação, mais de 40 por cento da água que sai das estações de tratamento. Só há poucos meses se concedeu, afinal, um primeiro financiamento para reparação de redes. Mas também é animador que se tenham aumentado os recursos federais para implantar cisternas de placa no semi-árido - elas é que são o bom caminho. Como é a proibição de financiamentos para construir casas em ruas sem redes de saneamento.
Nosso atraso é muito grande nessa área, precisamos investir muito.
Também é decisivo que o Brasil continue no caminho da implantação de sistemas de energia renovável. Como os parques eólicos, que já produzem energia a preço menor até que o das distribuidoras de energia elétrica. Ou painéis solares. Ou usinas de produção de energia a partir de biomassas. Mas não faz sentido continuar a implantar usinas a gás e a carvão - estas, as que mais poluem. Nem é preciso avançar com hidrelétricas problemáticas na Amazônia. Ou novas usinas nucleares. Melhor será ampliar os programas de conservação e eficiência energética, que podem reduzir muito o consumo, sem prejuizo para a sociedade.
Finalmente, é preciso destinar recursos para projetos de cooperativas de catadores de resíduos. Para que eles ampliem sua atividade tão importante para a sociedade. E possam vier a ter usinas em que processem o lixo.
Há muito a fazer no novo ano.

Comissão teme que ausência de líderes enfraqueça Rio+20

Brasileiro é escolhido para cargo ambiental nas Nações Unidas. Expectativa no governo é atrair grande número de chefes de Estado.
21/01/2012 - 12:52

Globo.com/G1

Parlamentares de subcomissões do Congresso criadas para acompanhar a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, dizem temer o fracasso do encontro devido, segundo eles, à possibilidade de ausência dos principais líderes mundiais. A conferência está prevista para o período entre 20 e 22 de junho, no Rio de Janeiro.

Para esses senadores e deputados, o foco da agenda internacional estará voltado para a crise econômica e para as eleições em países como Estados Unidos e França, o que dificultaria a presença de líderes mundiais em um evento internacional voltado para o desenvolvimento sustentável.

“Creio que o encontro caminha para ser um grande fracasso. Não está havendo interesse dos grandes países em enviar os grandes líderes mundiais. Estou em contato com muitas pessoas no exterior e percebo que a reunião não está sendo levada a sério”, disse o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que preside duas subcomissões no Senado sobre a conferência.

Para o senador, “o governo está trabalhando bem nas instalações [da Rio+20], mas não vejo envolvimento e esforço do governo brasileiro para trazer os líderes estrangeiros - me parece que o governo não se atentou para esta situação”.

O deputado Sarney Filho (PV-MA), que preside na Câmara uma subcomissão destinada a acompanhar os trabalhos da Rio+20, disse que “tem procedência essa preocupação” do senador Cristovam Buarque. “Enfraquece muito se os líderes não vierem”, afirmou.

Para o deputado, 2012 é um ano “difícil”, com uma conjuntura internacional complicada por causa da crise europeia e das eleições nos Estados Unidos. Segundo ele, esses fatores podem tirar o foco da Rio+20.

“Falta visão do governo brasileiro de mostrar que este é o grande encontro para discutir uma nova forma de desenvolvimento para o mundo”, disse Sarney Filho.

Para evitar o esvaziamento da conferência, o deputado disse esperar que a presidente Dilma Rousseff faça um “corpo-a-corpo” para trazer os líderes internacionais.

De acordo com o deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator da Subcomissão Especial Rio+20 na Câmara, “a grande dúvida é se haverá a presença dos grandes líderes mundiais e isso depende de um trabalho pessoal da presidente Dilma”.

Segundo ele, “a crise econômica mundial acaba tendo um peso” em relação à presença de líderes internacionais no Brasil durante a conferência.

Expectativa
Segundo a assessoria do Palácio do Planalto, a preocupação dos parlamentares é prematura. A assessoria afirma que a presidente Dilma tem feito convites a líderes estrangeiros, reiterado a importância do evento durante as viagens ao exterior e que por isso não faz sentido afirmar que o governo não está empenhado em trazer líderes estrangeiros para a cúpula.

De acordo com a assessoria, a expectativa do governo brasileiro é alta e espera-se um grande número de chefes de Estado na Rio+20, embora no momento ainda não seja possível determinar esse número. A assessoria afirma que é do maior interesse da presidente que os líderes estrangeiros compareçam.

O Ministério de Relações Exteriores conta com a presença de 100 a 120 chefes de Estado para a Rio+20.

“Não sabemos se virão, mas estamos nos preparando para recebê-los”, disse o secretário José Solla, do Itamaraty, que trabalha na logística da reunião sobre desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. Ele deu a declaração durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 17), em Durban, na África do Sul, em dezembro de 2011.

Comparação
O deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ), que preside a Subcomissão Especial Rio+20, disse que o encontro não terá a mesma relevância da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco 92, também realizada no Rio há 20 anos.

“De fato existe o recall da Eco 92, que foi um evento espetacular. Estiveram presentes o [presidente dos Estados Unidos] George Bush, o Mikhail Gorbatchev, o [então presidente de Cuba] Fidel Castro. Os olhos do mundo estavam voltados para o Rio. Foi um evento global. Hoje, a situação é diferente. É um desafio fazer com que a Rio+20 faça jus ao legado da Eco 92”, afirmou Sirkis.

Sirkis destacou a provável ausência do presidente dos Estados Unidos na Rio+20. “O Barack Obama não vem. É ano eleitoral nos Estados Unidos e qualquer coisa que ele faça por aqui será utilizada pelos republicanos. E os líderes na Europa estão voltados para a crise”, disse Sirkis.

“Há a possibilidade de ser um evento significativo, mas vai depender da capacidade do governo”, afirmou. Para Sirkis, os avanços obtidos na conferência devem ser limitados. “Não vai ter nada de muito espetacular, pode ser um sucesso como fator de mobilização”, afirmou.

Sirkis disse que está em estudo a criação de eventos paralelos à conferência, com a presença de personalidades internacionais para dar uma “turbinada” na Rio+20. Entre as opções, está a proposta de um evento com a presença de Gilberto Gil, Sting e Bono Vox, entre outros artistas.

Código Florestal
Os parlamentares que acompanham a organização da Rio+20 também consideram a aprovação do Código Florestal um sinal negativo para o mundo meses antes da realização da conferência.

“O que o Senado aprovou, com pequenas modificações, foi um retrocesso. Se a presidente Dilma não vetar determinados artigos, vai comprometer a posição de liderança do Brasil [na Rio+20]", disse Sarney Filho.

A votação do Código Florestal na Câmara está marcada para 6 e 7 de março. O relatório do ex-deputado e atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), foi aprovado na Casa e sofreu alterações no Senado. Por isso, a proposta voltará a ser apreciada pelos deputados, que já anunciaram a intenção de fazer “pequenas alterações” no texto.

O deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB-SP), relator de uma das subcomissões de acompanhamento da Rio+20, afirmou que a aprovação do Código Florestal compromete a posição brasileira na conferência. “[O Brasil] vai para uma conferência onde os países vão cobrar isso”, disse. “Isso é uma cobrança certa”, completou.

Em relação ao eventual êxito da conferência, Tripoli disse que o veto da presidente a alguns pontos do Código Florestal “ajudaria bastante” a melhorar a posição brasileira no encontro.

Segundo Cristovam Buarque, a “aprovação do Código Florestal é um sinal negativo para o mundo. Ficamos muito atrás do que era necessário ao tentar conciliar interesses. O texto é um Frankenstein que buscou atender a todos e não atende a ninguém”.

Para Eduardo Azeredo, o Código Florestal não prejudica a imagem do Brasil. “Não chega a esse ponto. Não é uma polêmica que vai atrapalhar a participação do Brasil”, afirmou.

QUAL É A SUA PEGADA HIDROLÓGICA?




