Carta da Terra

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (da CARTA DA TERRA)

Mais energia com menor custo, entrevista com Ildo Sauer

Publicado em março 29, 2011 por HC
ENTREVISTA

Países como o Brasil, com grande oferta de recursos para a produção de energia, deveriam repensar sua política de investimentos em reatores nucleares, afirma o professor Ildo Sauer

O custo incremental de Angra 3, ou seja, os gastos futuros para sua conclusão, ficarão em torno de R$ 8 bilhões. “Podemos demonstrar que com metade desse custo é possível produzir a mesma energia que Angra vai produzir”, afirma o professor Ildo Sauer, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP.

Há estimativas de que os quatro novos reatores nucleares previstos para serem instalados no Nordeste terão custos semelhantes, ou seja, cerca de R$ 8 bilhões cada um, segundo Sauer. Assim, os cinco novos reatores previstos totalizam um montante de R$ 40 bilhões. “Em artigo publicado na Energy Policy em 2009 com Joaquim de Carvalho, juntamente com os estudos recém-concluídos, mostramos que seria possível substituir esses cinco novos reatores por outras alternativas energéticas que custariam a metade e evitaria a criação de um estoque de material radioativo que vai exigir cuidados intensos por 300 anos, e cuidados de grande porte por cerca de 2 mil anos.”

Há uma pressão muito forte de lobbies e comunidades internacionais que defendem a energia nuclear, lembra Sauer. “Mas precisamos repensar profundamente se seria o caso de lançar mão dessa tecnologia no Brasil.”

A tecnologia nuclear para a geração de energia é herdeira do desenvolvimento feito nos anos de 1940-50 nos Estados Unidos para submarinos nucleares. Ou seja, foi adaptada para a geração elétrica. “Essa tecnologia não necessariamente precisa permanecer como está, pois há outros recursos e critérios que tornam o reator inerentemente seguro, no sentido de que não dependeria mais de componentes ativos como uma bomba acionada por eletricidade para resfriar o reator depois que é desligado. Seria um sistema ativado só por convecção natural. Há projetos na Marinha que contemplam isso. Inclusive tentei defender essa ideia quando fui gerente da construção de parte do reator experimental de Iperó (SP).”

Os reatores de Fukushima também são de geração antiga, afirma Sauer. “Pelo que sei, há dois reatores no mundo apenas sendo construídos considerando os sistemas de convecção natural. O sistema chamado Advanced Pressurized Water Reator (APWR) permite segurança passiva. Os convencionais como no Brasil são Pressurized Water Reator (PWR). Os de Fukushima são Boiling Water Reator (BWR)”, afirma o professor do IEE.

Discurso – Ao contrário do discurso dos que defendem o uso da energia nuclear no Brasil, construir novos reatores não acrescenta muito em capacitação tecnológica, afirma o professor Ildo Sauer. “É uma produção em série, que já está estruturada. É como comprar jatos e dizer que com isso estamos adquirindo tecnologia nova”, afirma.

O sucesso do Brasil na área nuclear deve-se muito menos ao acordo Brasil-Alemanha, que foi um “enorme sugador de recursos públicos”, do que ao programa paralelo que a Marinha comandou com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), na opinião de Sauer.

Segundo o professor, foi o programa da Marinha com o Ipen que trouxe conhecimentos na área de enriquecimento nuclear e permitiu a capacidade de planejar, projetar e construir os equipamentos de um reator autônomo que está desmontado em Iperó e cuja montagem talvez custe de R$ 100 a R$ 200 milhões apenas para sua operação experimental.

“Eu comungo com a comunidade nuclear brasileira o fato de que nenhuma sociedade desenvolvida pode renunciar ao conhecimento científico e tecnológico da área nuclear pelos enormes benefícios potenciais que ele traz à indústria, engenharia, genética, agricultura e, acima de tudo, na medicina”, afirma o professor.

Por isso, defende Sauer, o Brasil deveria reconsiderar o gasto de R$ 40 bilhões em novos reatores de energia nuclear e pensar prioritariamente em montar e operar o reator experimental de Iperó com gastos de pouco menos de R$ 1 bilhão.

Além disso, afirma Sauer, o País deveria se preocupar em finalizar o desenvolvimento de um reator de alto fluxo neutrônico que já vem sendo planejado há cerca de 20 anos e que traria grandes avanços na área de novos materiais, agricultura e, sobretudo, resolveria a enorme dependência que o Brasil tem hoje na produção de radioisótopos para diagnósticos médicos.

“Hoje o Ipen faz o que pode, mas ainda temos que importar radioisótopos e com isso a população usuária do SUS está praticamente desligada desse benefício diagnóstico pelo seu alto custo”, afirma Sauer. Esse ambiente de planejar, projetar, construir reator consolidaria a capacitação humana de grande especialidade no Brasil.

O professor Sauer defende ainda que o Brasil revise sua posição no Tratado de não-Proliferação de Armas Nucleares, assinado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. “O documento cria países legitimados para o desenvolvimento de armas nucleares e outros desautorizados. Acho que a ideia seria limpar a humanidade desses armamentos, mas o quadro atual não permite isso. Portanto, o tratado cria uma disfunção entre o poderio militar e o econômico.”

Para o professor, atualmente não há por que delegar hegemonia aos dez países detentores de armas nucleares. “Isso cria uma relação muito desigual. É necessário usar o papel do Brasil, Argentina e outros países para forçar uma mudança nesse cenário. O Brasil foi ingênuo ao assinar esse tratado, sem as salvaguardas de que o mundo realmente iria caminhar para o desarmamento.”

Entrevista realizada por Sylvia Miguel, no Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate, 29/03/2011

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