Da Redação em 11 janeiro, 2012
Artigo de Malu Nunes.
Proteger a biodiversidade é responsabilidade dos líderes do Brasil, mas o governo, sozinho, dificilmente será capaz de criar em curto e médio prazos tantas unidades de conservação (UCs) quanto o país precisa para manter parcelas significativas de seus principais ecossistemas e biomas. A participação da iniciativa privada é, portanto, fundamental para reforçar as ações públicas, e isso pode ser feito por meio do estabelecimento de UCs privadas, as chamadas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).
Essas reservas, que ainda são pouco conhecidas pela população, precisam ser mais valorizadas, principalmente porque poderão ter sua importância duplicada: se as mudanças no Código Florestal forem aprovadas, as RPPNs se tornarão um dos poucos redutos privados de natureza conservada.
Existem no Brasil 1.062 reservas particulares reconhecidas pelos órgãos federal, estaduais e municipais. Elas estão distribuídas por todos os biomas brasileiros e protegem mais de 690 mil hectares. As RPPNs, em área, representam 0,5% dos 136,8 milhões de hectares das demais 846 UCs (310 federais, 503 estaduais e 81 municipais) e 1,34% das UCs de proteção integral.
A comparação mostra que as RPPNs são muitas, mas que também têm tamanho reduzido. Por isso, elas ganham mais relevância no contexto nacional quando estão estrategicamente localizadas nas imediações de outras UCs, pois, assim, contribuem na formação de corredores de vegetação que mantêm ciclos e fluxos naturais dos ecossistemas – por exemplo, servem de abrigo e pontos de passagem de animais silvestres.
Esse corredor será ainda mais efetivo se as diversas UCs não estiverem separadas por imensas áreas desprovidas de vegetação ou por fragmentos florestais isolados, mas sim se as áreas protegidas estabelecidas pelo Código Florestal – a área de preservação permanente (APP) e a reserva legal (RL) – formarem um elo entre elas. No melhor dos cenários, em que a lei é cumprida e há um planejamento da paisagem, cada propriedade tem sua APP conectada com a reserva legal; e, esta RL é limítrofe às das propriedades vizinhas. Forma-se, então, uma grande área de vegetação nativa que se conecta às UCs. Esta é a complementariedade almejada para o sistema nacional de áreas protegidas: os esforços públicos e privados integrados na proteção dos ciclos naturais.
No entanto, a colocação em prática dessa agregação entre UCs públicas, RPPNs e áreas protegidas (APP e RL) depende de empenho para superar os problemas existentes. Uma lacuna é a deficiência de gestão das UCs públicas. Por mais que alguns órgãos ambientais se esforcem, a criação e manutenção dessas unidades ainda deixa a desejar, pois, há anos, o governo federal carece de uma estratégia integrada de conservação. Isso somente será superado se houver priorização das políticas públicas ambientais sobre as políticas econômicas que visam o desenvolvimento a qualquer custo.
Outro ponto de atenção é o Código Florestal, que está passando por uma revisão por meio de projeto em tramitação no Congresso Nacional que altera alguns de seus artigos. Se aprovada da forma como está, a flexibilização do código permitirá novos desmatamentos de APP e RL, o que torna ainda mais necessária a existência de políticas e ferramentas que incentivem a conservação em terras privadas, incluindo o estabelecimento de novas RPPNs.
Um passo importante neste sentido foi a elaboração de um projeto de lei na Câmara dos Deputados para estabelecer o dia 31 de janeiro como o marco legal de comemoração das reservas privadas. Mais que celebrar o Dia Nacional das RPPNs, espera-se que a data e o próprio projeto de lei sejam pontos de partida para a divulgação em massa dos benefícios dessas UCs e também para discussão sobre incentivos que estimulem a criação dessas áreas e que possibilitem a qualidade na sua implementação.
Por exemplo, os proprietários de RPPN podem e devem receber mais do que a atual isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) e ser priorizados em outras políticas públicas de concessão de crédito; de incentivo à infraestrutura, educação e turismo; e, de estímulo a negócios verdes. Outra alternativa é a aplicação dos mecanismos de pagamento por serviços ambientais (PSA), que recompensam proprietários pelos serviços ambientais – como a produção de água – que suas florestas protegidas geram à sociedade. Já existem modelos de PSA bem-sucedidos sendo adotados no Brasil, mas eles ainda podem ter uma atuação mais estratégica com vistas a resultados de longo prazo, com a criação de modelos de PSA que recompensem os proprietários que já mantêm reservas privadas no entorno de outras UCs, ou, ainda, modelos que tenham o PSA como propulsor para criação de RPPNs.
É preciso sim que as RPPNs ganhem importância no cenário nacional, mas a expectativa é que isso ocorra porque há estímulos para isso e porque a sociedade está conscientizada de que vale a penas conservar, e não pela perda de outras áreas protegidas em propriedades particulares.
Nunca é demais ressaltar que somos dependentes de diversos serviços derivados do bom funcionamento dos ecossistemas, como a provisão de água e alimentos; e que as áreas protegidas contribuem de forma efetiva para enfrentar um dos grandes desafios contemporâneos: as mudanças climáticas, que são decorrentes também da emissão de gases de efeito estufa decorrentes da degradação de ecossistemas naturais.
Malu Nunes, engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)
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