Acesse aqui: http://www.josephbergen.com/viz/water/

Os perigos de um mundo descartável

Quando seu aspirador de pó quebrou, a italiana Giovanna Micconi se revoltou ao saber que a peça de reposição sairia quase o preço de um novo. Valia mais a pena comprar outro, escutou do atendente, apesar dos poucos anos de uso do aparelho. "Algo de muito errado está acontecendo com a nossa sociedade", postou aos amigos no Facebook. Doutoranda em literatura africana pela Universidade de Harvard e residente há alguns anos nos Estados Unidos, ela compartilha um sentimento universal - o de que o tempo de duração das coisas, assim como a percepção do nosso tempo, também parece acabar de forma bem mais rápida.

Geladeiras que duravam 40 anos e hoje são trocadas em menos de 10, TVs ultrapassadas de uma hora para outra por novas funções, liquidificadores que pifam a um impacto mais forte, computadores que envelhecem assim que saem da caixa. Não importa se esses produtos são comercializados em Boston ou São Paulo. Os bens de consumo duráveis nunca foram tão descartáveis.

Apanhados pelo ritmo estonteante da evolução tecnológica e por uma acessibilidade sem parâmetros às novas gerações de produtos, os consumidores pós-modernos sofrem de males pós-modernos. Por um lado, vivem dias de exuberância material. Por outro, a angústia de estar preso em uma espécie de "corrida armamentista de consumo" e na tormenta da constatação da obsolescência acelerada e inexorável das coisas.

O intervalo de troca de refrigeradores e  lavadoras de roupa, que era de dez anos na década de 90, hoje está em cinco ou seis anos

Dados da indústria mostram que a velocidade das substituições, medida pelo número de lançamentos no mercado, só acelera. Tomem-se como exemplo os últimos três anos do setor de eletrônicos e eletrodomésticos - no qual a efemeridade seja talvez mais notável - e o que se vê é praticamente a duplicação de novos produtos em algumas categorias. Em 2009 foram lançados no país 163 modelos de televisores de tela plana. O que já parecia alto subiu ainda mais em 2011, com o auge de 256 novos modelos apresentados em um único ano (de janeiro a novembro). Nesse mesmo período, a oferta de novos celulares saltou de 116 para 175 e a de computadores de mesa, de 476 para 835. Isso foi somente no Brasil, desconsiderando mercados maduros de alta renda, onde os volumes são ainda mais expressivos, segundo a consultoria GfK, que compilou as informações a pedido do Valor.

A entrada no mercado de uma classe média mundial gigantesca e sedenta por novidades, que vê nas aquisições desses objetos uma forma de acesso à cidadania, fez o modelo de consumo adotado e dominado pelos Estados Unidos no século XX - o "american way of life" - replicar em uma escala asiática. De olho nos novos nichos de consumo, grupos que atuam em um segmento da economia passaram a abraçar outras áreas, caso das coreanas LG e Samsung, tradicionalmente de celulares, que avançam rapidamente sobre produtos da chamada linha branca. Em 2005, quando estreou aqui, a LG tinha quatro modelos de sua primeira linha de fornos micro-ondas. Hoje, apresenta 120 novos eletrodomésticos ao ano. A rival Samsung passou de 10 para 200 novos produtos ao ano.

A taxa de obsolescência encurtou à medida que a inovação acelerou e o processo de produção ficou mais barato. Fred Seixas, gerente de vendas da área de eletrodomésticos da LG, afirma que o tempo das coisas está, de fato, menor. "A gente observa que o intervalo de troca de refrigeradores e lavadoras de roupa, que era de dez anos na década de 90, hoje está em cinco ou seis anos", diz.

Muitas vezes, porém, o salto tecnológico não existe. O poder de transformar a relação das pessoas com o mundo - propiciado por um smartphone, por exemplo - é visto em uma parte mínima dos lançamentos. E não se pode explicar essa tendência somente sob a ótica dos ganhos de eficiência dos equipamentos, com o consumo menor de energia e a produção com materiais menos danosos ao ambiente. "Isso só é relevante em mercados desenvolvidos", diz Seixas. Pesquisas mostram que o primeiro ponto determinante para a troca de um bem de consumo é o que está por fora: design.

"A gente não faz inovação para trazer tecnologia, mas a partir de aspirações do consumidor", confirRogério Martins, vice-presidente de desenvolvimento de produtos da Whirlpool, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchAid, que põe quatro novos produtos por semana no mercado.

Em prol dessa inovação, tecnológica ou plástica, o mundo ficou mais carregado de objetos que logo se tornam inúteis e são descartados na gaveta. E, para alguns economistas, esse é o real problema. Para Eduardo Giannetti da Fonseca, professor do Insper de São Paulo, não há nada de errado se o consumidor escolhe um produto mais caro e de maior durabilidade ou um mais barato e de menor durabilidade. "Num ambiente de mudança tecnológica, faz todo o sentido preferir uma coisa que não vá durar tanto tempo, mas que não perca tanto valor ao ser vendido", diz. "O maior problema é que o ambiente não está nessa conta. E o ambiente não aceita desaforos." Giannetti engrossa o coro de economistas que afirmam que não só o modelo de produção se tornou insustentável, mas o cálculo da saúde econômica dos países tornou-se cego aos problemas ambientais que afetam a vida das sociedades hoje. (Leia entrevista à pág. 8.)

O impacto ambiental da insustentabilidade já é medido de algumas formas. Um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostra que a produção de lixo no Brasil cresce a um ritmo maior do que o da população - 6,9% em 2010, provavelmente superando o da economia nacional neste ano. Os resíduos de Nova York já são capturados por satélites no espaço. São Paulo esconde seus restos sob uma montanha de 130 metros de lixo compactado coberto por grama, à altura dos maiores arranha-céus da cidade. O embarque de resíduos com destino aos quintais da África não cessa.

Em nome da inovação, tecnológica ou plástica, o mundo ficou carregado de objetos que logo se tornam inúteis e são descartados

Mas o que dita essa toada? Quando passou a fazer sentido comprar um aspirador novo e jogar o seminovo fora? Perdemos algo no caminho? Parte das respostas está na própria cultura capitalista, cumulativa por natureza, na inovação e nas mudanças profundas na estrutura familiar da sociedade contemporânea. Parte no que a economia batizou como obsolescência programada - ou a morte prematura dos produtos.

Marca do mercado de consumo no pós-Segunda Guerra, a obsolescência programada é um conceito segundo o qual a indústria de bens prepara desgastes artificialmente curtos para obrigar o consumidor a uma reposição mais rápida do produto. "A lógica era simples: se não há novos consumidores suficientes para cada produto, então é preciso fazer que os mesmos consumidores comprem o seu produto outra vez", diz Carlota Perez, pesquisadora venezuelana da Universidade de Cambridge especializada nos impactos sociais e econômicos provocados pelas mudanças na tecnologia. "A princípio isso ocorreu através de mudanças técnicas, depois através da aparência dos produtos e dos modismos e, finalmente, reduzindo a sua durabilidade".

Em um primeiro momento, isso parecia necessário para atender à emergência, a partir dos anos 1950, de uma sociedade capitalista afluente e uma classe operária bem remunerada, que impunham novos desafios à indústria de bens. Nos anos dourados americanos, a pergunta que passou a ser feita foi: como consumir novamente o que já se tem? Não se tratava mais de vender a primeira geladeira, mas a segunda. O mundo se deslocava de um padrão extensivo para um intensivo de consumo. A pujança econômica dessa época colocou as empresas em outro estágio de desenvolvimento. Após a revolução permitida com a massificação de produtos, criada com o lançamento em série do Ford-T, um ícone automobilístico, era preciso então se diferenciar da concorrência. Henry Ford dizia que qualquer consumidor poderia comprar um automóvel Modelo T, desde que fosse preto. Seu filho, Edsel Ford, colocou a questão em nova perspectiva: "Mas são as cores que dão lucro". A previsão estava correta.

Para vender a segunda geladeira ela deveria não só durar menos, mas conter algo diverso do que estava disponível no mercado. Fosse por mudanças radicais ou plásticas, a diferenciação resultaria no sobrelucro embutido na competitividade capitalista. A inovação, explica o economista João Batista Pamplona, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), seria uma alavanca poderosa como estratégia de concorrência industrial para conseguir o monopólio.

Philip Kotler, um dos gurus do marketing, lembra que "muito da chamada obsolescência programada é o trabalho das forças competitivas e tecnológicas em uma sociedade livre, que levam a uma melhora progressiva dos bens e dos serviços".

"Se não tivesse a intervenção da indústria, a obsolescência aconteceria naturalmente em função do próprio consumidor", concorda a filósofa Carla Rodrigues, da PUC-Rio.

Ávido por novidades, o consumidor contemporâneo - com muito mais acesso ao crédito - passou a ter mais facilidade para obter o aparelho dos sonhos, que já não precisava durar tanto, mas apresentar design arrojado e reunir várias funções.

Com isso, a obsolescência do produto migrou para a dos serviços. Assim, ao comprar uma cafeteira, fabricada por uma multinacional, será informado de que ela só funcionará com os sachês de café da própria empresa. "Você compra um celular simples. A operadora oferece então um pacote gratuito de envio de fotos para outros celulares. Você compra um outro celular para aproveitar essa função e um novo aparelho permite acesso à internet, o que o leva a assinar o serviço de banda larga que oferece uma ampla possibilidade de recursos caso tenha um smartphone. Depois vem a videoconferência, o 3D e o ciclo nunca se encerra", escreveu recentemente em artigo o consultor ambiental Tasso Azevedo. "A cada passo que você dá, o aparelho anterior fica obsoleto."

Ao mesmo tempo que a tecnologia empurrava de lado o velho em nome do novo, a globalização puxava outra régua para cima. A descartabilidade também está ligada ao fato de muitos bens de consumo terem se tornado baratos hoje, a ponto de a peça de reposição de um aspirador equivaler a mais da metade do preço de um aparelho novo, como relatou a italiana Giovanna Micconi.

Isso é particularmente consolidado nas economias desenvolvidas, onde a mão de obra qualificada é tão cara que impossibilita a troca de peças. No Japão, montanhas de eletrônicos, geladeiras e bicicletas descartados nas ruas espantam os desavisados. Cenas como essas chocam pelo desperdício, pela desigualdade de renda, pela exaustão que impõem ao planeta. E também pela corrida desenfreada pelo consumo, já que os japoneses, como se sabe, estão entre as populações mais demandantes de novas tecnologias de ponta no mundo.

Essa obsessão, intrínseca ao ser humano, nunca pode ser desprezada - e, diga-se, desde que o mundo é mundo é assim. Já na Roma antiga há relatos da necessidade de se sobressair em relação ao outro. Em uma passagem do "Satiricon", do escritor Petrônio, um milionário admite durante uma festa: "Só me interessam os bens que despertam no populacho a inveja de mim por possuí-los". Bem mais tarde, o escritor francês André Malraux cravou que o desejo do homem é ocupar um lugar de honra na mente dos seus semelhantes.

O desejo do novo, daquilo que é visto como uma catapulta para a ascensão social e nos torna supostamente superiores, é um valor arcaico, que não só empurra os produtos para o fundo da gaveta - ou para o lixo, elevando o passivo ambiental já monumental - como pressiona a indústria por mais tecnologia. A efemeridade material é, portanto, fruto também desse consumidor inserido no que Giannetti, do Insper, chama de "corrida armamentista de consumo".

"É do nosso passado remoto a competição por status que leve a alguma proeminência. O valor de um produto não é o que me traz diretamente a felicidade, mas deriva do fato de que os demais estão excluídos do acesso a ele. A posse desses chamados bens posicionais - BMWs, TVs planas, casas em bairros chiques - é o que passa a dominar o jogo interpessoal. Aí você entra na corrida armamentista de consumo", diz o economista. "Uma corrida armamentista, stricto sensu, é uma situação em que dois ou mais países investem em armamento e, ao final, se percebem mais inseguros do que no início. Porque ao mesmo tempo em que um mobiliza recursos para se defender, o outro faz o mesmo. É um paradoxo. E a indústria está sempre renovando os bens posicionais. É o tênis de marca, o carrão. Quem não tem está fora".

Nas empresas, lucra mais quem entende essa condição humana. "Ninguém melhor do que Steve Jobs compreendeu o conceito de fetichismo de Marx", segundo o qual as relações sociais são mediatizadas pelos objetos, diz Carla Rodrigues. "Ele captou o algo a mais [fetiche] que os iPhones explicitam tão bem." O fundador da Apple talvez nunca tenha lido Petrônio ou Malraux, mas respondeu aos anseios da sociedade contemporânea. Desde a primeira geração de iPhones, há cinco anos, a empresa comemora vendas recordes consecutivas, movimento seguido pela avalanche de seus primos-irmãos (os iPads) e celulares e tablets da concorrência.

É claro que, nesse processo, a publicidade tem desempenhado um papel auxiliar importante, ao estimular a compra de "novos" produtos, que se diferenciam dos anteriores basicamente no aspecto externo ou em um ou outro acessório supervalorizado.

Em seu livro "A Cultura do Novo Capitalismo", o sociólogo americano Richard Sennett joga luz sobre o fato de que os consumidores comuns compram equipamentos com possibilidades que jamais utilizarão. "Discos de memória capazes de guardar 400 livros, embora a maioria das pessoas chegue a arquivar na melhor das hipóteses centenas de páginas, ou programas de informática que nunca são acessados no computador", relaciona Sennett.

Tome-se o exemplo do iPod. Em tese, esse cobiçado aparelho - fininho, de design inovador, que transformou a indústria fonográfica - é capaz de arquivar e reproduzir dez mil músicas digitais de três minutos. Mas seria alguém capaz de se lembrar de todas as dez mil canções gravadas? Não acabamos ouvindo sempre as favoritas? "E, no entanto, o fenomenal atrativo comercial do iPod consiste precisamente em dispor de mais do que uma pessoa jamais seria capaz de usar. O apelo está, em parte, na ligação entre a potência material e a aptidão potencial da própria pessoa", diz Sennett, professor da London School of Economics (LSE) e do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Falado de outra forma, ele representa a potência daquilo que podemos comprar.

A lista dos sonhos de consumo potencial foi inflada também porque o grupo de referência dos consumidores mudou. O universo antes restrito aos vizinhos do bairro, escola e familiares, foi escancarado pela comunicação de massa. A explosão de informação permitiu que pessoas de baixa renda sonhassem com a vida dos habitantes da grande cidade, seus equipamentos eletrônicos de última geração e viagens internacionais, intensificando a "corrida armamentista do consumo".

O problema desse movimento, diz Giannetti, é que ele não tem fim. Para o economista, à medida que a sociedade prospera, as pessoas começam a competir pelos bens posicionais. É aquele estágio em que as necessidades mais básicas do ser humano, seus apetites universais, já foram satisfeitos e passam a abrir espaço para o furor de se distinguir em relação às pessoas comuns. É quando o foco da sociedade volta-se para "ocupar um lugar de honra na mente dos seus semelhantes", como afirmava o escritor francês. "E, quanto mais se avança sobre os bens posicionais, mais as pessoas sentem que falta algo. Não tem solução econômica para isso. Mas a conta recairá sobre o meio ambiente, que não aceita desaforos."

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REPORTAGEM Por Bettina Barros De São Paulo



FONTE: Valor Econômico on line: http://www.valor.com.br/cultura/2491924/os-perigos-de-um-mundo-descartavel 20/01/2012

Como inventar um novo planeta - WASHINGTON NOVAES

O ESTADÃO - 20/01/12
Afinal a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, em 19 paginas, seu documento preliminar sobre a conferencia mundial Rio 20, a realizar-se em junho no Rio de Janeiro. O texto O Futuro que Queremos estão repleto de boas intenções, mas quase vazio de meios concretos, especificos, para a sua realização - reforçando os temores de tantos estudiosos, muitos deles já ¡mencionados neste espaço, de que a conferência venha a ser um malogro, ou apenas um espaço para palavras, sem conseqüências práticas.

O documento reafirma "a determinação de livrara humanidade da fome", por meio da" erradicação de todas as formas de pobreza". E assume o compromisso de "lutar para que as sociedades sejam equitativas e inclusive", de modo a atingirem "estabilidade eco´micaecrescimento que beneficie todos".

Também reitera o desejo de atingir, em 2015, os "Objetivos do Milênio", que incluem essa erradicação da pobreza, a universalização do saneamento básico (do qual estão exclusão dos 40% da humanidade), rendam anima para todos (hoje 40% vivem abaixo da "linha da pobreza"). E que os paí­ses industrializados cumpram o compromisso, assumido na Rio-92, de ampliar de 0,37% de seu produto interno bruto (PIB) para 0,70% a ajuda aos países em desenvolvimento, para que se atinjam os objetivos - atualmente a ajuda ao de 0,30%, inferior de 20 anos atraí, e pouquí­ssimos aos cumpriram o que assumiram.

Complicadíssimo. O próprio documento reconhece que hoje nada menos que 1,4 bilhão de pessoas vivem na pobreza; que 1,6 bilhão são subnutridas, sob a ameaça de pandemias e epidemias "onipresentes"; que o "desenvolvimento insustentável" agravou o estresse na área dos recursos naturais.

Por isso tudo e muito mais, diz o documento, o desenvolvimento sustentável é um" objetivo distante" - e a "governança global" dessa sustentabilidade é exatamente um dos temas centrais da conferência, juntamente com a "economia verde". Ainda mais que a ONU pressupõe, para chegar a esses objetivos, que haja "participação da sociedade nas decisões",a qual,por sua vez,depende de "acesso à informação".

Pressupõe até a inclusão, nas estratégias, do que está escrito na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas.

Da mesma forma, exige eliminar barreiras comerciais e subsídios, eliminar o "gap tecnológico" entre países desenvolvidos e os demais,criar até 2015 indicadores para avaliar as transformações, tendo ainda em conta que crescimento do PIB dos países é um indicador considerado insuficiente, porque não leva em conta fatores sociais e ambientais.Sem esquecer que tudo isso deverá estar no âmbito de uma" governança ambiental internacional", que pode exigir até a criação de uma agência especializada da ONU.

E vai por aí o documento das Nações Unidas,e numerando objetivos como reduzir o desperdício de água no mundo,planejar e implantar "cidades sustentáveis", impedir a perda da biodiversidade e a acidificação dos oceanos, proteger estoques pesqueiros ameaçados, combater a desertificação na África,a de posição de lixo eletrônicos e de plásticos no mar. E,em meio a isso tudo, reduzir os subsídios para combustíveis fósseis,para proteger a agricultura dos países centrais, para sustentar a pesca predatória.

Assim como duplicar a porcentagem de energias renováveis na matriz mundial.

Este último item remete ao relatório recente da Agência Internacional de energia, lembrando que o aumento de 5% no consumo de energia primária em 2010 levou a novo"pico" nas emissões de dióxido de carbono, graças inclusive aos subsídios ao consumo de energias derivadas de fontes fósseis, que estão em US$400 bilhões anuais.Ainda assim,1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica.E os cenários traçados para o período que vai até 2035 chegam a prever um aumento de um terço na demanda de energia,mantida a previsão de aumento de 1,7 bilhão de pessoas na população mundial nesse período e crescimento médio anual de 3,5% do PIB - 90% do aumento estará fora dos países industrializados.

Tudo isso exigirá investimentos de US$ 38 trilhões em25 anos,principalmente em estruturas para transporte de energia.O consumo de combustíveis fósseis deverá baixar apenas dos 81% totais de hoje para 75%. As energias renováveis - principalmente hidrelétrica e eólica - responderão por 50% da capacidade que será adicionada.

Num quadro tão difícil,com as dificuldades da conjuntura econômica mundial, a pouca praticidade dos objetivos da convenção tem gerado críticas fortes. O renomado economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia, tem dito que a conferência do Rio" deve servir para admitir duas décadas de fracasso no campo ambiental";para reconhecer que "não há propostas para a crise"; que "o lobby da indústria de energia venceu Obama" (Estado, 18/11/2011). Suzana Kahn, que representa o Rio de Janeiro na conferência, admite que há "um grande risco de a Rio+20 ser um eventos em conseqüência nenhuma", já que "não tem nada prático que vá sair do encontro" (Estado, 21/12/2011).

Muito mais complexa ainda é a questão levantada pelo teólogo Leonardo Boff, ao lembrar que sustentabilidade é tema muito abrangente:" É toda ação destinada a manter condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana" - e ainda assegurando os direitos das gerações futuras.

Meio ambiente,diz ele,não é" algo secundário e periférico". Que fará a Rio+20 para abrir caminhos que assegurem tudo isso? Como haverá também,paralela à conferência do Rio,uma Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental, certamente se dirá que esse avanço da consciência social poderá abrir caminhos para transformações políticas que levem à superação das lógicas apenas financeiras no mundo - e ao desejado desenvolvimento sustentável. Difícil, mas não é impossível.

Vada a bordo, cazzo ! artigo de Montserrat Martins

Publicado em janeiro 20, 2012 por HC
[EcoDebate] É a camiseta do momento na Itália: Vada a bordo, cazzo ! Frase que o capitão da guarda costeira, De Falco, gritou para o capitão que abandonava o navio, Schettino, num diálogo de quatro minutos por rádio que veio à tona dias depois. Mexeu com os brios nacionais um capitão italiano descumprir o ditame de que “o capitão é o último a abandonar o navio”. A frase imperativa de De Falco redimiu, para a imprensa e para o público, o comportamento esperado de um capitão, que Schettino desonrara. Ordem enérgica, pois a palavra italiana que De Falco usou, “cazzo’, é uma gíria local para o órgão sexual masculino, usada corriqueiramente na Itália para enfatizar alguma coisa, assim como o “fuck you” comum entre os americanos.

“Vada a bordo, cazzo !” é sensacional para uma camiseta. Mexe com os brios mesmo, chama à responsabilidade, desperta um sentimento unânime de exigir a conduta digna que se espera de uma autoridade. Podia ser usada – e espero que seja – para outras coisas também, quando alguém não cumpre o seu papel, sua responsabilidade pública.

A prefeitura não reabre o Hospital Independência, o governo do Estado não paga o piso nacional dos professores, as verbas federais para socorro à seca estão emperradas na burocracia ? Vada a bordo, cazzo ! Pois a transferência de responsabilidades é justamente a maior disfunção em todos os níveis de governo, problema cultural enraizado no país, tendo os políticos se especializado em arrumar culpados para os problemas crônicos. O prefeito de Porto Alegre culpa os médicos, o governador acha que o Cpers não sabe dialogar, o governo federal passa a mão na cabeça do ministro que privilegiou o seu Estado na distribuição de verbas. Tá bom, não existe governo perfeito, mas que tal cada autoridade começar a assumir as responsabilidades da sua gestão ? Não importa quem escreveu aquele trecho do discurso da Presidenta, se ela própria ou um assessor, em que o governo federal assume que a saúde tem de melhorar: o que importa é a postura de assumir a responsabilidade, o que lembro de ter registrado na época como um fato positivo, de um tipo raro de atitude .

Sem hipocrisias, não se trata só dos governos, a própria sociedade civil tem o seu papel a cumprir. Todos querem que diminuam os acidentes de trânsito, é claro, desde que não se perca o direito de se divertir e tomar umas quando se para no caminho, basta ver a indignação popular com a “lei seca”. Só cerca de 10 % dos produtores rurais cumprem a legislação ambiental, então qual é a solução proposta ? Em vez de se passar a cumprir, “flexibilizem-se” as leis. Vada a bordo, Rebelo ! Um cartum do Iotti publicado dias atrás diz tudo, um gaúcho num ambiente desertificado (cercado de árvores cortadas) constata a seca no Estado e pergunta “porque ??”. E com todos os problemas climáticos previstos, cujas causas não prevenimos, também não nos preparamos para suas consequências, para os períodos de estiagem, como os egípcios já faziam há alguns milhares de anos atrás.

Quer dizer, nem é preciso entrar no assunto dos políticos que elegemos sem acompanhar o que fazem com os mandatos – e depois nos queixamos de sua corrupção – para mostrar que somos todos responsáveis pelo que está aí. “Vada a bordo, cazzo !” pra todo mundo !

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra

Automóveis + televisores = risco maior de infarto

12/01/2012

Agência FAPESP – Uma pesquisa internacional concluiu que a atividade física, seja durante o trabalho ou em momentos de lazer, reduz significativamente os riscos de infarto em países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Em países emergentes e nos mais pobres a posse tanto de automóvel e de aparelho de televisão se mostrou relacionada ao maior risco de desenvolver problemas cardíacos.

Os resultados são do estudo Interheart, que avaliou mais de 20 mil pessoas em 262 localidades em 52 países nas Américas, Ásia, Europa, Oriente Médio, África e Oceania. Na América do Sul participaram pessoas da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala e México. As conclusões foram publicadas nesta quarta-feira (11/01) no European Heart Journal.

“Poucos estudos até agora focaram nos diferentes aspectos da atividade física tanto durante o trabalho como nos momentos de lazer em relação ao risco de ataques cardíacos”, disse Claes Held, do Hospital Universitário de Uppsala, na Suécia, um dos autores do estudo.

“Os resultados indicam que a atividade física leve ou moderada durante o trabalho ou em qualquer nível durante os períodos de lazer reduzem os riscos de infarto, independentemente de outros fatores de risco tradicionais, em homens e mulheres de todas as idades, na maior parte das regiões do mundo e em países com diferentes rendas per capita”, disse.

Os cientistas compararam os hábitos de 10.043 pessoas que tiveram infarto com os de 14.217 outros que não experimentaram o problema. Os resultados do estudo levaram em consideração diversos fatores que podem contribuir com aumento nos riscos de desenvolver problemas cardiovasculares, como idade, renda, consumo de álcool e de bebida alcoólica e dieta.

O estudo verificou que pessoas cujos trabalhos envolvem a realização de atividades físicas leves ou moderadas apresentaram risco de 11% a 22% menor de ter um infarto em comparação com aqueles cujas ocupações são eminentemente sedentárias. Entretanto, a atividade física pesada durante o trabalho não apresentou menor risco.

Durante os momentos de lazer, o risco de infarto se mostrou menor para todos os níveis de exercício quando comparados com o sedentarismo, reduzindo de 13% (para atividades físicas leves) a 24% (para atividades moderadas ou intensas).

De acordo com o estudo, qualquer atividade física é melhor do que sua ausência. Mesmo entre aqueles que se exercitavam nos momentos de lazer muito menos do que o indicado apresentaram menor risco de desenvolver infarto do que os totalmente sedentários.

Pessoas que tinham tanto automóvel como televisor em casa apresentaram um risco 27% maior de ter infarto do que aqueles que não possuíam nenhum dos bens.

O estudo observou que menos pessoas praticavam atividades físicas em momentos de lazer em países mais pobres do que nos mais ricos. “Isso pode ser explicado em parte por diferenças em educação e em outros fatores socioeconômicos ou culturais”, disseram os autores.

“Manter-se em forma durante a vida é uma das formas mais simples, baratas e eficientes de evitar problemas coronários”, concluíram.

O artigo Physical activity levels, ownership of goods promoting sedentary behaviour and risk of myocardial infarction: results of the Interheart study (doi:10.1093/eurheartj/ehr432), de Claes Held e outros, pode ser lido por assinantes da European Heart Journal em http://eurheartj.oxfordjournals.org.

Redução do desmatamento com aumento da produção agrícola

16/01/2012

Por Elton Alisson
Agência FAPESP – A produção de soja no Mato Grosso aumentou mais de 30% entre 2006 e 2010, saltando de 15,6 milhões para 20,5 milhões de toneladas. Em paralelo a esse crescimento da produção agrícola, o desmatamento no estado, que é responsável por 31% da soja produzida pelo país e liderou a derrubada de árvores na Amazônia no início dos anos 2000, também diminuiu 30% no mesmo período, atingindo 850 km² em 2010 – o que representa 11% de sua média histórica de 7.600 km² registrada entre 1996 e 2005.

A mudança foi obtida por meio do aumento na produtividade e na utilização de áreas já desmatadas para o cultivo da oleaginosa, dispensando a necessidade de desmatar mais áreas de floresta, aponta um estudo internacional com participação brasileira.

Os resultados da pesquisa foram publicados nesta semana no site e em breve sairão na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

O trabalho teve a participação de Yosio Shimabukuro, da Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de Cláudia Stickler, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), e de Marcia Macedo, da Universidade de Columbia, além de cientistas da agência espacial Nasa e do Woods Hole Research Center, dos Estados Unidos.

Combinando dados de satélite com estatísticas governamentais de desmatamento e de produção agrícola no Mato Grosso nos anos 2000, os pesquisadores constataram que a queda nos índices de desmatamento na região no período de 2006 a 2010 – em um período histórico de expansão da agricultura no estado – foi causada, principalmente, por mudanças no uso da terra.

Segundo eles, o aumento da produção de soja em Mato Grosso de 2001 a 2005 foi devido, majoritariamente, à expansão do cultivo da leguminosa em áreas anteriormente dedicadas à pastagem (74%), seguidas de áreas de florestas (26%).

Já de 2006 a 2010, 22% do aumento da produção foi obtido pelo aumento da produtividade da cultura e 78% à expansão da área de cultivo, em sua maioria (91%) em áreas que já haviam sido desmatadas. Por sua vez, o desmatamento para expansão de áreas de plantio no estado caiu de 10% para 2% entre os períodos de 2001-2005 a 2006-2010.

“A pesquisa mostra uma desvinculação entre o crescimento da produção de soja e o desmatamento no Mato Grosso que poderia servir de modelo para outros estados da Amazônia”, disse Shimabukuro à Agência FAPESP.

“Seria possível evitar o desmatamento nesses estados por meio da melhor utilização de áreas de plantio já disponíveis e aumentando a produtividade da cultura, que é o que ocorre, por exemplo, na região Sudeste, onde as técnicas agrícolas são melhores”, comparou.

O cientista coordena o projeto “Uso de dados orbitais para determinar a área de fogo ativo e modelagem numérica da injeção de gases traços e aerossóis a partir da energia radiativa do fogo”, apoiado pela FAPESP, e é um dos pesquisadores principais do Temático“Land use change in Amazonia: institutional analysis and modeling at multiple temporal and spatial scales”.

Segundo ele, outra constatação do estudo foi que o declínio do desmatamento no Mato Grosso entre 2006 e 2010 coincidiu com a implementação de diversas iniciativas governamentais para reduzir o desmatamento na região.

Em 2004, por exemplo, o governo federal estabeleceu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) e incumbiu os estados amazônicos de desenvolver e implementar seus próprios programas de controle de desmatamento.

Já em 2006, foi criada a “moratória da soja” entre as principais entidades representativas dos produtores de soja, ONGs e governo. O pacto ambiental estabeleceu o compromisso de não comercializar o grão originário de áreas desmatadas do bioma amazônico.

Finalmente, em 2008, foi criada uma “lista negra” dos municípios amazônicos com maiores índices de desmatamento, que impôs uma série de sanções aos desmatadores dessas regiões. Entre elas, a eliminação de subsídios, redução de crédito agrícola e a exclusão da cadeia de fornecedores dos grandes exportadores, entre outras medidas.

“Parte da queda do desmatamento foi causada por um controle mais rígido do governo das atividades que podem causar desmatamento, que funcionaram para todos os estados da Amazônia”, disse Shimabukuro.

Segundo o pesquisador, diferentemente do que poderia ocorrer, não foram encontradas evidências de que a redução do desmatamento no Mato Grosso resultou em um aumento da produção de soja e da derrubada de árvores em outros estados da Amazônia que compõem o “arco do desmatamento” , como Rondônia e Pará.

O estudo indicou que o desmatamento nesses dois estados também caiu no mesmo período. “Isso prova que o problema não foi transferido para o outro lado”, avaliou.

Sensor Modis
Os pesquisadores utilizaram no estudo dados do sensor Modis (sigla em inglês de Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), que integra o satélite Terra (conhecido como EOS-AM), lançado pela Nasa em 1999.

De acordo com Shimabukuro, o sensor é um dos melhores do satélite Terra para analisar grandes regiões, porque visualiza e capta imagens de toda a superfície do planeta quase que diariamente e, portanto, dispõe de dados da região do Mato Grosso desde 2000 – o período inicial de avaliação da pesquisa.

“O sensor permitiu verificarmos se as novas áreas de plantação de soja no estado estavam localizadas nas áreas previamente desmatadas ou não”, explicou.

Shimabukuro participou do estudo por meio de uma colaboração que iniciou com uma das principais pesquisadoras do projeto, Ruth DeFries, da Universidade de Columbia, por meio de projetos do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e por meio de projetos de pesquisa sobre sensoriamento remoto do Mato Grosso, realizados com apoio da FAPESP.


O artigo Decoupling of deforestation and soy production in the southern Amazon during the late 2000s (doi: 10.1073/pnas.1111374109), de Yosio Edemir Shimabukuro e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da PNAS em www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1111374109.

Reservas particulares, as aliadas da biodiversidade

Da Redação em 11 janeiro, 2012
Artigo de Malu Nunes.
Proteger a biodiversidade é responsabilidade dos líderes do Brasil, mas o governo, sozinho, dificilmente será capaz de criar em curto e médio prazos tantas unidades de conservação (UCs) quanto o país precisa para manter parcelas significativas de seus principais ecossistemas e biomas. A participação da iniciativa privada é, portanto, fundamental para reforçar as ações públicas, e isso pode ser feito por meio do estabelecimento de UCs privadas, as chamadas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).

Essas reservas, que ainda são pouco conhecidas pela população, precisam ser mais valorizadas, principalmente porque poderão ter sua importância duplicada: se as mudanças no Código Florestal forem aprovadas, as RPPNs se tornarão um dos poucos redutos privados de natureza conservada.

Existem no Brasil 1.062 reservas particulares reconhecidas pelos órgãos federal, estaduais e municipais. Elas estão distribuídas por todos os biomas brasileiros e protegem mais de 690 mil hectares. As RPPNs, em área, representam 0,5% dos 136,8 milhões de hectares das demais 846 UCs (310 federais, 503 estaduais e 81 municipais) e 1,34% das UCs de proteção integral.

A comparação mostra que as RPPNs são muitas, mas que também têm tamanho reduzido. Por isso, elas ganham mais relevância no contexto nacional quando estão estrategicamente localizadas nas imediações de outras UCs, pois, assim, contribuem na formação de corredores de vegetação que mantêm ciclos e fluxos naturais dos ecossistemas – por exemplo, servem de abrigo e pontos de passagem de animais silvestres.

Esse corredor será ainda mais efetivo se as diversas UCs não estiverem separadas por imensas áreas desprovidas de vegetação ou por fragmentos florestais isolados, mas sim se as áreas protegidas estabelecidas pelo Código Florestal – a área de preservação permanente (APP) e a reserva legal (RL) – formarem um elo entre elas. No melhor dos cenários, em que a lei é cumprida e há um planejamento da paisagem, cada propriedade tem sua APP conectada com a reserva legal; e, esta RL é limítrofe às das propriedades vizinhas. Forma-se, então, uma grande área de vegetação nativa que se conecta às UCs. Esta é a complementariedade almejada para o sistema nacional de áreas protegidas: os esforços públicos e privados integrados na proteção dos ciclos naturais.

No entanto, a colocação em prática dessa agregação entre UCs públicas, RPPNs e áreas protegidas (APP e RL) depende de empenho para superar os problemas existentes. Uma lacuna é a deficiência de gestão das UCs públicas. Por mais que alguns órgãos ambientais se esforcem, a criação e manutenção dessas unidades ainda deixa a desejar, pois, há anos, o governo federal carece de uma estratégia integrada de conservação. Isso somente será superado se houver priorização das políticas públicas ambientais sobre as políticas econômicas que visam o desenvolvimento a qualquer custo.

Outro ponto de atenção é o Código Florestal, que está passando por uma revisão por meio de projeto em tramitação no Congresso Nacional que altera alguns de seus artigos. Se aprovada da forma como está, a flexibilização do código permitirá novos desmatamentos de APP e RL, o que torna ainda mais necessária a existência de políticas e ferramentas que incentivem a conservação em terras privadas, incluindo o estabelecimento de novas RPPNs.

Um passo importante neste sentido foi a elaboração de um projeto de lei na Câmara dos Deputados para estabelecer o dia 31 de janeiro como o marco legal de comemoração das reservas privadas. Mais que celebrar o Dia Nacional das RPPNs, espera-se que a data e o próprio projeto de lei sejam pontos de partida para a divulgação em massa dos benefícios dessas UCs e também para discussão sobre incentivos que estimulem a criação dessas áreas e que possibilitem a qualidade na sua implementação.

Por exemplo, os proprietários de RPPN podem e devem receber mais do que a atual isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) e ser priorizados em outras políticas públicas de concessão de crédito; de incentivo à infraestrutura, educação e turismo; e, de estímulo a negócios verdes. Outra alternativa é a aplicação dos mecanismos de pagamento por serviços ambientais (PSA), que recompensam proprietários pelos serviços ambientais – como a produção de água – que suas florestas protegidas geram à sociedade. Já existem modelos de PSA bem-sucedidos sendo adotados no Brasil, mas eles ainda podem ter uma atuação mais estratégica com vistas a resultados de longo prazo, com a criação de modelos de PSA que recompensem os proprietários que já mantêm reservas privadas no entorno de outras UCs, ou, ainda, modelos que tenham o PSA como propulsor para criação de RPPNs.

É preciso sim que as RPPNs ganhem importância no cenário nacional, mas a expectativa é que isso ocorra porque há estímulos para isso e porque a sociedade está conscientizada de que vale a penas conservar, e não pela perda de outras áreas protegidas em propriedades particulares.

Nunca é demais ressaltar que somos dependentes de diversos serviços derivados do bom funcionamento dos ecossistemas, como a provisão de água e alimentos; e que as áreas protegidas contribuem de forma efetiva para enfrentar um dos grandes desafios contemporâneos: as mudanças climáticas, que são decorrentes também da emissão de gases de efeito estufa decorrentes da degradação de ecossistemas naturais.

Malu Nunes, engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)

Investidores utilizam clima como fator de decisão em negócios

Data: 12/01/2012 11:04

Por: Redação TN / EcoD
Investidores institucionais avaliados em trilhões de dólares passarão a utilizar a mudança climática como fator decisivo em seus negócios, de acordo com um estudo da Mercer. A pesquisa entrevistou 12 investidores que participaram de um relatório sobre mudanças climáticas e representam quase U$ 2 tri em ativos sob gestão. Constatou-se que mais da metade deles considera as mudanças climáticas na gestão de riscos e processos de alocação de ativos.

Como a solução política para a mudança climática vacila na sequência de negociações das COPs, a coordenadora global da Mercer, Jane Ambachtsheer, afirma que o clima tornou-se "um risco sifgnificativo para os investimentos futuros". De acordo com a pesquisa, 50% dos parceiros do projeto realizam ou pretendem fazer alterações em suas ações, enquanto 80% têm ou vão aumentar o seu envolvimento sobre as mundanças climáticas com as empresas e os políticos de decisão.

"Como esperado, as prioridades e áreas de foco diferem entre parceiros, e em alguns casos, os resultados têm sido utilizados para apoiar decisões que já estavam sob consideração, tais como investimento em infraestrutura", acrescentou Ambachtsheer.

A pesquisa que analisou os potenciais impactos financeiros da mudança climática nos bolsos dos investidores e foi parte de um relatório emitido em um congresso sobre clima e energia da Rede de Investidores de Risco, realizado em Nova York em dezembro de 2011.

Primeiro documento da RIO+20 traz objetivos ambiciosos

Data: 11/01/2012 10:44
Por: Redação TN/Fabiano Ávila, Instituto CarbonoBrasil/Rio+20
Os líderes mundiais que se reunirão no Rio de Janeiro em junho para a Conferência de Desenvolvimento Sustentável da ONU (RIO+20) deverão negociar um novo acordo para proteger os oceanos, aprovar a realização de um relatório anual sobre a situação do planeta, estabelecer uma agência ambiental mundial e apontar um comissário para as futuras gerações.

Além disso, o rascunho das intenções da conferência, publicado ontem (10/1) no site da RIO+20, afirma que as nações serão convidadas a assinar uma declaração contendo dez objetivos de sustentabilidade e a prometer que facilitarão o fortalecimento da economia verde. Os objetivos em questão ainda não estão detalhados e devem ser definidos no decorrer dos próximos meses. Espera-se que temas como alimentação, energia, recursos hídricos e consumismo sejam abordados.

Apesar de traçar um conjunto de medidas ambiciosas, a RIO+20 não deverá possuir um tratado com força de lei que obrigue os países a cumprirem suas promessas. Ao invés disso, os governos ficarão livres para criar suas próprias metas.



Acesse o documento na integra aqui

Africanos e palestinos são ‘não-pessoas” e aquecimento global é um ‘não-problema’, por Noam Chomsky

Publicado em janeiro 9, 2012 por HC

Em 15 de junho, três meses após o início do bombardeio da Otan na Líbia, a União Africana apresentou ao Conselho de Segurança da ONU sua posição em relação ao ataque –na verdade, um bombardeio por seus agressores imperialistas tradicionais: França e Reino Unido, com participação dos Estados Unidos, que inicialmente coordenaram o ataque, e marginalmente alguns outros países.

O comentário é de Noam Chomsky, um dos mais importantes linguistas do século XX, publicado pelo jornal The New York Times e reproduzido pelo Portal Uol, 07-01-2012.

É preciso lembrar que ocorreram duas intervenções. A primeira, sob a Resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 17 de março, pedia uma zona de exclusão aérea, um cessar-fogo e medidas para proteção dos civis. Após poucos meses, essa intervenção foi deixada de lado assim que o triunvirato imperialista se uniu ao exército rebelde, atuando como sua força aérea.

No início do bombardeio, a União Africana pediu por esforços diplomáticos e negociações para impedir uma provável catástrofe humanitária na Líbia. Em um mês, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros se uniram à UA, incluindo um importante país membro da Otan, a Turquia.

De fato, o triunvirato ficou um bocado isolado em seus ataques –visando eliminar um tirano caprichoso a quem apoiaram quando foi vantajoso. A esperança era de um regime mais flexível às exigências ocidentais de controle sobre os ricos recursos da Líbia e, talvez, que oferecesse uma base africana para o Comando dos Estados Unidos para a África, Africom, até o momento confinado a Stuttgart.

Ninguém sabe se os esforços relativamente pacíficos pedidos pela Resolução 1973 da ONU, apoiada por grande parte do mundo, teria tido sucesso em impedir a perda terrível de vidas e a destruição que se seguiu na Líbia.

Em 15 de junho, a UA informou ao Conselho de Segurança que “ignorar a UA por três meses e prosseguir com os bombardeios contra o território sagrado da África era despótico, arrogante e provocador”. A UA apresentou um plano para negociações e policiamento dentro da Líbia por forças da UA, juntamente com outras medidas de reconciliação –sem sucesso.

O pedido da UA ao Conselho de Segurança também apresentava o fundamento para suas preocupações: “A soberania tem sido uma ferramenta de emancipação para os povos da África que estão começando a traçar caminhos transformadores para a maioria dos países africanos, após séculos de comércio de escravos, colonialismo e neocolonialismo predatórios. Ataques negligentes contra a soberania dos países africanos são, portanto, o equivalente a infligir novas feridas contra o destino dos povos africanos”.

O apelo africano pode ser encontrado no jornal indiano “Frontline”, mas foi praticamente ignorado no Ocidente. Isso não causa surpresa: os africanos são “não-pessoas”, usando o termo de George Orwell para aqueles inaptos a entrar na história.

Em 12 de março, a Liga Árabe ganhou o status de pessoas ao apoiar a Resolução 1973 da ONU. Mas a aprovação logo desapareceu, quando a Liga não apoiou o bombardeio subsequente contra a Líbia pelo Ocidente.

E em 10 de abril, a Liga Árabe voltou a ser não-pessoa ao pedir à ONU que também impusesse uma zona de exclusão aérea sobre Gaza e suspendesse o bloqueio israelense, sendo virtualmente ignorada.

Isso faz sentido. Os palestinos são um modelo de não-pessoas, como vemos regularmente. Considere a edição de novembro/dezembro da “Foreign Affairs”, que abriu com dois artigos sobre o conflito entre israelenses e palestinos.

O primeiro, escrito pelas autoridades israelenses Yosef Kuperwasser e Shalom Lipner, atribui aos palestinos a culpa pela continuidade do conflito, ao se recusarem a reconhecer Israel como um Estado judeu (de acordo com a norma diplomática: Estados são reconhecidos, mas não setores privilegiados dentro deles).

O segundo, pelo acadêmico americano Ronald R. Krebs, atribui o problema à ocupação israelense; o artigo é intitulado: “Como a Ocupação está Destruindo a Nação”. Que nação? Israel, é claro, prejudicado por manter suas botas no pescoço das não-pessoas.

Outra ilustração: em outubro, manchetes anunciavam a libertação de Gilad Shalit, o soldado israelense que foi capturado pelo Hamas. O artigo na “The New York Times Magazine” foi dedicado ao sofrimento de sua família. Shalit foi libertado em troca de centenas de não-pessoas, sobre as quais sabemos pouco, fora o debate sobre se a libertação delas pode prejudicar Israel.

Nós também não sabemos nada sobre as centenas de outros detidos em prisões israelenses, por longos períodos sem uma acusação.

Entre os prisioneiros não mencionados estão os irmãos Osama e Mustafa Abu Muamar, civis sequestrados pelas forças israelenses que atacaram a Cidade de Gaza em 24 de junho de 2006 –um dia antes da captura de Shalit. Os irmãos então “desapareceram” dentro do sistema carcerário de Israel.

Independente do que alguém pense a respeito da captura de um soldado de um exército inimigo, o sequestro de civis é um crime muito mais sério –a menos, é claro, que eles sejam meras não-pessoas.

Certamente esses crimes não se comparam a muitos outros, entre eles os crescentes ataques contra os cidadãos beduínos de Israel, que vivem em Negev, no sul do país.

Eles estão sendo expulsos sob um novo programa que visa destruir dezenas de aldeias beduínas para as quais eles foram expulsos anteriormente. Por razões benignas, é claro. O Gabinete israelense explicou que 10 assentamentos judeus seriam fundados lá “para atrair uma nova população para Negev” –isto é, substituir não-pessoas por pessoas legítimas. Quem faria objeção a isso?

A estranha raça de não-pessoas pode ser encontrada em toda parte, inclusive nos Estados Unidos: nas prisões que são um escândalo internacional, nas cozinhas, nas favelas e cortiços.

Mas os exemplos são enganadores. A população mundial como um todo está à beira de um buraco negro.

Nós vemos lembretes diários, mesmo em incidentes pequenos –por exemplo, no mês passado, quando os republicanos na Câmara dos Deputados americana barraram uma reorganização virtualmente sem custo para investigação das causas dos eventos climáticos extremos de 2011 e fornecimento de previsões melhores.

Os republicanos temiam que ela poderia ser uma abertura para “propaganda” sobre o aquecimento global, um não-problema segundo o catecismo recitado pelos pré-candidatos daquele que, anos atrás, costumava ser um partido político autêntico.
Pobre espécie triste.

(Ecodebate, 09/01/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação

Ambientalistas esperam pouco da Rio+20, mas defendem mobilização

Por: Maurício Thuswohl, para a Rede Brasil Atual
Publicado em 05/01/2012, 10:09
Rio de Janeiro – Realizada no fim do ano passado na África do Sul, a mais recente conferência da ONU sobre mudanças climáticas (COP-17) deixou a porta entreaberta para um inédito acordo internacional que abranja todos os países na luta contra o aquecimento global, mas o ritmo em que os avanços diplomáticos acontecem ainda é considerado muito lento pela maioria dos cientistas e organizações do movimento socioambientalista. A necessidade de resolver essa contradição faz com que 2012 seja um ano fundamental para a definição dos rumos da política ambiental internacional, e o ponto alto do calendário de negociações acontecerá na conferência Rio+20, que será realizada em junho no Brasil. Entre o ceticismo e o chamado à mobilização, algumas lideranças socioambientais brasileiras revelam suas expectativas em relação ao evento.

Coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Renata Camargo diz não esperar muito da Rio+20: "Em termos de negociações internacionais, não há expectativa de nenhum novo acordo no que se refere aos temas principais dessa conferência, que são economia verde e governança ambiental para o desenvolvimento sustentável. O que se tem sinalizado é a tentativa de consolidar e reafirmar acordos já existentes para o desenvolvimento sustentável, como cumprir o que diz a Agenda 21, os Objetivos do Milênio, etc", afirma, ressalvando que são esperados avanços no que diz respeito à proteção dos oceanos: "No encontro prep aratório da Rio +20 em Nova Iorque, vários países sinalizaram vontade política de adotar instrumentos legais que possam garantir mais proteção para as águas profundas".

Um dos mais experimentados ambientalistas brasileiros, Rubens Born, que é dirigente do Instituto Vitae Civilis e membro da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS), também não nutre grandes ilusões com a Rio+20, mas afirma que a mobilização da sociedade civil pode ser determinante para seu sucesso: "Grandes conferências da ONU podem ter resultado de eficácia baixa ou de lento cumprimento quando se consideram também as políti cas domésticas, a assimetria de poder dos interesses em conflito, a fragilidade de mecanismos institucionais de caráter nacional ou internacional, entre outros elementos. É certo também que o contexto atual global não inspira perspectivas de decisões e acordos relevantes na Rio+20. Mas isso não nos permite condutas de ingênua tolerância e omissão".

A mobilização da sociedade, segundo Born, deve servir como base a um amplo processo de transformação: "O enfrentamento das crises financeira, ambiental e da pobreza requer rupturas com elementos sistêmicos subjacentes ao ideário desenvolvimentista e liberal que orientou o enfraquecimento dos Estados como meio de permitir maior presença global de conglomerados econômicos, por um lado, e a submissão de todos os aspectos da vida aos interesses comerciais e lucrativos, por outro. A gravidade da crise climática também aponta para a necessidade urgente de valorizar outras formas de se viabilizar energia, alimentos, mobilidade, habitação, saneamento, emprego", enumera.

Um dos principais organizadores dos eventos políticos realizados há 20 anos no Rio de Janeiro pela sociedade civil durante o encontro de cúpula da ONU que passou à história como Rio-92, Rogério Rocco compara os dois momentos: "A Rio-92 trouxe avanços expressivos na configuração das políticas internacionais e na construção de um modelo de sustentabilidade socioambiental. Porém, os encontros que a sucederam tiveram, em geral, resultados decepcionantes. Isso vem acontecendo há duas décadas e aconteceu novamente na COP-17. Isto é, adiaram por mais uma vez a tomada de posições mais firmes quanto à definição de padrões de emissão dos gases-estufa. Com esse histórico, associado às crises econômicas globais, não se pode esperar muito da Rio+20", diz Rocco, que atualmente é analista ambiental do Instituto Chico Mendes.

"Nova fase"
Especialista em Responsabilidade Social e Sustentabilidade Socioambiental formado pela FGV e com atuação como consultor para diversas organizações do movimento socioambientalista brasileiro, Aron Belinky afirmou em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos que a Rio+20 deve ser vista como o ponto de partida para uma nova fase na construção de uma sociedade sustentável: "O seu grande valor é reunir num mesmo tempo, lugar e agenda as múltiplas frentes e debates que enfrenta a humanidade, incluindo tanto seus movimentos e organizações como os bilhões de pessoas que, simplesmente, se sentem alijados dos processos que decidem os rumos e feitios em que se desenrolam suas vidas individuais e familiares", analisa.

Belinky é outro que aposta na mobilização social para dar nova dinâmica às negociações diplomáticas: "A Rio+20 foi convocada pela ONU como uma reunião de caráter político, cujo produto final é uma declaração. Não se pode esperar dela, portanto, grandes tratados ou soluções definitivas. Mas podemos, sim, dar início a processos capazes de desencadear transformações que, em prazo relativamente curto, são capazes de fazer a diferença, contribuindo decisivamente para o futuro que desejamos. Identificar e nutrir as sementes desses processos é uma prioridade estratégica, que a sociedade brasileira e mundial precisa se colocar".

"Definir posições"
Os ambientalistas ressaltam que a Rio+20 é um ótimo momento para o governo brasileiro rever alguns rumos em sua política ambiental: "Uma definição clara de posições por parte do governo brasileiro seria muito bem vinda. Especialmente porque o Brasil, que poderia exercer importante liderança global na construção de um modelo de desenvolvimento com sustentabilidade socioambiental, atualmente implementa políticas que vão de encontro aos conceitos mais básicos de sustentabilidade. A realidade atual nos faz pessimistas, o que demonstra um perigoso quadro para o futuro imediato do planeta, mas tudo ainda pode mudar e o Brasil pode cumprir um papel muito importante", afirma Rogério Rocco.

Para Renata Camargo, a conferência internacional pode servir para o Brasil definir seu verdadeiro perfil ambiental: "A gente espera que, com a Rio +20, o governo possa internalizar mais concretamente em suas políticas públicas a questão ambiental. Mas, queremos que isso ocorra de forma prática e objetiva, não apenas em discursos e em programas que, muitas vezes, sequer saem do papel. Externamente, o Brasil tem publicizado que o país está fazendo seu dever de casa, especialmente em termos de redução de emissões. Mas, internamente, o que vemos é uma política ambiental fraca, com perdas de antigas conquistas e pouco avanço em te rmos de políticas ambientais".

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